26.11.12

Despertar

Quando descobrimos o caminho, podemos transmutar choro em riso e pedras em penas. Somente quando entendemos que o caminho da vida não é tão difícil quanto aparenta ser, ele ganha uma vista que antes não contemplávamos, por negligência ou desgaste da retina da alma.
A transmutação ocorre da consciência para a ação, o resultado é o mais puro esquecimento da dificuldade do passado. É bom saber que o diagnóstico é simples: transplante de retina... 
Existe! O novo órgão encontra-se à sua disposição dentro do peito.

Casciano Lopes

6.11.12

Alguns pensam saber o que é poesia e poeta

A poesia sabe dizer...
Aliás, só mesmo a poesia pode por compreender, dizer todas as palavras, enriquecendo sentidos. Ela tem todas as licenças, todo o direito e liberdade de dizer.
A poesia desloca, transloca, acomoda, enfoca, assopra, cura, inquieta e sossega, ela desce e percorre, caminha, insulta e depois acolhe, ela navega o mar do poeta, e...
Este, só sabe permitir o fluxo.
Ela não cobra do poeta imitação e nem exige que saiba nadar, apenas que saiba dizer de todas as suas mulheres e homens, que saiba aproveitar todos os sons e sentir todos os perfumes, e que namore todas as cores que ela lhe trouxer.
A poesia...
Bendito o que sabe falar sobre ela mantendo suas imperfeições, pois uma das funções da poesia é sutilmente fazer com que cada um sinta-se parte de um mundo tão imperfeito quanto imperfeitos, o leitor e o poeta.

Casciano Lopes

Entre certezas

Talvez eu não consiga ser todas as mulheres que retratei
Talvez não possa vestir todos os tecidos que padronizei
Talvez não tenha incorporado as bicicletas que ensinei pedalar
Talvez não tenha vivido os homens que descrevi
Talvez as senhorinhas interioranas nem tenham lembrança de mim
Talvez aquela água doce e límpida nem banhou meus calcanhares
Talvez o verde das matas que pintei nem eram tão verdes assim
Talvez aquele curió ascendeu antes de descender em mim
Toda poesia que canto, talvez...
Só não digo talvez quando a certeza se coloca na ponta da caneta
E diz no branco do papel: Escreve!

Casciano Lopes

Feitio

Foi brincando de cavalinho feito de vassoura de palha
Escorregando em batedor de roupas liso de sabão de tacho
Trocando 'filipes' de café por prendas
Jogando burquinhas no meio da terra fofa
E me lambuzando uma vez no mês de suspiros e cocadas
Que cheguei a homem feito.
Feito aquele mesmo menino, continuo sonhador
Feito de histórias grandes
Feito da vista que tenho
Que avista vida em tudo.
Que bom que foi feito assim.

Casciano Lopes

5.11.12

Balanço

Um dia você se depara com ela...
É perguntado sobre resultados,
Sobre parcerias, companheirismo e de sua entrega...
Pode apostar...
Ela não estará interessada nos resultados financeiros,
Nas parcerias de negócios,
Ou de quantas horas você dedicou ao capital...
Você descobrirá a humanidade e sua importância,
E que ela será a única moeda com valor na hora de fazer o acerto,
Que as parcerias deveriam sempre ter ocorrido no espaço dos corações,
Que os resultados contabilizados,
Vão sempre apontar a direção do semelhante,
E que a entrega mais importante foi a realizada ao outro.

Casciano Lopes

Finitude

O que me mantém vivo é querer ainda ser tanta coisa!
Aprender tanta coisa e compartilhar tanta coisa!
Embora sabendo, que no final de tanta coisa,
Descobrirei a falta de muita coisa.
Ser incompleto é o que move essa máquina.

Casciano Lopes

18.10.12

Correio voador

Ontem, tardinha...
Um sol de arte,
Refletia na janela sem cortina,
De vidros limpos e transparentes,
Que adornavam a sala,
Trazendo um temperamento dócil.
Passeando por entre os sofás,
Uns raios dourados e quentes,
Que pareciam sentar-se nas almofadas,
Feito um fim de dia querendo conversar,
Acomodou-se em todo o espaço,
Abraçando e se deixando tocar.

De repente quebrou o silêncio,
Um pobre pássaro em viagem.
Em voo atirou-se na transparência,
Chocando-se com o bico, asas e vontade,
Assustei-me em cuidados,
Mas o viajante seguiu viagem,
[Ainda bem que resistiu sem queda]...
Pena que não estava aberta a tal janela,
Talvez o indivíduo tivesse sentado
E participado da conversa...
Trazido noticias...

Casciano Lopes

17.10.12

Desatento

No descuido do sopro do vento
A pétala descuidada
Esvai-se em cores pelo chão
Que por atento abriga o tom
E sustenta a dama que o percorre em flor.

Casciano Lopes

16.10.12

Dentro de mim

Meu interior...
É feito de terra vermelha,
De treminhão,
De canavial,
De picuás,
Tem rádio grande na parede,
Quadro de santa na sala,
Pererecas no banheiro.

Meu interior...
É feito de pé de amora,
De jaca na estrada,
De jabuticaba no pomar,
De carambola florida,
Tem cafezal carregado,
Moinho no alpendre,
Torrador, forno de barro no terreiro.

Meu interior...
É feito de relâmpagos e raios
De garrafada e chá milagroso
De respeito ao divino
De lençol cobrindo espelhos
Tem rastelo e foice
Enxada, peneira e enxadão
Moringa e relógio de bolso.

Meu interior...
É feito de penteadeira,
De trim,
De leite de rosa,
De alma de flores,
Tem bateria de alumínios,
Pote de água de mina,
Lamparina e fogão de lenha.

Meu interior...
É feito de dama da noite ao pé da escada,
De capivara junto do açude,
De coral de grilos de noitinha,
De cigarras esganiçadas a tardinha,
Tem cachimbo e cigarro de palha,
Fumo de rolo,
Dedo de prosa.

Meu interior...
É feito de panela de ferro,
De caldeirão de feijão de vara,
De pamonha e polenta,
De chaminé e carvão,
Tem São Jorge na lua que é grande,
Sapo assustando no meio da trilha,
Cumeeira e coruja espiando.

Meu interior...
É feito de picumãs,
De batedor de cantar roupas,
De latas e fogo,
De grama e cerca farpada,
Tem bambuzal que não se quebra,
Cantoria de galos,
Paineira na porta da casa.

Meu interior...
É feito ninho de João de barro
De roça e trabalhador,
De novena e benzedeira,
De sanfona e fogueira,
Tem peão e cavalo de pau,
Burquinhas e boneca de milho,
Dia de compra e de reza.

Meu interior...
É feito de Casas Pernambucanas,
De charrete e trator,
De buzina trazendo chiclete,
De cavalo trazendo senhor,
Tem caipora e sacis,
Mula sem cabeça,
Gente que não é gente.

Meu interior...
É feito de cristaleira,
De colchão de palha,
De colcha de retalhos,
De escovão e ferro de brasa,
Tem boi bravo no pasto,
Cachorro com medo de chuva,
Horizonte bem perto da mata.

Meu interior...
É feito de remendos,
De banho de canequinha,
De compadres e comadres,
De queijo e doce de leite,
Tem - Bença pai e bença mãe,
- Deus te abençoe,
- Dorme com Deus,
- Amém, dorme você também.

Sim senhor! Este é meu interior.

Casciano Lopes

11.10.12

Manutenção

Um dia eu parei numa rua de silêncio,
Sentei-me no denso burburinho do tempo
E comecei a elucubrar umas contas de acerto.
Não demorou muito e a visão ficou turvada,
Apareceram umas imagens distantes
E quase apagadas, fez da vista embaralhada.
Foi no acerto de contas e em meio àquele chão
Que o imenso e não menos tenso ontem
Passou seus acordes, e em meus ouvidos buscou afinação.
Foi quando o tempo fugiu correndo, porque o dia vinha varrendo
Eu já não era mais sozinho e a rua fez-se caminho
E, ajustados os pensamentos, segui com a multidão.

Casciano Lopes