A gente deixa digitais em tudo que toca, numa arma de por fim ou num lenço que embala começo, a gente deixa digitais, numa taça de brinde ou no sangue vertido na lágrima, no copo dos olhos, a gente deixa digitais.
No corpo da gente e nos corpos dos outros, quando a gente lava os pequenos ou grandes, nascidos ou mortos, a gente deixa digitais.
Numa cama estendida, numa roupa alvejada, numa palavra amarrotada, passada ou não, no ferro com ou sem vapor, a gente deixa digitais, naquela camisa branca ou naquele casaco preto, a gente deixa digitais.
Na roupa nova ou velha, nas de núpcias ou de luto, da luta... a gente deixa.
Digitais.
Naquele bolo de festa, naquela rua da pressa, naquele quarto da calma, naquele banho de chuva, naquelas mãos com ou sem flores, a gente deixa digitais.
Na água que resta, na gana pouca, suada ou não, ou na fé da cana que promete, tanto a sobriedade do doce quanto o bêbado cálice da cachaça. Cale-se! A gente é só digital...
Na boca calada da face de expressão, no alarde feito com ou sem razão, naquele pão dividido ou negado, na passada que a vontade dá ou na covardia dos pés quietos, a gente deixa digitais...
E vira culpado do que fez e do que não fez, vira procurado porque marcou presença ou lonjura... e se assim é, que seja encontrado o motivo que justifique os dedos que ficam ou que partem sem mais tocarem.
Porque digital é coisa 'quase crime', que se a gente não comete, já cometeu ausência e, só por isso... é criminoso.
Casciano Lopes