27.8.11

Da vida

O botão amarelo
Seguido do verde
Tecido em flagelo
Estampa de rede


Tinha o descaminho
Do tempo tão gasto
Puindo colarinho
Deixando seu rastro


Mudando sua forma
Caia o vestido
Quebrando a norma
Do corpo perdido


A bainha desfeita
E casa roubada
Com manga imperfeita
Da etiqueta arrancada


O botão de rosa cara
Brotada em desalinho
Veste de forma rara
Seu vestido de armarinho


Passeia em equilíbrio
De prece o seu tecido
Esperando o ébrio
Ou vinho envelhecido


No corpo esguio
Da rua fada
Uma esmerada... esmeril
Da vida alada.


Casciano Lopes

22.8.11

Auto retrato

Poeta sim, homem de bem
Do bem quero o poético ser
E da poesia a razão para viver
Sem pressa e percorrer sem dor
Cada linha
Cada tinta
E cada homem.


Casciano Lopes

16.8.11

Acidente em curso

Fere sem lâmina a que perde o fio
Corta sem cortante a que perde a linha
Busca sem mapa a que se perde no vento
Rola sem queda a que desce as pedras
Desce sem pedras a que cai da fonte
Rompe sem nó a que estica o verbo...
A que brota fermentada
Feito palavra maldita
Palavra ao vento.


Casciano Lopes

12.8.11

Duzentas


Poderia ser:
Duzentas moedas de prata
Duzentas de ouro
Duzentas viagens inéditas
Duzentas formas de dizer obrigado
Duzentos ídolos revividos
Duzentos filhos nascidos
Duzentos amanhecidos e vivos
Duzentos pontos de partida
Duzentas plataformas de chegada
Duzentas boas idéias
Duzentas...
Duzentas...
É um pouco de tudo isso
Duzentas publicações
Duzentas badaladas deste sino
Demais...
As primeiras de mais
Demais...
De mais duzentas que virão.

Casciano Lopes


Sul seu

Surreal é o tempo ser marcado no teu suor
Contar as gotas para se acabar o gozo
É medir as horas por gemido
É colher o sémen em segundos
Enquanto cai no céu de tuas pernas
O inferno de meu cheiro deitado
É viver anos de sequidão
Em momentos de teus cabelos molhados
É podar teus pelos nos dentes
Para depois remendar
Para metrar as semanas futuras
E embebedar-me na tua saliva safada
Para não ver a noite passar
Para esquecer os ponteiros surreais
De um prazer sem relógios
Sem tempo de passar
Sem bússola de norte e sul
E por assim ser
Ficar em seu sul, como se o norte fosse.


Casciano Lopes













Aparando

Como no deserto o sol
Na areia o caranguejo
No mangue a lama
Cuide...
Beduíno tem camelo
Mate a sede!
Preserve o que bebe
Amamente o que mama
Corte o que cresce
Amole a que caça
Cuide...
Todo o colorido se faz
Tela e aquarela
Diferentes e essenciais
A vida... Cuide...
Se beduíno... Alimente
Se camelo... Bebe.


Casciano Lopes

O beijo



É quente como pão de forno caseiro
Passageiro como chega e vai
Eterno como certa é a morte
Começa no encontro e foge criminoso
Termina onde anda o deserto mordido
Anda perfumando o outro de vermelhidão
Entorta a visão dentro das bolsas cerradas
Saliva o gosto desconhecido e reconhece
Mancha a roupa se prolonga
Se principia, não tem fim... O beijo
Ardida necessidade
Acudida a hora em que acontece
Mira bem fazendo mirabolante a sensatez
Insensatos lábios
Avermelha o céu enlouquecendo os badalos
Enrouquecendo os sinos
Desafinando cordas e respiração.
O beijo.


Casciano Lopes

Tardinha

A tarde fria
Transcorria
Ele dizia e ria
Enquanto ela
Sofria e chovia 
A tarde fria
Chovia porque sofria
Porque ele sorria e dizia
Que embora ia
Porque a tarde fria
Doía e pedia.




Casciano Lopes

11.8.11

Tempos modernos

Da Ásia as Américas,
Das latitudes as longitudes,
Do oriente ao ocidente,
Do Oiapoque ao Chuí,
Dos trópicos aos polos,
O que importa é desbravar
O coração de um homem...
Cada vez mais solitário,
Ensimesmado,
Catatônico,
Meditabundo,
Sorumbático.
Um coração capitalizado
Por tempos monetários,
Globalizado na velocidade,
Regido por pixels, bytes,
Tempos da "nano"...
Pequena ficou a capacidade
De sentir as estações,
De medir as horas pela janela,
De sentir o amigo de perto,
De dividir a lenha
Numa fogueira de inverno.
Desbrave como bravo,
Os campos dos seres,
A vizinhança desconhecida,
O outro lado da rua,
O estranho da janela amarela,
Ao invés das janelas do office de sua mesa fria. 


Casciano Lopes

Eles

Um dia alguém parou...
Pensou fazer,
Pensou doar,
Se dar.
Pensou poder,
Querer,
E ser.
Examinou-se...
Viu-se capaz,
Por vezes incapaz,
Mas quis,
Querendo fez.
A capacidade
Brotou com o fruto,
O amor veio no olhar,
A certeza do poder
Morou sempre no lar,
No suor teve a alegria
Só encontrada no balanço,
E na madrugada achou força
Para ver o primeiro riso,
O primeiro choro,
Para ler a primeira letra,
E ouvir o primeiro discurso,
Onde se fundiram um dia...
A integridade ensinada e a aprendida,
A lealdade doada e a alcançada,
O caráter plantado e o colhido.
Fundiu-se...
O homem e o pai.
Resultando num filho apaixonado
Pelo homem que um dia pensou poder ser...
PAI.

Casciano Lopes

Outro capaz


A capacidade de sentir saudade
Vem da capacidade do outro de provocá-la.


Casciano Lopes

1.8.11

Conhecendo-te

Todo frio, corrente e seu ar
Toda nublada, nuvem e sua tarde
Todo o medo, vento e seu algoz
Não ofuscam e nem aplacam...
Os acordes de tua voz
A sinfonia de teu tempo
A pele de tuas palavras
E a melodia de tua existência.


Casciano Lopes