26.3.14

Assédio... um capital falido

Quiseram calar-me
Afugentar minhas capacidades
Quiseram bulir no que há de mais primitivo
Tolher minha liberdade de expressão
Quiseram o tempo todo...
Descontentar-me para submeter-me
Divergir para proibir meu pensamento
Desvirginar minha condição humana
Expondo minhas vergonhas
Envergonhando o caçado quinhão
Quiseram sim...
Omitir, mentir o merecimento
Desmentir, oprimindo o lutador

E pela palavra que aprendi
Bradei, bastei, rasguei acordos que não fiz
Hoje sou a caça e o caçador
Capaz de reprovar quem quiser se adonar
Sou a cartilha e quem a escreve

Um trabalhador.

Casciano Lopes

Nas vias de meu silêncio, meu barulho

Quando as paredes silenciam
Ainda resta a rua...
Esta jamais nega uma árvore falante
Uma mulher que resmunga e um menino brincante
Há vida que corre nas calçadas junto aos pássaros
Enquanto bancos escutam sonhos que voam.

Casciano Lopes

Linhas além

Todo dia construo janelas nas velhas paredes
Paredes gastas, sem mais linhas para tanta história
O mundo que vejo através de minhas vidraças
Possui linhas virgens, sobras de tempo esperando casos.

Casciano Lopes

Cabe quanto pesa

Se soubesse o quanto
Talvez em mim
A medida não caberia
O quanto, se perderia
E eu, continuasse sem saber.

Casciano Lopes

Nada vejo... Nada ouço... Nada falo

Fugir, pode ser nada fazer
Imobilizar-se, também é fuga.

Casciano Lopes

13.3.14

Quarto e cozinha

Até o aperto...
Dos corpos espremidos em vãos
Dos corredores estreitos de chão
Dos exprimidos anseios castigados
Dos inconsoláveis enfeites pendurados
...Não se sabe
Até...
Que as plantas reclamem da falta de sol
Que as portas se fechem em caracol
Que a rua desminta um endereço
Que a casa pressinta fim ou começo
...Não se sabe
Da liberdade, dizer
Da amizade, o que é
Da dor, o doer
Da tarde, um fim de fé
...Até
Conviver com seus cômodos
Vizinhos ou parentes incômodos
Rever ausências e suas reticências
Desalinhos virar caminhos de residência
Não se sabe...
Da força do quarto e cozinha de cada um.

Casciano Lopes 

11.3.14

Pessoa de minha pessoa

Vou passar feito a feia da esquina
Ou a bonita da vitrine
Tornar-me obsoleta como notícia
Ou a capa mais vendida da banca
Esta pessoa passará, o manequim
...Até mesmo o jornaleiro
Passar, um verbo em plena execução
Comum às pessoas
Que não querem conjugá-lo.

Casciano Lopes

Via

Quando sou calçada
Duro mais que pedra
Não quero só o concreto
Quero o sentir, rua úmida a fluir
Sei que posso ser a chuva
Traçar com pernas calçadas
Se não um Gene Kelly, talvez sua passada
Sua dança, seu calçado encharcado
Mais que calçada, um chão
Um jornal molhado, um habitante
Uma folha itinerante, um guarda chuva, quem sabe...
Abrigar o abstrato enquanto me disfarço de passagem.

Casciano Lopes

7.3.14

Sentir x Falar

Há momentos em que a língua se cala
O coração se abala e a palavra perde a fala
Há um instante no tempo
Em que os verbos se prostituem
A cartilha se omite e o lápis perde a calma
Há um homem em tudo isso
Há muito... Há pouco... Agora mesmo
Há e haverá o que pensar, se não dizer.

Casciano Lopes

Do inferno

Me adjetivam todo o tempo...

Envergonhando vez ou outra, o dicionário dos bons modos das palavras
Atiçam minha ira enquanto discordo do mundo
Enfurecem meu quietar e eu só penso em quieto ficar
Me arrancam as medidas e ainda assim, teimo em me despir, vestir ideias

Descubro em cada ciclo lunar, um [da lua] em meu interior
O mesmo louco que aflige os obscuros difamadores sem astros...
Continuarei enluarado, da lua, de lua, em lua...
Porque sei que não sou daqui, é que me calo
Deixo a guerra para os que pleiteiam um pedacinho desse chão falido

...O inferno de cada um.

Casciano Lopes

...Da possibilidade morar

Se não puder construir...
Eu acampo.
Casciano Lopes