17.1.17

Lavadeira

A lágrima que lava a terra
que faz poça e encharca a serra
também leva a febre da vista
molhando de leve o que dela se avista.

Casciano Lopes 

Ninguém se afoga

Quando a boca rasga em céu,
é no mar da língua que o amor nada
e a poesia navega em calma,
voa em alma os pés de véu.

Casciano Lopes 

12.1.17

Soluço em linha

A poesia teve medo...
viu a garça triste na beira do lago
e o lago tão triste quanto sujo e sem poesia
...teve medo
A poesia ficou medrosa
viu a praça se despir de gente
e o banco tão triste quanto nua a poesia
...teve medo
A poesia se curvou amedrontada
viu velhos sem lenços de embalar clamor
e suas veias saltadas quase sem tinta e pena
...tiveram medo, perdendo a cor

Ela teve medo...
A poesia
A que faz da letra triste
verso
E de verso triste
...Poesia.

Não há choro longo que não se dobre
E que não se encurte num poema
numa linha de poesia.

Casciano Lopes

20.12.16

Discipulado

O
homem
mesquinho
explora
a
simplicidade
do
outro,
enquanto
que
o
benevolente
aprende
com
ela.

Casciano Lopes

Não definhe, dê fim nela

A raiva
é tão má conselheira
que não sabe falar...
agride,
seu portador não progride...
regride.

Casciano Lopes

11.12.16

Jardim de inverno

Aqui o vento
Canta e faz bailar a nuvem negra
Aqui dentro
A tempestade lava a planta
Tudo aqui dentro...
Dentro de mim

Onde flor se cria
E uma vez
Plantada
Adubada
Lavada
Ninguém arranca
Só procria.

Casciano Lopes

Controle

Cuidado com os excessos;
no cuidar,
no preocupar,
no delegar,
no controlar,
no limitar...

Não raras vezes o exagero se converte
no retrocesso de seu Eu,
no inverso de suas palavras,
tornando convexo o caminho reto,
deixando sem nexo sua direção
e perplexo você se perde dentro do próprio coração.

Casciano Lopes

10.11.16

Sossegai

Acalma tua calma
e reaprenda que apaziguar
é arte que começa por você.

Quando teu rio for tranquilo,
as corredeiras ao redor
copiarão teu ritmo.

Casciano Lopes

19.10.16

Bastidor

No bordado da existência
é preciso entender que a linha é curta para tanto pano
e que é na junção das múltiplas linhas que o desenho cria forma.
Precisamos caprichar na arte
para que outros a queiram continuar.

Casciano Lopes

14.10.16

No balanço do mar

Já passei por abismos quase sepulturas e estreitas pontes como que linhas puídas furtavam meu passo...

Sobrevivi para dizer que de fato o que não mata nos fortalece.
De tudo restou a graça de poder dizer que ainda é possível acreditar, de que quando tudo parece terminar ainda pode se recomeçar.
Aprendi que os amigos são mesmo os irmãos que o coração escolheu e que os dedos de minhas mãos contam os meus, antigos e presentes que ainda dão conta de meu hoje.
Aprendi que a família é um patrimônio caro e que nos ais ou no cais é ela que põe a mesa, que seca a lágrima, que guarda a calma em tempestade até que se acalme.
Aprendi que só existe um amor capaz de abrandar a vida da gente, uma vez só ele acontece e será o suficiente para justificar uma vida inteira, um amor em forma de gente que cuida e encorpa a alma da gente e que faz da estrada algo coerente. Subidas e descidas compartilhadas em par de asas, gêmeas que sabem fazer possibilidades de voos traçados e orientados na troca de olhar.
Alma é coisa do verbo amar... amor, uma conjugação de mar, do amar quase sem dor, do doer e sempre amar.

Casciano Lopes 
Outubro 2016
Estrada 46
Finalzinho do primeiro tempo

Cigano sentimento leitor

É preciso amor
aquele que bate fora do peito
para segurar nas mãos do outro
e saber ler o que elas dizem.

Casciano Lopes

2016

O ano das relações provadas e aprovadas,
do estreitamento dos laços,
do apertamento dos frouxos nós,
do laceamento das líquidas palavras
e do encantamento do que de fato importa...
O amor sacramentado na ferida calada e selada,
no benzimento de um beija-flor.

Casciano Lopes

Batida surda

Nada perco com o silêncio,
depois que aprendi calar
descobri que as pessoas
são mais interessantes...
Era o meu barulho
que me impedia de observar.

Casciano Lopes

Brincando de gente grande

Que nunca se acabe
o sonho da criança
e que nunca
se desmonte seu brinquedo.

Que nunca se perca
os dedinhos que apontam
nem o horizonte apontado
seu vizinho ao alcance das mãos.

Da criança, da criança, da criança...
até da que vive em mim.

Casciano Lopes

26.9.16

Bem que podia se fazer bem feito

Vivemos num mundo

em que se comemora a morte do outro... é bandido
em que se agride a vida do outro... é pecador
em que se dilacera a história do outro... é imoral
em que se perturba o silêncio do outro... é incômodo


Mundo em confusão numa agitação de mundos

sentimentos torpes de uma humanidade falida,
perdida e desprovida de qualquer essência que cheire bem,
que queira bem ou que traga nas veias a corrente do bem...
do bem que um dia fomos e que trouxemos aqui para fazer.

Casciano Lopes

25.9.16

Do lado de fora

Quem mede a dor da ansiedade?
Da curiosidade que a porta de um consultório divide
Quem mede?
Da agonia que faz do acompanhante um paciente
Da intranquila pulsação que faz arrítmico um coração
Da falta de notícias que traz uma mente em corpo de boatos
Quem mede?
Quem faz dos céus um pequeno mundo e do chão um poço sem fundo?
As horas que se esticam e os ponteiros que perdem a calma explicam:
Que se do lado de dentro a vida briga com a morte
Do lado de fora a paciência briga com a sorte
E atrás de futuro...
...Segue ambulância
Conclui-se que a vida precisa ser tomada
Abrigada, acreditada
Então, tudo entra no compasso
O coração entra no passo
O céu ganha espaço e o chão vira mundo bom.

Casciano Lopes

Estrada 46

Ao passo
que já não posso...
Ao passo
que já não faço...
percebo mais acertos dados
nos andados passos
não à perfeição do que traço,
mas o são no traçado do laço
com meu espaço
...por vezes devasso
...por vezes embaraço
mas sempre
com largos braços
quando abro o compasso
que da vida abraço.

Casciano Lopes

Caminhante condecorado

Conheci alguns heróis na minha vida
e isso fez toda a diferença na visão que tenho
e na distinção que faço
entre caminho e pedra do caminho,
embora compreenda a importância de ambos.

Casciano Lopes

Note

Carregue no bolso um bloquinho de notas e dois lápis,
um sem ponta.
A gratidão é importante, tome nota.
As ofensas não merecem ser lembradas e caso tenha o ímpeto da anotação,
use o lápis cego... sem ponta,
afinal você não precisa desapontar-se com suas anotações.

Casciano Lopes