14.9.23

Trecho pra ler em ônibus

Quando as estradas passavam correndo e as fazendas com suas costas expostas me acenavam feito cafezal em flor, terras desconhecidas de tão desconhecidos donos, quando choravam meninos ou resmungavam velhos, tão desconhecidos quanto, ao meu lado ou na vizinhança da vista...
- É... quando parecia que as horas se demoravam, é que corriam, eu via que sim, talvez era tão bom que eu fingia não ver.
Era assim que eu colhia imagens pros meus dias, olhos de câmera moderna, rápida, registrando tudo, vez ou outra captava até um gado pastando, um boi desavisado tomando água no bebedouro da sombra da árvore...
'Talvez o que eu não entendia, o que passava na janela do ônibus, era a vida.'
A vida, tal qual a estrada em movimento, nos mostra e a gente guarda, nos mostra e a gente não vê, outras vezes nos rouba pra si e nos torna parte da estrada e nunca mais seremos os mesmos; nem a janela que era filtro, nem as terras com seus donos não vistos e nem as bocas murchas dos velhos e meninos dirão os mesmos resmungos.
A gente resmunga porque a estrada é boa, quer e não quer chegar, passa e não quer passar. Embora seja uma viagem, quer durar, nem que seja na janela, mesmo não sendo lugar de ficar.

Casciano Lopes


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