14.4.24

Contém o que conto

Estou contido entre a lágrima da pergunta e o sorriso da resposta, entre o sono do descanso e a insônia do cansaço.
Estou preso entre o que solidifica meu olhar e o que evapora meu pensar, entre o pesar do que vi e a leveza do que verei, e em tudo isso, vejo de forma contida, o que calo e o que grito construindo uma passagem, mais de lembranças que de esquecimentos, e que cada dia mais é merecedora de mim.

Casciano Lopes

Olhos de criação

Ainda que o caminho seja íngreme, ainda que a escada seja longa, ainda que haja mais chão que pés e que o descanso finja miragem... Ainda assim, seu olhar cria em mim a possibilidade, e todo dia me dá a chance de construção; da casa de abrigo, da rua de sonhar caminhada, do topo da vista... de onde se avista a morada e onde a calma ensina um jeito de chegar.

Casciano Lopes

9.4.24

Porque o tempo

Dias se sentaram na soleira, pedindo pra pousarem as noites, esperando meu gesto de abrir a porta...
O tempo parece que exige casa aberta para construir memórias, e eu ainda continuo apostando na capacidade de me doer só, porque dói a casa das lembranças em quase morte quando fica vazia, e se cheia, me impede de ouvir meus ais.

Casciano Lopes

8.4.24

Há sempre uma chance enquanto respiramos e inspiramos pessoas.
Há.

Casciano Lopes

Eles em nós

Todos temos povos nos contando seus tempos.
Todos temos, correndo em nós suas vidas.

Casciano Lopes

A queda da torre

Perdi a voz quando meninos e meninas despediram-se das portas de sua cidade, quando mulheres e homens tiveram os muros de sua cidade destruídos.
Perdi a voz quando sob escombros a vitrola não pode tocar a música preferida da cidade.
Por fim...
Perdi o lenço e a lágrima não pode nele ser dobrada, escorreu cidade afora.

Casciano Lopes

Persistência

A gente sempre volta...
Volta pras origens, pras prioridades,
volta das batalhas, das desistências,
a gente volta pro começo porque o fim não existe, só recomeço.
Volta pro dia porque a noite acaba e depois pra noite porque finda o dia...
a gente é cheio de sempre, de volta, de ciclos sem fim e de finais de ciclos.
A insistência resiste e a gente insiste,
teima em voltar pro abraço que prometeu o 'para sempre',
em despedir do giro do mundo pra depois voltar pro mundo que gira,
é isso, como o mundo a gente gira e sempre volta.

Casciano Lopes

De alma então

O que se deita em minha mesa, em minha cama, em minhas portas e chão, em meu endereço, esquinas, ladeiras e decisão, não é feito de tristeza ou coisa assim, é talhado na alegria, no sabor aquecido da beleza de quem sabe ser coragem, e que se lança na minha boca como canção, quando pede vontade o coração.

Casciano Lopes

Ré maior

A gente devia nascer pra cantar,
mesmo chorando de parto,
devia cantar.

Casciano Lopes

Somos

Somos...
Mar
Ondas
Canoa
Vivente
Remo
Somos...
Proa e convés
Porto e navegação
Chegada e rumo
Somos...
Folha de carta
Dobra de tempo
Somos...
Coisa que passa, ficando
Que fica, passando.

Casciano Lopes

Elucidar

A luz sempre rasga alguma coisa
que teimamos em guardar
na sombra de nossa angústia.

Casciano Lopes

28.3.24

Ancestralidade e manto

Minha proteção vem de longe, de outros tempos, e os povos que correm em minhas veias entoam cantos que fazem dançar minha direção, não que seja fácil o passo, mas caminho dançado é bem melhor que chorado, e eu, no canto das certezas, vou pouco a pouco sarando minhas dúvidas e aprendendo a ser eterno no pouco tempo daqui, imperfeito, mas protegido.

Casciano Lopes

27.3.24

Pés mesmo que de asas

Descansar não é ausência de tempestade,
é enxergar calmaria dentro dela...
saber esperar passar a tormenta,
sem deixar de acreditar no caminho
que aguarda os pés quando tudo passar.

Casciano Lopes

No compasso, intervalos

Desde que aprendi a florescer, passei por podas, mas aprendi.
Entendi que o coração precisou perder, vi que ele esgueirou-se por paredes solitárias e que não raras vezes, esqueceu de bombear a água do crescimento... não morreu pela umidade dos tijolos solidários e entendi.
Absorvi o vento que tangeu minhas folhas, tanto quanto acolhi o sol que produziu minhas ramas, e da chuva que lavou minhas raízes, bebi.
Desde que nasci, os batimentos atestaram a vida e ainda hoje, pelejam a florescência dela.

Casciano Lopes

Inverso do verso

Tem solidão que a gente nem sente,
é tão grande, que ela é que sente a gente.

Casciano Lopes

25.3.24

Promessa que me fiz

Eu vou estar na fé,
sentado na confiança sempre,
porque dura é a descrença
e desconfortável o lugar da ausência de abrigo.
Tudo aquilo que acredito me faz teto,
e o que me tira o descanso
jamais me tornará um desabrigado.

Casciano Lopes

Testemunho

Na minha vida tudo é milagre, nada do que foi e que hoje é, seria, não fossem eles... os milagres.
Alguns precisei operar acreditando, outros aconteceram por cima de minhas expectativas, e as necessidades geraram, em altar, a espera de tantos... milagres.
Assim como a própria vida eclode num milagre maior e a morte é o começo de outro, o intervalo desses dois tempos causa sonhos e pesadelos, gera ritos e ciclos, gritos e sussurros, clausuras e liberdade... Porque é disso tudo que são feitos os milagres.

Casciano Lopes

Dos tempos

Ainda é possível o hoje, o que tenho, só hoje. O ontem todo dia se vai e o que vem todo cheio de amanhã, se vem... Passa correndo e eu só quero dele o que posso, e sei que posso, quando for hoje.

Casciano Lopes

22.3.24

Rotina

É a vida... Nem todo dia é tempo de rede e água de coco,
tem os dias que o coco cai do pé com você embaixo e sem rede.

Casciano Lopes

Prova viva

Que sobreviva em nós o melhor de nossos dias,
que viva para sempre o tempo bom e o que fizemos dele.
Que perdure o toque de amor aos que necessitavam de mais tempo,
e que não faltem horas dispostas para contar sem pressa
o lado bom aos que já perderam a capacidade de contar.

Casciano Lopes

20.3.24

Ponto de vista

Tudo é uma questão de olhar,
do olhar além de ver,
de sentir além de tocar,
de querer estar, além da palavra
e de saber o outro...
só por amar e aí respeitar.

Casciano Lopes


16.3.24

Lembrar tem gosto

Sabores afetivos, delícias que me recordam... momentos, quem sou, por onde andei e quem amo e amarei; a saudade tem mesmo cheiro, gosto e nem precisa de distância pra se justificar, precisa de amor pra medir a importância.
Memórias.
Os patês, sucos e saladas do meu Bem, que são os melhores da vida... Aliás, tenho saudade daquela melhor caipirinha que fazia quando podíamos nos dar ao desfrute. A quiche da minha nora, a torta de frango da minha madrinha, o churrasco do meu irmão, a polenta de tábua da minha amiga mais antiga, a jabuticaba do pé da fazenda que nasci, coxinhas! Hum... Amo lugares selecionados que nasceram pra produzirem as melhores e que me tornaram um apreciador especialista; coxinhas... Suco de laranja e misto quente de algumas padarias, pingado e pão na chapa de outras, queijo quente... O requeijão de corte da minha infância, o pão caseiro da minha mãe, ah!... a comida da minha mãe, o tempero dela, a sopinha de bolacha maizena no leite ao menor sinal de gripe. Ela...
A saudade... Pessoas, sabores, cheiros que trazem abraços, conversas, olhares, risadas escandalosas, choro sentido, riso contido, músicas novas e antigas compondo trilhas, desenhando trechos da vida. Mesas de encontros, amores servidos, perfumes em apertos de pratos, mãos, corações e em laços de para sempre, ela... Saudade que atravessa.

Casciano Lopes

14.3.24

Arranjo em oferecimento

No silêncio da rosa é tecido um jardim inteiro, a seiva corre calada pelos caules do sustento pra não incomodar os buquês... que são tantos! Que nada discretos, fazem juras e agradam sem palavras os que da emoção viram vítimas mudas e perfumadas de encanto.
Também somos flores oferecidas no sacrifício da palavra, sustentados em nossos corpos que carecem de promessas, por vezes, só olhadas, mas que deixam um rastro do que se faz a vida... cumprimentos.

Casciano Lopes


13.3.24

O objeto e o objetivo

É parte do processo a alegria, como é a tristeza uma ponte por onde se deve passar. Nada pode te atravessar sem deixar as marcas, nem um dia acaba sem que você saiba dele ao anoitecer.
Não é coragem fugir da verdade, assim como o medo também tem sua dignidade. É covardia mentir pra si mesmo pra sobreviver, disfarçando a vida como se pudesse enganar os fins.

Casciano Lopes

12.3.24

Ontem também passa por hoje

Hoje, como em todos os demais dias, precisei me perdoar ao olhar o mundo da minha janela, porque ele também só renasce perdoando o passado, o que fez e o que fizeram dele.

Casciano Lopes

Fuga

Passamos a vida fugindo da escolha...
Fugimos o tempo todo da ameaça de sermos quem somos, de quem viemos pra ser, de quem precisamos ser.
Trocamos tudo em nome da jura que fizemos ao outro, negando três vezes como ao Cristo, a promessa que deveríamos ter feito a nós.
Vestimos as armaduras que nos deram pra uma batalha que não era nossa, quando na verdade, teríamos que nos despir pra ganhar a guerra.
E a vida acaba, como qualquer coisa que começa, finda... e ao final, quando estamos perto de juntarmos as mãos ao peito, num gesto que deveria representar o dever cumprido, nos damos conta que queríamos mesmo é levá-las à cabeça, como quem diz: 'e agora José?'... E o corpo segue a sentença cumprida debaixo da terra, enquanto outros, aqui, assumirão o castigo das sentenças.

Casciano Lopes

11.3.24

Audácia molhada

A decisão que me tirou da inércia, não aconteceu em um dia ensolarado e de rosto encerado de sol; foi num dia de tempestade, de olhos de nuvens pesadas e de face toda molhada, que precisei decidir... embora turva a estrada pela lágrima da escolha, me causou obrigação definir.
O que não quer dizer que não doeu optar... mas não matou como fazer frente aos canhões da indiferença.

Casciano Lopes

Sobre ter... Preciso

Tenho lugares favoritos, abrigos que me guardam com pessoas que me escondem da dor, falas que me aquecem como chás, risos que me transportam do drama pra comédia num passe de circo, pares de ouvidos que me sustentam na escuta como bancos sob pés de amoras, braços com mãos feitas de atenção que sabem fazer o alimento do abraço... Tenho lugares, pessoas que se tornaram lugares, lugares que não desistem de mim, e é por isso que ainda insisto em sorrir; porque o choro, embora exista, não sabe fazer colo, não põe mesa e nem cama, sequer provoca endereço...
A lágrima engole o lado engraçado da vida, e por isso... tenho lugares.

Casciano Lopes

8.3.24

Águas de cantoria

É nascido em mim um rio que corta quem sou...
Cresceu nos fundos de uma casa de madeira da fazenda e corre ainda em mim, ainda me provoca cheias e devasta minha vegetação, ainda me causa solidão quando seca e me alegra quando renasce, e de novo brota das chuvas me trazendo frescor, tilintando seus seixos, equilibrando os eixos da ponte por onde passo, e onde paro pra admirar o curso de tudo que aprendi olhar, pra abastecer meu fluxo de idas, por onde anda o tempo.
Tenho dias de profunda calma e certezas, e outros de angústia que me enchem de dúvidas me transportando pra uma crise de identidade. Ah... não fosse o rio com suas correntes, talvez não fossem arrastados meus pedaços tristes e raivosos, pra que viesse a calmaria junto com as águas que me banham inteiro, e me deixam possível de abrigar feito leito, com seus trechos, com ou sem margens, mas capazes de transbordar o que nem cabe em mim, por isso corre, corta e passa, e eu... sou só berço de nascido, pra contar do rio.

Casciano Lopes

7.3.24

É quase estar só

É nas madrugadas que os dias se mostram possíveis,
que no silêncio observamos os milagres omitidos pela turbulência da tormenta,
que a vida se mostra capaz,
apesar da desistência rondar feito morte de sonho a capacidade de sonhar.

Casciano Lopes


Riscado dentro da gente

Nunca está distante tudo aquilo que amamos; temos parques morando em nós com suas crianças risonhas e seus adultos brincalhões, temos velhos brincantes e jovens que passeiam as alamedas, vivem as descobertas dos desconhecidos que se apresentam e nunca morrem os que emprestaram seu tempo aos bancos da escuta...
Nunca mora distante o tempo que demos e recebemos com o outro dentro, o que ganhamos das horas quando elas nos acomodaram quase que em caixinha de música, onde baila o que nos mantém vivos; o que vive dentro da gente.

Casciano Lopes

5.3.24

O que consome

Que sejam cheios os pratos do mundo...
De gente, arte e abraço
pra espantar a fome que espanta tudo isso.

Casciano Lopes

Minha sombra não é castigo

No fundo, no fundo a gente está aqui pra ser quem a gente é...
Passamos a vida tentando ser melhores que um 'Picasso', quando um 'anônimo' bastaria.
Lutamos pra ser fruta tipo exportação, quando uma nacional do final da feira, apalpada e depredada nos representaria melhor no mercado do mundo, onde nascemos e morremos pra mentira, pra que a verdade reine absoluta.
Este é o desafio: nos entendermos como somos, sem moldura e sem embalagem, sem lindos crepúsculos se nossas tardes pedirem tempestades. Precisamos oferecer nossas estações, aceitar suas condições, pra que ao final da experiência tenhamos, no mínimo, sido bons anfitriões de nós mesmos, porque é disso que se trata a vida... ser a pessoa que somos em nossa casa, em tempo integral, nas quatro paredes do corpo.

Casciano Lopes

26.2.24

Há outro de mim

Ás vezes é preciso transpor quem eu acredito ser,
pra me encontrar, conversar comigo e remover o obstáculo
que não me permite envergonhar-me, causando mudanças.

Casciano Lopes

Arcanos

Vou remendando os danos, o esgarçado dos anos feito costureira os panos. Por mais que pareçam insanos os retalhos ou levianos os vestidos, sigo reconstruindo o que acredito, porque não estou aqui para agradar 'gregos e troianos', vou me vestir da minha obra e sei que sou só mais um entre humanos, que de remendos e em costura passa; não importa quantas vezes me vista diante da linha ou quantas me desvista diante da agulha... só um alguém que, se colocado com os soberanos, prefere os profanos em nome da nudez pronta pra máquina de costura do tempo.

Casciano Lopes

E a escuridão também era caminho de estrelas

Quero da boca o beijo, da lua a rua inteira, da beira a goteira, do lugar a paz e da madrugada uma noite de desejo.
Quero completo, não uma parte, sem anestesia o corte, pra doer e sarar em mim um céu, onde morre lua pra nascer sol, onde chove, mas também venta nas nuvens pra azulejar o voo das gaivotas, até das que voam em mim quando quero tudo, sendo só uma pista sem aviões.

Casciano Lopes

Pautados dançantes

Sei que o agito das águas põe a embarcação em serventia, sei que toda a construção testa a eficiência de seus feitores, sei que a boa calda exigirá também um bom doceiro, assim como sei que o mundo grande colocado na pequena rua que moro pedirá morador em movimento...
Pra tudo que gira ou dança feito a inspiração, será cobrado música e o que ela sabe dar como prova de vida... corpos em andamento.

Casciano Lopes

23.2.24

Verdade, faço questão

Sob que condições? A que preço e em que termos?
Ninguém quer saber, é bem mais fácil achar que o jardim brota do seu estado de flor ou coisa assim.
A meta sempre foi ser honesto com os outros e comigo mesmo, não fingir o que o espelho denunciaria. Nunca procurei a riqueza perene feito sabão em pedra, quis a brancura dos tecidos, esvoaçantes e sem vergonha alguma dos varais.
Quis não dever nada, quis plantar e, ao passear por canteiros, quis construir aromas como numa cozinha, sabores. Nunca pretendi roubar uma flor sem saber do seu caso de amor com o jardineiro e, por fim, quis a vida desprovida das regras e das grandes posses, quis pequeno no que me bastava e grande no que precisava dividir; amor por mim pra ter, pra ser o dono da imagem e do retrato ser mais que fotografia, ser história que valha a pena contar.

Casciano Lopes

18.2.24

Hóspedes e as chaves

Se dependuram no meu pescoço, me abraçam, me cheiram e abusam do meu estado frágil.
Puxam a cadeira, sentam à mesa, conversam com meus talheres, comentam os livros que leio e até me deixam em casa quando me querem por perto.
Bagunçam minhas aptidões pra liberdade, me sentenciam a estar só, me tornam econômico no sentimento dos abraços e me guardam só pra que eu pense ser possuído e possuidor...
Memórias... Póstumas e nem tanto, porque vivem em mim, dividindo quem eu penso ser, entre quem fui e quem nem sei se um dia serei, por causa delas, lembranças que moram comigo desde que se tornaram compulsórias.

Casciano Lopes

Fogo cruzado

Firmei velas nos meus lençóis pra não esquecer da afinação que seus fios produziam quando roçavam nossos corpos quentes, assim meio úmidos querendo qualquer coisa entre enxaguar o calor dos tecidos e apagar o ardor da chama.

Casciano Lopes

Arranjo de uma menina só

Então se levantou, arranjou vaso e colocou mesa, perfumou-se como se fosse ao mercado das moças, tomou posse de um cálice de tinto e se deixou ser paga por suas vontades na poltrona de canto. Não fossem suas ideias falantes seria um cale-se, pois o silêncio da sala nada pode com os gritos das flores.

Casciano Lopes

17.2.24

Saída pra buscar tintas

Dentro de onde não houver mais nada e ninguém, deverá haver ainda uma porta... você com a capacidade de carregar na mala o que juntou; olhos, mãos e pincéis de acreditar as telas dos corredores novos.

Casciano Lopes

Achar e depois achar de novo

Dormir é busca, acordar é encontro.
Trabalhar é busca, descansar é encontro.
Chorar é busca, sorrir é encontro.
Abraçar é busca, ficar é encontro.
Nascer é busca e viver é a arte do encontro.

Casciano Lopes

16.2.24

Contratempo

Em corpo de morar estamos todos,
querendo ser andarilhos
de um mundo que pede endereço fixo.

Casciano Lopes


Só porque vivo, ainda quero

Eu quero o direito de errar manifestado na tentativa do acerto, quero abraçar forte pro medo sufocar e depois andar sem rumo só pra fazer do destino uma dúvida capaz de realizar, eu quero ainda ver chegar na minha descrença um motivo de altar e no meu desespero um milagre pra contar. Quero só entender o choro pra poder explicar o riso.

Casciano Lopes

De tulipas

Talvez se houvessem flores nas palavras,
o silêncio não incomodaria,
pois o perfume exalado calaria a fala sem dor.

Casciano Lopes

15.2.24

Coador em flor

Quando me sento na minha varanda imaginária e degusto meu café imaginário de fazenda, estou de prosa com meus ancestrais e eles adubam a minha imaginação pra que eu floresça no manacá do quintal.

Casciano Lopes

Cochilos

Diante da demora feito sonho, sou só um menino com pressa feito pesadelo. Sonho demais e tenho agravos causados por isso, sou crédulo e quando me assalta o pesadelo, nunca estou pronto pra acordar sem sobressaltos; acabo vítima da incredulidade, desperto todo arranhado, e de novo, sonho acordado e até cochilando, porque não perco a mania de sonhar já que sonho não arranha. Das marcas que ele causa eu aprendi lidar, já da pressa de abrir os olhos não.

Casciano Lopes

Horas depressa

Pode ser que não haja a semana que vem,
o mês do aniversário, o final do inverno
ou aquele dia sem chuva.
Pode haver só hoje,
um dia quente de agenda espremida
entre raios e trovoadas de fim de tarde,
um dia sem data especial argolada no calendário da geladeira.
O abraço de ontem, como o ontem passou,
esfriou feito braço sem colo e o hoje caminha de costas,
tão rápido que, às vezes, nem se despede, só vira passado.

Casciano Lopes

13.2.24

Consciente?

Não, eu não tenho superpoderes; sou frágil diante da dor, áspero diante da injustiça, medroso diante da incerteza, agressivo diante da ameaça, intempestivo diante do cinismo, arredio diante da hipocrisia, insensível diante da tolice, indiferente diante da prepotência, irônico diante da falsidade, ardiloso diante do egoísmo, ácido diante da neutralidade, bruto diante da covardia, rude diante da preguiça e cruel diante da mentira.
Por fim, sou de carne e osso diante do tempo, passando por ele e querendo ficar, buscando sabedoria e iluminação nas suas vagarezas, tendo que lidar com minhas ignorâncias e sombras vorazes e cheias de pressa.
E na verdade, nessa disputa entre eu e o tempo, não tenho a pretensão de ser vencedor, sei bem que é dele o 'superpoder', só quero que quando eu terminar de por ele passar, ele, tempo, tenha de mim o que contar, porque no fim da linha pessoal cruzada com a dele, o que contará não será o herói que vendi pra mídia, será o quanto consegui com ele dialogar dentro de minhas fragilidades e atitudes nada heroicas, não escondendo minhas inconsistências, mas tendo honestidade com minha humanidade, sabendo ser um simples homem e um homem simples, que não passou impune pela experiência frente ao seu infinito tempo, mas que se doeu inteiro porque por ele passava.

Casciano Lopes

12.2.24

Dizer e não ter a vergonha

A vida pede conta, nada é sem motivo ou coisa assim, não  acaso que fira mais fundo que o acaso com que você tratou seus dias, não há corte que sangre mais que os provocados pelo seu desinteresse por sutura, não há combate mais letal que o da falência dos acordos de paz consigo mesmo, até antes da guerra começar, porque a palavra é implacável no golpe e não dada ao acaso, como não o é o silêncio das trincheiras, onde você guarda seu monte de ossos sem causas e recobertos de pele sem preço e que tem que saber cumprir os ditos, porque tão somente viver não é coisa assim, jogado ao acaso, feito palavra sem bandeira de cor alguma.

Casciano Lopes

Só meus

Foi quando olhei quem eu era, que me tornei quem sou, e todo dia me olho pra ter certeza e me ajusto mesmo que na recusa, porque aceitar me confere a convivência comigo, mesmo que incômoda e cheia de dúvidas, mas justa e próxima dos pedaços que um dia quis longe, mas que eram meus.

Casciano Lopes

11.2.24

De tempo marcado

O tempo passou por mim de forma tão delicada que se deixou ficar na minha pele, contando todo dia enquanto continua passando, que continuará em mim ficando.

Casciano Lopes


8.2.24

Sou da turma do riso frouxo

Eu quero continuar me desafiando, não em pular de paraquedas num voo livre... tenho pânico de altura. Quero voar no chão mesmo, em terra firme.
Levar meu corpo pra passear em cada pequena saída, sabe: ir no açougue e comemorar o dia, vibrar com o açougueiro num sorriso largo, demorar em cada esquina com apreço e mirar cada rosto que passar por mim com interesse, pra que todos compreendam de importância e saibam como eu, voar na capacidade de ser feliz com o muito que têm e não triste com o pouco que falta. Preciso me encantar todo dia com o que posso, e sei que assim, poderei me surpreender com a duração do voo...
Talvez "sorri quando a dor te torturar" foi um jeito que Chaplin encontrou de fazer graça, então, vou sorrir, a bengala já tenho.

Casciano Lopes

No varal

E sobretudo manter bem lavado, perfumado e estendido nosso apreço pelo amor, onde não se fere e nem se tem a intenção do egoísmo, onde o humano está acima da razão e o bom senso não agride porque desmentiria a evolução que precisa de grandeza, em corpo de gente pequena, pra ser forte.

Casciano Lopes

Devias ver

O amor foi flagrado num banco de praça apanhando o chapéu que o vento levou de uma cabeça branquinha. Depois foi visto desembalando um pirulito grande demais pro tamanho do seu ansioso pretendente. Foi fotografado arrumando os cabelos de uma dona de mãos trêmulas. E sem querer foi percebido retocando o batom de uma vaidosa sem espelhos do viaduto.
O amor é coisa assim; conta dinheiro pra quem perdeu a visão até das cédulas, mas não a do reconhecimento dele... amor.
É notado parando o trânsito pra travessia da boa hora trazendo vida nova em momento de chegada... o amor.
O amor é um pouco isso; afasta a dor pra longe, não sobrando espaço pro descaso. ...E tudo vira parto, vida em estado de nascimento.

Casciano Lopes

7.2.24

Ato e desato

Quando abracei, foi porque meus braços foram possíveis; quando contei histórias rindo delas, foi porque me fez cócegas a realidade; quando caminhei as ruas e me encaminhei pras campainhas, foi porque tinha nas malas mais notícias que incertezas.
Hoje que o chão foge de mim, que o monólogo me assombra quando esqueço o texto e que os braços mentem espaços entre eu e tudo que vi, me resguardo o direito de duvidar da dor, porque a certeza dela me mata mais depressa.

Casciano Lopes

6.2.24

Zen palavra

Se o que você tem pra dizer
não pode ser dito baixo,
calmamente e de forma doce,
então,
você não tem nada pra dizer.

Casciano Lopes


5.2.24

Porque falam de mim

Os lugares por onde passei ficaram em mim,
e também me contam porque me sabem.
São modificados pelo meu olhar,
suas ruas foram caminhadas por mim
e sua fotografia nunca mais será a mesma.
Suas paredes ressoam minha voz ainda hoje
e meus ouvidos gastos,
ainda reconhecem as falas daquelas calçadas.

Casciano Lopes

4.2.24

A gente e um adeus

Quando acaba, a gente se despede...
Do jantar esperado
Das férias aguardadas
Da festa planejada
Da praia quando chove
Das maternidades e delegacias
Dos tribunais e carnavais
Da feira quando finda
Da infância
Da adolescência
Da boca pequena
Do primeiro beijo
Da primeira vez
Das promessas quando perdem altar
Das cidades que viram desertos
Da serventia quando perde a mão
E por fim, a gente se despede da gente,
sem abraço ou coisa assim,
só com as mãos no peito, como quem diz:
- acabou.

Casciano Lopes

Impermanência viajando

A gente vai embora...
Da primeira casa em que nasceu, da primeira escola, daquela rua dos amigos, daquele bar que conheceu, daquele escritório que parecia eterno, daquele parque no caminho de tudo... A gente vai embora.
Dos dias felizes, daquela semana cansada, das horas tristes, do sepultamento das pessoas incríveis, dos nascimentos, das viagens com seus portos e aeroportos, das rodoviárias e estações, dos anos velhos, dos novos, do mês passado, do que virá... A gente vai embora, vai passar, a gente vai.
Das agendas, das prioridades, dos retratos na estante, das lembranças e seus buquês, dos motivos, do endereço que mora e até dos corações das pessoas que quase eram casa... A gente vai, embora.
E porque a pressa é da vida, assim como a calma é da ida, a gente vai pras origens e caminha de volta pra casa o tempo todo, com a ilusão da permanência convivendo com o seu contrário pra não gostar demais de ficar, porque a gente vai embora.

Casciano Lopes