20.2.13

Imaginação... essa tal moradia

Eu moro aqui junto das corujas
Que me ensinaram ver tudo com olhos grandes
Junto aos relógios dependurados e as adagas embainhadas
Junto do trem de ferro que só viaja na lembrança... aqui
Eu moro com uns pequenos de um mundo invisível...
Não pra mim.
As cirandas e as palmas, o rodar das saias, também vivem aqui
Se prenderam neste tempo de arame farpado uns bons modos
Que ainda teimam em resistir, mora tudo aqui
Um pouco de poesia, música, amigos imaginários
Um compadre de duendes e fadas
E um ninho habitado por estações ferroviárias
Mora tudo aqui, e eu...
Moro todo.

Casciano Lopes

Passagem em tintas

Se o tempo passa...
Passam tanto os temores quanto os calores.
Fica a passagem carimbada...
Que fique também a tinta no carimbo
E que outros tempos
O descubram lendo.

Casciano Lopes

Gente que brota

Gosto mais das árvores
Dos pássaros plantadores
Das sementes inocentes.
São raras, dão flores
Produzem sabores
Mais gente que gente.

Casciano Lopes

Adiamento honrado

Não basta sentir
Tem que chorar
Não basta pedir
Tem que gostar
Tem que elaborar
Mas também agir
Tem que labutar
Mas também se ferir
A vida que basta
Que a morte afasta.
Casciano Lopes

Era tempo

Era um tempo sem pressa
Sem métrica e véu
Sem cordas e feiras
Era um tempo sem margem
Sem partida ou chegada
Sem fuga e corredeira

Era o vento na janela
Era a roça florida
O pão do forno de barro
O requeijão dos guardanapos
Um tempo de vagar
De vagalume, de lamparina
Devagar.

Casciano Lopes

Ao bem banhado

Agora entendo cada gota
Do tempo
Do céu
Do olhar
Do banho
Lépido
Trépido
Intrépido

Casciano Lopes


Eu, tu, ele...

Sou feliz assim...
Acreditando sempre!
Demorando aprender... acho que para aprender direito.
Cultivando... ao menos tentando, todos os que vivem em mim
E são tantos! Porque somos o conjunto da obra
E ainda somos inacabados... Que demore o fim da construção.

Casciano Lopes

Pedra multi

A pedra bruta que rola em limo
Faz escada que leva ao cimo
Não raro, da vida arrimo.

Casciano Lopes

17.1.13

Cora Coralina

A poesia está para o homem
Como o açúcar está para o tacho da doceira...
Que o diga Cora Coralina!

Casciano Lopes

Naturalmente equivocado

Bate e afoga a mesma onda que movimenta as águas
Ecoa nas pedras o grito e o assobio do vento
Juram a mesma promessa o arco-íris e a nuvem negra
O mesmo espinho que fere, protege e embeleza a rosa
O campo que produz o trigo, espalha a praga
A árvore que dá a sombra, ás vezes nega o fruto
O sol que brota e aquece aqui é o mesmo que empobrece ali.

E o homem ainda conta uma glória que não é sua.

Casciano Lopes

Mártir

O verdadeiro mártir de um país
É o que constrói a riqueza deste
Sem deixar-se contaminar por ela.
Geralmente vivem pobres,
Morrem pobres, sem nunca serem notados.

Se quiseres o título...
Tens que ser pobre
Tens que ter nome de João, de Maria
Tens que sofrer em filas
Tens que calar
E se chorar... que seja baixinho
Para não incomodar
Tens que soluçar... jamais gritar
Tens tendências ao anonimato?

Casciano Lopes

Ser são

O passado que conheço de tempos
E o de pouco tempo conhecido
Me ensinam o presente respeitar
Porque nem tudo sei
E amanhã nem tudo saberei
Importa que saiba lidar com meu espaço
E meu circular por ele
Porque no futuro contas não hei de dar
Do que não era meu pensar.

Casciano Lopes

Recomendo

Se o gato que não tenho, subir na árvore, chame o bombeiro.
Se o cachorro que ainda não gerei, sumir, ofereço recompensa.
Se eu esquecer a tabuada, não me venha com palmatória.
Se eu deixar de imaginar coisas...
Chame por mim.

Casciano Lopes

Obra

As vezes sinto dor...
Sim! Sinto dor.
Tenho momentos de solidão
Onde nem mesmo minha presença é suportável.
Sinto dor...
Tenho nos meus corpos as marcas do tempo como todos
Algumas invisíveis. Não dos meus sentidos!
E como sinto!
No entanto, com todo o sentimento continuo a entender
Que os mapas riscados no meu tempo
Não hão de impedir que minhas veias continuem compondo
A arte de construir o que acredito.
Quero apenas que estes mesmos mapas transformem-se
Em plantas e que estas orientem a construção.

Casciano Lopes

O mundo do não

O mundo perde o riso...
A cada criança sem pão
A cada vez que se diz não
A cada dor de irmãos
A cada preconceito emplacado
A cada atitude mesquinha...
Perde-se o riso e o mundo sem tintas
Vira um circo sem lona.

Casciano Lopes