30.6.10

Esperando na porta

Da minha porta olhei o mundo...
As curvas delimitam em verde o que não posso transpor
Que por não poder enxergo em preto, cinza turvado
Tão pouco! Tão companhia... Quão difícil!
Tão verde a mata... Tão bege a solidão
Tão azul o céu... Tão negra a prisão
Fez-se asfalto do meu chão
Minhas letras, meu mundo de ilusão
Quando me perco, me acho na ventania
Preso num ninho de folia de sabiás e curiós
Quando sacolejo uma canção no peito
Sinto cá a correria de uma saudade passada
De uma dor tão enjaulada
Que os versos brotam como algemas
Os pés sonoros de correntes compõem música triste
Os joelhos se repelem
Juntam-se com mãos e encolhidos
Gemem aos ventos uivantes das montanhas esverdeadas
Que se apagam em cinzas nas minhas portas cerradas
Anuncia-se uma chuva...
Revive ao centro do peito uma tinta
Que começa a colorir meus tons pastéis
Espero a chuva...
Como aquarela para as minhas matas.

Casciano Lopes

29.6.10

O tempo por testemunha

À Profa. Jacy

Chora a ostra, a concha, o mar
A que guarda a pérola
Guarda o tempo.
O grão de areia fere no aperto a carne
Que sangra a construção da jóia rara
Sofrida e esculpida em suas gavetas.
A joia cara avoluma-se de beleza sua riqueza
Clara brancura dá lugar ao perolado
Da que sara em tanto esplendor.
Que seu primor duvida e acredita
A concha outrora que se contorcia em dor
Fechada por tempo de guardar valor.
Se abre à luz do dia
Se mostra à luz da noite
Faz clarão de escuridão.
Olhos brilham esmerados
Diante da que se deixou entalhar
Pelo tempo de customizar herança.
Nos colos desfilam
Reluzentes a soma daquelas
Que o tempo cozeu e encareceu.
Pois ele empobrece e enriquece
O que nele poupa sua capacidade.
Faz nascer e morrer o mentiroso
Para que sempre viva o verdadeiro.
Faz crer e desacreditar os que esperam
O tombo dos que conhecem seu tempo.
Os que elaboram as palavras
Tem seus dicionários soprados por sua eternidade.
Montam arapucas
E enxergam os pássaros libertos correr por ele.
Lutam para dissimular no tribunal
E só conseguem vê-lo desmontando a farsa.
Impedem a fala de muitos
E se tornam mudos aos seus veementes caprichos.
Fazem cativos os pensamentos
E precisam se dobrar ao efeito de sua vontade.
Quebrantam a onda com barricadas
E se molham na salmoura de sua fidelidade.
O tempo...
Escultor da cara resposta
Que decora o peito de quem acredita,
Que cora a face de quem espera
Que desespera a tola espera de quem desconhece...
Ele que funde a jóia no fundo do mar
Que devolve ao mundo a crença rara
De que a testemunha tempo fiel
Não passa, embaraça, é juiz da balança.
A esperança...
De quem na praia descansa suas pérolas
De quem como ostra acredita
No silêncio ou no grito da dor
No tempo por testemunha.

Casciano Lopes



Equação felicidade

Passeia desequilibrado
Meio tonto
Poucos e muitos
Misturados
Conjugando diferenças
Elaborando contextualizações.
Titubeia um não que é sim
Confuso equaciona
Relação, função
Soma, subtrai
Divide e multiplica.
Enlouquece o sábio
Ironiza o padrão
Aborrece o velho
Ensina o novo
Esclarece
Entontece.
Nos embriaga
O amor
As paixões
Opostas apostas
De felicidades mil,
Tão sofríveis
Tão essenciais.

Casciano Lopes

Duração

Os momentos são importantes
Porque são pequenos,
Quando ficam grandes demais
Deixam de ser momentos.

Casciano Lopes

Sofisticada destruição

Belos prédios
Antigos ou novos
Majestosos, imponentes
A força do poderio
A balança do quanto pesa
Caminhando em direção aos ares
Desafia o solo
Crucifica o natural
Arquiva o sonho
Nos vitrais confessa ambição
Morre o vento na avenida
Conduz seus brinquedos na horizontal
Enquanto na vertical das estruturas
Sobem metálicos e frios
Corações opulentos
Em sofisticados quadrados.

Casciano Lopes

Movimento


O que gira nossa esfera
É o que faz arder nossa rotação
O que permite as vontades
Faz doer e não reclama o coração.
A insistência do movimento
Quebra as barreiras
E o corpo desperta na sonolência.
O pensamento tão solto
Põe à prova o gosto
Reprova o proibido
E aprova qualquer loucura.

Casciano Lopes

Silêncio

Cantam as pedras
Resvalando na alma inoxidável
Choram as folhas caídas dos galhos pensos
Pensam as cinzas sopradas de rochedos distantes
Dormem as alianças da construção barulhenta.
Indecisa caminha a ideia
Alvejada de sonho desampara a calma
E a boca já balbucia silêncio.

Casciano Lopes

28.6.10

O intocável

O poeta é violão dócil...
Intocável
Sempre pronto a destilar...
Dedilhar
Seus pensamentos...
Coreografados
Suas idéias...
Remasterizadas
Suas letras...
Adestradas
Beijo roubado...
Bandido
Cura...
Ungido
Um caderno qualquer...
Despautado
Que se enche de versões...
Inversões
Diversões em cordas...
Intocáveis.

Casciano Lopes

24.6.10

Em cores

Busco os girassóis
Como quem busca vida para tela
Sou andarilho da busca...
Procuro o encontro dos amarelos capazes
No azul e do azul quero a mistura de tons
Se busco e encontro... Sou capaz
De dançar na chuva todas as cores
Toda a tela amarela-azulada
Viro aquarela
Pincel amarelado com todos os matizes
Sou um colorido mosaico de busca.

Casciano Lopes

Apenas

A nascente que sacia o berro
Se guarda na relação das diferenças
Os opostos que gado e gente consomem
Mata a fome de corpo caminhante
Os contrários se abrigam
Sob o mesmo gigante abrilhantado
Os desiguais tem seus pelos, plumas e cabelos
Soprados por correntes sem destino
Oceânicos suspiros de criador
Resmungos vulcânicos de destruidor
Tão ímpares
Tão pares
Seres que igualam-se na redoma
Que misturam-se na química
Que fermentam-se na massa
Que resumem-se em criaturas... Criados
Isso faz toda a diferença.

Casciano Lopes

Dama do que restou

Triste Senhora de chita
Com seu terço nas mãos
Nos pés um seco nordeste
Na cabeça o chapéu desfiado
Só palha queimada no milharal
O cachimbo torto sem forças tombado
Reza pelo filho longe crescido
Pede pelos netos sem rostos
Passa pelo terço e chega a cruz
Implorando nuvens pesadas
Quem dera escuras e carregadas
Rezadeira da cadeira perneta
O rosto dobrado em fatias
Chora a única água do dia
Despede-se de suas latas vazias
Cochila na rede
Adormecendo na sede
Matando saudade nos sonhos
De quem morreu mais um dia.

Casciano Lopes

Diagnóstico

De amor se morre um pouco ou por falta dele
De pouco... se acaba em suspiros
Em suspiros se enegrece a alma
Perdendo-se em brancura a face
Desbotam-se os lábios sem boca
Amargura-se a língua
Não conta mais o tempo.
A pele insensível desconhece toque
Atrofiam-se os dedos
Os sentidos acomodam-se sem cheiro
O marcador bombeia só sangue
Sem emoção e adrenalina.
Diagnostica-se um corpo só
Largado à indelicadeza
Sem qualquer provimento aos olhos
Necessita-se de um remédio só
Um outro corpo só que aqueça
As vertentes da vida do inerte.

Casciano Lopes

23.6.10

Zôo e você

A cobra fuma
O boi voa
A vaca dança
A galinha costura
A égua samba
A onça soluça
O leão dirige
O tigre canta
A zebra desfila
A anta ri
A paca manca
O macaco planta
O urubu cozinha
O gato choca
E você?
Não seja óbvio.
Vamos!
Não seja breve...
Hei!
É cedo pra desiludir
É tarde pra desistir
É eterno se persistir
É tudo se quiser.
Surpreenda!

Casciano Lopes

Procura-se

Qualquer coisa entre o umbigo e os joelhos
Entre o grão e o sabugo do milharal
Entre o que não foi escrito e o que dita a cerimônia
Entre a buzina do carro que atravessa e o corpo cego estendido
Entre o altar vestido de branco e o trajado de listrado sentado
Entre o ponto e a que espera desvestida o pão sofrido
Entre a ovelha que se tosquia e a beleza da ilustre nos salões
Entre o espinho crescido e o botão não nascido já vendido
Qualquer coisa entre a derme a epiderme
Que faça criar um jeito novo de acreditar no homem.

Casciano Lopes

Santo e profano

Profano...
Não ter a coragem
Esconder a certeza
Fugir do que é beleza
Não fazer a viagem.

Matar a verdade
Mentir e acreditar
Dormir para calar
Morrer com pouca idade.

Escravizar para rezar
Libertar tarde demais
Deixar malas no cais
O importante menosprezar.

Negociar o que é amor
Disfarçar o medo do ser
Cerrar o punho no poder
Roubar do outro a cor.

Santo...
Não é ser pequeno
Santo...
Fugir do profano veneno.

Casciano Lopes

Pelada

Sua
Lua
Nua
Sua
Tua
Rua
Crua


Casciano Lopes

Morte do violeiro

Viola deitada ao lado
Cordas esquecidas
Sonoridade perdida
Curvas acomodadas
Chão de guardar melodia
Travesseiro de não compor
Caixa de guardar música.
Lá vai ele...
Seguindo calado o destino
Músico da caixa
De enterrar canção.

Casciano Lopes

Menos neutro

No papel mudo e passivo
Tracei umas retas
Cruzei umas paralelas
Com compasso fiz círculos e semi-círculos
Tentei distinguir os riscos inertes
Continuei no papel mudo menos passivo
Elaborei nas retas umas maquetes
Nas paralelas semáforos esbocei
Nas rotatórias dos círculos canteiros plantei
Tentei desvendar uma atividade naquela passividade
Quando me dei conta de que faltava uma ponte
Tracejei o elemento sobre a pobre vista
Quando vi nascer caminhantes na mortalidade
Descobrindo que transpunha a neutralidade
Trazendo vida à paisagem morta
Assim que é...
Deveria ser.

Casciano Lopes

22.6.10

Amor e música

Na batida do compasso da vida partitura
Sola só o descompasso de um coração
Solista interpreta a alma da canção
Maestro, batuta, sopros numa arquitetura
Rege o enrijecido cello
Manobra o acinturado violino
Claveia a pauta de sol
Os espaços semifusam
Os acidentes adornam a harmonia
Juntos, orquestra
A composição e o enternecido
Celebram o amor
A descoberta de uma obra inédita
O caro e raro solfejo do iniciante.

Casciano Lopes


Irracionalizando

Os irracionais
Não pensam...
Para ferir
Para derrubar
Para atacar
É seu instinto.
Os racionais
Pensam...
Logo amontoam-se em cobiças
Atropelam a alma e agridem tudo
Tempo
Vento
Verde
É sua educação.
Irracionais:
Felizes eternos
Racionais:
Infelizes mortais.

Casciano Lopes

A morada

Moro onde mora a liberdade
Onde grita a lealdade
Onde vive o sempre novo
Canto onde precisam as paredes
Onde mandam consoantes
E se encaixam os anseios
Decoro onde pede peito nú
Onde as cores desbotam
E botões renascem sem verbo
Moro nas perguntas
Respondo em cores os tetos que divido.

Casciano Lopes

Sol nascente

Quando o sol estilhaça minha vidraça
Reflete nas repartições de meus museus
Novo brilho em velhas telas
Penetra nos recôncavos dos entalhes
Mistificando o rústico
Tornando profundo o capricho do artista
E ao cabisbaixo pensador
Revelado mais um dia
Desvendado a sol
Retocado a brilho
Esboçado em cavalete banhado de luz
Prometido a esperança
Pincelado a gratidão
Mais um sol nascente
Mais uma arte poente
Um latente poeta ensolarado.

Casciano Lopes

Pressa

É a cova rasa
Que separa o prato e o faminto
É o dia quente
Que fere o oceano e escalda a areia do caranguejo
É a mansidão
Que irrita a calma do apressado
É a lentidão dos ponteiros
Que me acelera os batimentos
Desacelerando as idéias.

Casciano Lopes

21.6.10

Passageiro

Fazer o coração
Acelerar antes de um beijo
Desacelerar antes de uma perda
Fazer o tempo
Travar badaladas num abraço
Adiantar ponteiros para matar saudade
Fazer permanente
A imagem de um sorriso
Eternizando a cor dos lábios úmidos
Tornar passageiro
O instante de uma lágrima.
Queria...
Ter tempo
Ser tempo
Dar tempo
Queria...
Tempo.

Casciano Lopes

20.6.10

Loucura

Louco
É qualquer coisa assim
Como esquecer infância
Roubar de si próprio
O motivo da escolha.

Louco
É manter-se detento do ego
E por paradigma
Não recolher seus frutos
Por terem caídos da árvore.

Louco
É vestir-se para cobrir
O que o outro não gosta
É a ira retida
Faca embainhada.

Louco
É recolher-se cedo
Enquanto tudo acontece
Amanhecer mais cedo
Enquanto o muito fenece.

Louco
É existir pouco
Pouco fazer
E dar-se por satisfeito.

Casciano Lopes

Ommm...

manda
a
manta
ou
mantra
canta
e
encanta
o
tantra
e
espanta
a
santa

de
tanta
monta
quebranta
a
planta.

Casciano Lopes

19.6.10

O sonho

Ontem pintei um quadro,
Abstrato que só...
Tinha forte o azul,
Em pinceladas maestrais.
Pintei um livro à penas,
"Poetisei", divaguei no branco,
Enchi de linhas,
O doce sabor de arte.
Compus ao piano, que nem toco,
Um clássico... Homenagem a Beethoven.
No bandolim que não aprendi,
Chorei um choro que não conheço.
No municipal recordei estréias,
Óperas e lúdicos contos encenados,
Acordei sentado no palco...
Com pincéis, canetas e instrumentos,
Desmontem o palco...
Me deixem aqui.

Casciano Lopes

Ser

Sou áspero, sou rude
Rio que corta sem percurso
Tempestade lateral de riscos
Gelo em calor fervido
Monte em céu diluído

Fera em colo de manso
Pasto de carro de boi
Chicote do açoite
Negro do tronco
Senhor do engenho

Palmeira de travesseiro
Palha do colchão
Cão guia raivoso
O conto mal acabado
O capítulo que faltava

Quem?
Sou...
Mobília substituída
Por vezes subtraída
Outras acolhida

Decoro salas antigas
Moro no imaginário
De uma cômoda
Divido os caixotes
De madames e engraxates

Eu mesmo, com rugas
Marcadas com beijo e sal
Febril no desejo
Estéril na alma
Só letra não composta

Idioma não codificado
O tudo impregnado
De versos enjaulados
Finalmente... Sou...
Um ser ejaculado.

Casciano Lopes

Vida exibida

Fantasia é a alegria travestida de exibida
Se mostra toda maquiada
Como em circo a acrobata
Mora dentro feito criança
Aquece a velhice das manias
Corre nas veias de levantar corpo.
Amiga que palpita e opina
Alfineta a noite
Deixando doida a madrugada
Enlouquecida a manhã raiada
Exibindo vida em travestidos risos.

Casciano Lopes

As tintas

Tingem
Pés de verde-azul do mar,
Olhos de rosa-céu,
Banham de púrpura lábios,
Encantam corações de vermelho,
Pintam branco nas espalmadas mãos,
Faces amarelas de rubor avinholado,
Enlutam a luta de preto,
E despedem-se do passado que dorme pálido.

Casciano Lopes

18.6.10

Calada poesia

O verso que digo hoje
Vem sentado na calçada
Vem sem rumo
Sem prosa
Sem passado
Tem o muro
Não a casa
Só estrada
Tem o mundo que separa
A vida que se acaba
Vem no choro da piada
A gaiola de cantata
Preso o verso corre
Se esbarra
Se arrasta
Como um pobre
Um bêbado
O abandonado
O verso das grades
Do segregado
O verso sem grito
Caminha em silêncio
Calado...
Vai meu verso...
Calado.

Casciano Lopes

Tereza

Era uma tereza na janela
Por onde fugiam tantos oprimidos
Quanto cativos do castelo forte,
A fortaleza retida retinha
A imaginação e detinha
O equilibro do desequilibrado detento.
Não longe dali brincando de terezas,
Maria fugiu por uma
Para se casar com Terêncio
Que de tanta querência
Não ficavam mais distantes,
Bem feito para o pai Inocêncio.
Distante dali a Tereza de dona Terezinha
Casava-se com Modesto de outro Inocêncio,
Inocente ou não
Mais modesto que o pai de Maria
Que precisou de tereza para casar.

Casciano Lopes

Mãos

Mãos se juntam...
Na escuridão
No clarão
Na chuva
Na imensidão
No aperto.
Mãos...
Colaboram
Votam
Agradecem
Apontam.
Mãos ensanguentadas...
Na cruz
No crime
No afago
No tapa.
Elas...
Seduzem
Enlouquecem
Roubam
Empobrecem
Sentenciam
Absolvem
Publicam
Proíbem.
Escrevem o que ditam as regras
Empurram da ponte e tiram de lá
Manipulam as fórmulas
Operam o milagre.
Se nos riscos da palma
Reage o destino
Se empresta à leitura.
Capaz de suar na emoção
Cantar nas cordas
Tirar e dar prazer
Com seus movimentos de mãos.
Trabalham e constroem
Destroem e reconstroem
Viajam na estrada do outro
No corpo, na boca
Fere e trata
Cura e amaldiçoa
Amamenta a carência.
Mãos...
Quase divindades
Com dez pequenos deuses.

Casciano Lopes