23.6.12

Poeira nos lençóis

Deitei nos lençóis como estrada empoeirada
Pasmei minhas costas para cavalgada
As patas puro sangue com suas passadas longas
Firmes e campeãs marcavam a terra de minha pele
A poeira levantou num gemido
Em solo de trotar
De quem estrada gosta de ser...
Eram de punhos... Era de jóquei...
Costas para passeio,
Mãos para passear.
E o prazer...
Ah... esse deixa para as apostas
De quem conseguir imaginar...
Ousar apostar...


Casciano Lopes

Poesia azulada

Não sei...
Eu gosto dos azuis,
Gosto dos azuis das roupas,
Daquele azul anil do [anil] que mamãe usava,
Gosto do azul dos olhos,
Gosto do azul do céu,
Do azul do mar,
E quando esses azuis se encontram então...
Então gosto dos azuis,
Azuis dos mantos,
Azuis das festas,
Azuis das luzes,
Sempre achei que a alegria era azul,
Os pássaros tem seus azuis,
Os lápis de cor me tingiram de azul,
A chuva da infância molhava-me em azul,
E a alma [se existe]...
A minha seria azul da cor da alegria,
Que hoje sei que existe.


Casciano Lopes

19.6.12

Mangueira

A vaca robusta e estática
Remoía seus pensamentos
Enquanto despejava seu branco.


O retireiro em pose posto
Dilacerava seus sentimentos
Enquanto corria por dedos o branco.


A leiteira de alumínio fingindo silêncio
Contava a medida do abastecimento
Enquanto a gordura se afastava do branco.


O menino pequeno e sambudo esperando
Olhava de perto o acontecimento
Enquanto de cores se enchia o branco.


...
Ali dividindo com o retireiro o seu banco.
...


A leiteira
A vaca
A cor matinal
O futuro em branco
Do menino do banco.


Casciano Lopes

17.6.12

Mundo em reunião

À cabeceira da mesa sentou-se
O oportunismo.
As horas avançaram
E a reunião tardava ter início,
Pois todos haviam chegado,

A deslealdade
A ira
A intolerância
A mentira
A hipocrisia
A demagogia
A incompetência
A ironia
A covardia
A cobiça.

Menos...
A preguiça,
Que lá pelas tantas da noite
Chegou descompromissada,
Toda senhora dos passos,
Sentou-se em frente ao oportunismo
E assim iniciaram as discussões,
Regadas a muito vinho e queijos.


O que parecia um cerimonial
Com tanta pompa e circunstância,
Adentrou pela madrugada fria,
E vencidos pelo inverno daquela mesa,
Encerraram os trabalhos dando início
A uma calorosa troca de ofensas:


Ninguém queria arcar sozinho
Com a conta alta demais,
Pois dividir ficou difícil.
Eram egoístas demais para isso.
O consenso impossível, desistiu
E o bom senso nem sentou-se à mesa.


Sentados na mesa ao lado,
Um casal em silêncio observava tudo.
Cansados daquela algazarra,
Liberdade e Honestidade
Puseram fim aquela quizumba...


Pagaram a conta.


Casciano Lopes

14.6.12

Moenda

Toda luz que brilha forte
Encontra um caminho escuro
E neste,
Um homem se orienta.
Todo mar que se movimenta
Encontra um barco à deriva
E neste,
Um homem deixa a tormenta.
Toda manhã que se inventa
Encontra leito desfeito
E neste,
Um homem que enfrenta.
Não tem que ser benta a vida
Mesmo que o homem seja o Bento.


Casciano Lopes

7.6.12

Equívoco

Há coisa mais pernóstica que
Uma criatura
Desejar arduamente vender sua


Ideia,
Crença,
Conceitos

A outra?

Talvez por isso o mundo tenha se tornado
Um lugar insípido e sem identidade.

Casciano Lopes

Depois de amanhã

Não é que não tenha fé
Que deixei de acreditar nas pessoas
Que seja auto-suficiente
Ou que esqueci o passado.


É que aprendi separar verdades e mentiras
Isolar ilusão e ficção do que a realidade me deixa apalpar
E ignorar o que não traz construção
Por fim entendi que o presente só depende disso tudo.


E que o futuro é mais de sonho que de fantasia.


Casciano Lopes

Lua

Quando ela está iluminando,


Tenho certezas.


Quando não está,


A certeza de que ela volta,


De novo me enche de certezas.




Casciano Lopes

24.5.12

Qualquer infância

10, 20, 30, 40 anos...
Não importa!
Quando a alegria
Bate à porta
Todos temos
Qualquer idade
Entre 2 e 8 anos.

Casciano Lopes

Suspensa

Tão intensa cena,
quanto tensa moça
que pensa.

Casciano Lopes


No reverso da vontade

Se de fato toda a força for colocada
No empenho da vontade
O impossível das utopias
Se tornarão edifícios plantados nas calçadas
Margeando as ruas por onde passarão
Tanto a preguiça descabida
Quanto a coragem construída.


Casciano Lopes

Peito quilha

O coração é um sujeito muito estranho:
Desconhece a razão
E discorda da lógica.
Quando a bússola aponta para o impossível
Ele insiste que é possível ajustar velas.
Individualista e corajoso como é
Muda até os ventos
Dando conta da nova direção
Tratando dos próprios arranhões
Quando ancora no porto.


Casciano Lopes

Posto que é chama

Trançado
Amarrado
Entrelaçado...


Divide combustível e chama
Separa o ardor
Provoca calor
Ilumina o negro
Apaga o breu
Se espalha em luz
Enquanto em combustão
Desfaz-se até morrer.


Como o homem passa...
Fazendo clarão do perigo
Dissipando-se em luz
Até que um dia...


O pavio se apaga.


Casciano Lopes

28.4.12

Secreto tempo e seu sentimento.

Era um tempo sem medida
Como hora sem partida
Como dor feito ferida
Era de febre percorrida


A latente que não ia
A serpente que mordia
A tristeza que doía
A mala que não se abria


Via
Corria
Pedia


Fugia
Subia
Descia


Fria
Profecia
Pontaria


A vontade é impedida
Por licença concedida
Da saudade impelida
A dizer da dor contida.


Casciano Lopes

10.4.12

Morte precoce

O homem nasce sabendo amar
O amor...
O gesto é carregado dele
O choro é brotado dele
O olhar é inundado por ele
O sono é embalado por ele
Com o passar do tempo
...Vem
A educação
A sociedade
A religião
...Fica
A mais valia
A limitação
A intolerância
...Perpetua-se
A indiferença
A autoridade
A alienação
...Vai
A solidariedade
A partilha
A humanidade
E quando a morte bate no peito
O mesmo homem já o desconhece...
O amor que morreu muito antes.


Casciano Lopes

29.3.12

Lenha

Lá no fim da curva da estrada de morar,
Bem colocada na paisagem de admirar,
Uma fumaça branca encantava a vista
Colorindo o céu e do galo a crista.
Subia e se espalhava na plantação
Cobria de interior toda a criação
Enquanto o pomar verde esfumaçava,
A jabuticabeira pretinha branqueava.
A cerca que proibia, envelhecida, sumia
E só se ouvia do outro lado o gado que mugia,
A charrete que descia com cavalo apressado
Na terra fofa escondia o barulho do trotado.

...E lá dentro, na casinha sertaneja de madeira,
Um fogão de lenha com chaminé e chaleira
Com mania de grandeza que parecia caldeira
Cozinhava o jantar da vida fazendeira.

Casciano Lopes

Sete... Pode ser...

Terço
Pode ser a terça parte...
Pode ser o caminho da cruz
Quarta
Pode ser a quarta parte...
Pode ser a quarta feira
Quinta
Pode ser a quinta parte...
Pode ser a da Boa Vista
Sexta
Pode ser a sexta parte...
Pode ser a sexta maravilha do mundo
Sábado
Sabatina
Santo
Sagrado
Desejo dominical
Deitado
Dividido em sete
Descansos
Subtraindo a segunda
Com segundas intenções.

Casciano Lopes

26.3.12

À flor

Ela é vista por entre distâncias
Cavalga elos
Semeia ou colhe
Nua, a noite fria aquece.


Põe mesa
Apara o vaso
Acolhe as flores
Mesmo que não existam.


Decalca entre paredes
A cama grande
Estampa seus lençóis
E imprime corpo mesmo ausente.


Faz da terra um acaso
Do deserto um habitado
Elabora a paisagem
E decora a sequidão com seus jardins.


Do peito faz palco
Do céu um rio
Da pele calafrio
E do caos a imensidão...


...A poesia.


Casciano Lopes

22.3.12

Anjo



Não há barreiras em minha terra
A serra transponho
Na lua rodopio
No sol sinto frio
Nas águas adormeço
Meu berço é onda
Minha santa me sonda
Tomba seu azul
Me embala...
Me guia...

Eu já guio o que sei
O que tive e terei
Já tenho o que guardo
Já guardo o que é meu
Eu sei.

Casciano Lopes

21.3.12

Todo dia

Eu preciso...
De alguém com coração caloroso
E que de bom grado divida-o comigo
Que tenha nas mãos os calos de solidão
Para nunca querer estar ou deixar só
Que goste de contar meus fios de cabelos brancos
Antes que se tornem incontáveis
E que conte mais de uma vez
Tantas quantas eu adormeça antes do resultado
Eu preciso de um bom dia todo dia
Eu preciso...
Retribuir o aprendizado
Enquanto aprendo existindo.

Casciano Lopes