18.10.25

Sob céus

E que saibam,
o que nos envolve,
nos transforma
em um mundo possível.

Casciano Lopes

Eis a questão

Quando nasci eu não sabia,
fui aprendendo devagar;
enquanto crescia,
sem saber eu construía as fotografias
sem quase nada saber.
Hoje ainda não sei,
mas gosto de olhar nos álbuns
a pose com jeito de interrogação que fazia...
ainda ensaio a exclamação,
mas faço fotos.

Casciano Lopes

No saber

Sei que posso reconhecer minhas noites,
já andei de mãos dadas com meus dias.

Casciano Lopes

Milton Nascimento - Sem pedir licença

Vivemos como eternos; só que não somos, passamos rápido demais. Cruzamos o bosque do mundo muitas vezes sem abismar as quaresmeiras, sem pescar as sombras dos ipês, sem namorar as amoreiras com beijos de suas amoras, sem abraçar jabuticabeiras, sem cheirar rosas e sem deitar com as margaridas.
Sem saber que cruzaremos o rio que tudo corta, vivemos suas margens com a canção que corre por ele, sem nos molhar, ou molhando só os pés, perdendo a oportunidade da parceria da composição.
Poucos se eternizam... o fazem quando plantam árvores no seu entorno, quando não só saboreiam o caminho, mas constroem passagens, jardins e descansos na água que canta. Raros ficam morando na travessia dos que cruzam e cruzarão o tempo; uns atravessam a ponte dos lados, outros se despedem aqui e depois partem, destes, diz-se que suas obras transcenderam a vida, viraram 'Miltons'.

Casciano Lopes

Aceite

Talvez seja a única forma de conviver...
Com quem fui e sou, com quem serei.
Com todos os 'ontens' que ainda vivem em mim, com o hoje que me promete 'amanhãs'.
Desde aquele medo infantil até o assombro crescido, aquela vontade adormecida até o sonho despertado.
Entre o acusado e o defensor existe a sobrevivência que exige existência, que exibe por ousadia a presença e que, só assim, carrega todas as suas versões de pertencimento, sem duvidar que, para pertencer ao processo da caminhada, precisa tão somente aceitar seus pares, seus heterônimos que vivem do lado de dentro, onde caminham tantos e todos os meus que aprenderam ser.

Casciano Lopes

15.10.25

A largueza em vista

Me oriento pela grandeza...
Seja na arte com todas as suas modalidades,
na totalidade das pessoas que vivem tudo hoje,
ou naquelas que emprestam tempo e,
que nele se entregam como se morressem um tanto,
porque morrem.
Me diminuo olhando estrelas,
que conhecendo a imensidão,
se tornam tão miúdas pra caberem no meu olhar.

Casciano Lopes

Tempo de viver

Quem pede assento,
quer ficar e sabe rir,
porque o riso não tem pressa.
A curva que faz um sorriso nos lábios
leva mais tempo
que a linha reta do semblante endurecido.
O que acentua o idioma de um rosto,
não é o embrutecido caos dos dias corridos,
é o quanto cabe da lenta alegria
nas suas linhas de escrever a precisa vida.

Casciano Lopes

10.10.25

Ao cume

Feito fumaça desafiada pelo fundo de uma agulha, passo.
Os passos não são mais os mesmos, a montanha é; o que o topo me reserva é a vista que garante a escalada.
As passagens restritas ficam no subsolo da minha vontade, a leve coragem o vento leva...
Feito fumaça que sobe, vou lá, onde o medo se dissipa pra caber o mundo da cobertura.

Casciano Lopes

Diante da lembrança

Num canto de minha memória tem uma cômoda, coisa pequena, miúda e de poucas gavetas.
Às vezes me sento no chão, reviro os guardados e os organizo, outras vezes, abro os compartimentos e me perco em pensamentos antes mesmo de mexer na caixa de fotografias, ainda tem os dias em que desarrumo o que pensava estar arquivado, e durmo diante dos papéis que escrevi pra mim, sonho com a sala cheia e o móvel me dirigindo, acordo e preciso fechar a janela pra que o vento não cause barulho.
Na maioria dos dias, tiro só a poeira dela e mantenho uma distância segura.

Casciano Lopes

9.10.25

Mente sã conduz

Grito não cura dor e nem diminui a sua intensidade,
não eleva o doente ao patamar dos sarados.
A dor gritada empobrece a alma,
enlouquece a calma do espírito e reduz a lucidez.
Um bom silêncio atenua os sintomas,
elabora o desatino e desata os nós da estupidez algoz.

Casciano Lopes

Um pé de primavera

Não importa o inverno...
Como foi
Como está sendo
Tudo florescerá novamente
Não porque temos esperança
Mas porque esperamos flores
Que o tempo delas prometeu
E as coisas duram seu ciclo
Nada mais e nada menos
Assim como nós que duramos
Das estações a duração.

Casciano Lopes

8.10.25

Interceder

Que tudo se explique na convivência comigo mesmo, que eu entenda de recomeços, que fique mais lúcida a minha calma, e que jamais eu desista de mim. Que eu nunca me envergonhe de quem fui e sou, que a pessoa que serei jamais se esqueça de onde veio, que saiba de mais 'para quês' do que 'porquês.'
Por fim, que eu saiba sorrir.
Amém.

Casciano Lopes

Incerto dia

Desde que precisei morar com a incerteza,
entendi que o telhado cumpre sua função,
não porque tem certeza,
mas porque espera o vento sabendo que se não vier,
continuará em telha guardando os que aguardam.

Casciano Lopes

Um jeito de ir

É preciso que o olhar saiba caminhar,
nadar, voar se necessário...
Quando os pés impedem os acessos,
nada deterá quem pode ver;
os que criaram asas de contemplação,
foram vistos sobre as montanhas,
e quando tiveram que mergulhar,
distinguiram-se entre corais.

Casciano Lopes

5.10.25

Foi há 55 anos

Ainda ontem, eu brincava de burquinhas, andava de cavalo de pau feito doutor e dirigia meu caminhão de madeira carregado de latinhas pela fazenda.
Ainda ontem, eu banhado e todo penteado no trim, seguia pra casa da Dona Cândida no fim de tarde; benzedeira 'das boas', que com um raminho de arruda e uns bons cochichos com alguém lá de cima resolvia tudo, e ainda me brindava com uma canequinha de água com carvão... um verdadeiro elixir dos 'deuses' pra selar o bento benzimento.
Ainda ontem, o picuá da merenda quase que sabia o caminho da roça, e eu menino, todo feliz, media o meu crescimento a cada nó que a mãe precisava ajustar na alça; no destino, os pés de café carregados cantavam no sopro dos cansaços que paravam, enquanto meu pai e os compadres almoçavam, eu brincava na terra fofa de esconder 'felipes' com o que me emprestava o tempo.
Ainda ontem, tangia galinhas enquanto a roupa quarava na grama, ajuntava painas da paineira da porta de casa pra mãe fazer travesseiros, colhia ramos de 'mosquitinho' no pasto pra varrer o forno de barro antes da fornada de pão caseiro, assistia girar o torrador de café no terreiro, outras vezes acompanhava atento o ritmo à quatro mãos de minha mãe com sua comadre Florzina pilando colorau e cantarolando as cantigas que me viram crescer.
Ainda ontem, eu no alpendre moía café, buscava leite de vaca na mangueira, comia tara de pão e taiada de queijo, chupava jabuticaba do pé e manga com casca, pedia e carregava jaca, ouvia assustado os casos da caipora, vigiava a Santa Luzia que também me sondava da sala com dois olhos na bandeja, admirava a coragem da cobra que engolia o sapo e da mãe que acudia os gritos quando a urutu aparecia.
Ainda ontem, vi a mulherada rezando o terço, outras vezes fogueira e sanfona esquentando o frio. Tinha comadre Dalva procurando o cachimbo que eu menino escondia. Assoalho encerado ganhava baile na casa de Dona Terezinha. Vi dias de feitura de pamonha, dias de geada, também noites de lua deitada no pasto, abrindo a terra pra nascer e logo subindo ao céu como missão cumprida.
Ainda ontem...
Hoje ainda vivem em mim todos esses retratos, e por isso comemoro a vida que cresceu, o tempo que correu, enquanto permaneci um menino disso tudo, olhando o álbum que também me viu.

Casciano Lopes
Primavera de 2025
03 de outubro

2.10.25

O tudo e o nada meu

Na vida eu só ganhei...
Histórias com seus lugares;
Pessoas que se tornaram endereços;
Casas que me abraçaram feito gente;
Caminhos que me ensinaram para que pés;
Distâncias que me aproximaram de mim;
Idas, vindas, chegadas e partidas.
Nunca perdi nada se tive por uma fração de tempo...
Só ganhei.

Casciano Lopes

1.10.25

Nasci pra nascer

A vida sempre me foi generosa,
e eu amanheci todo dia,
venho amanhecendo desde então,
nascendo como quem entende de parto.

Casciano Lopes

E a vida morre aos poucos

Quando você vê, já perdeu o trajeto, esqueceu nas telas o direito de ver passar, de olhar pela janela, de admirar a pose que aquela senhora fez, de sorrir junto com a criança que te viu absorto, iludido com o virtual como se vivesse.

Casciano Lopes

30.9.25

Lamparina

E que não sejam maiores que eu;
nem o medo e nem a luz que nos ilumina,
pra que não nos tornemos pequenos demais,
eu e os que pernoitam na minha casa.

Casciano Lopes

29.9.25

De propósito

O erro é parte do processo; só não deve ser arquitetado, planejado. É comum errar tentando acertar, assim se aprende sobre atalhos que parecem caminhos. As escolhas sempre dirão se a missão encarnada foi cumprida ou não.
Não há estrada que se faça na opção dura da maldade. Em nome de uma rota confortável para os pés que vieram romper com os padrões equivocados, muitas vezes se comete a morte dos acertos em nome da comemoração da vida dos enganos.

Casciano Lopes

Sem ambição, querer

Um punhado de esperança nunca danificou ninguém.
É uma alegria guardada na conserva a pessoa que espera como quem já encontrou; que seja um motivo ou um mote, que faça da ilustração moinho movido pela intenção.

Casciano Lopes

Bom dia

Que o dia
que vive dentro da gente
saiba amanhecer.

Casciano Lopes

27.9.25

Capazes, apesar...

Parece que ultimamente respiramos por aparelhos, faltam equipamentos que nos qualifiquem como autônomos e suficientes.
Sorte que em nosso quarto de dormir, onde os lençóis que abrigam são os mesmos que sobrevivem conosco, o oxigênio vai além de sua proposta; nos oferece a oxigenação de tudo o que as noites já nos contaram em segredo, e o dia quando alumia o chão da cama, sabe nos injetar o sonho de ontem pra acordarmos recordados do tanto que temos pra nos contar de vida, não em conta-gotas, mas em alegrias sem dosador. E são esses dias que o dia carrega em nós, que se não nos prende na ala dos desenganados, nos libera nos corredores da autonomia, onde a alta somos nós que assinamos, quando convencemos os aparelhos de que ainda estamos inteiros e corremos.

Casciano Lopes

Mas explica, também sei

Talvez a solidão de mãos dadas com o medo só queira me explicar o passado, sei que o tremor das noites e o temor das manhãs me frequentam, e não sei se o amanhã me espera com ou sem a intenção de cometer presenças em mim... mesmo que seja de ausências.
Da minha parte, que seja de consentimentos.

Casciano Lopes

23.9.25

Leitor instruído

O tempo que costuma apurar a palavra afim de dizer seu propósito, tem por hábito, o de nos tornar textos fixados nas paredes alfabetizadas em que moramos, onde cabem não só a sua expressão, mas a leitura que fazemos de nós mesmos, e que ganha versões a cada virada de página.

Casciano Lopes

Obra avaliada

É como se olha que muda o retrato.
Não basta ver a paisagem,
é necessário passar por ela,
se preciso,
morar nela e construir
a segura moldura que a sustente.

Casciano Lopes

22.9.25

O mundo como é

A impressão é de ofensa; quando na verdade, é só minha essência existindo. A aparência diz de presunção, o que na calada madrugada da alma, é apenas um andante indo encontrar o que não sabe, mas que arde todo dia, enquanto se apaga a chama na transparência que me caminha na procissão dos que estão prosseguindo.

Casciano Lopes

De lá pra cá, de cá pra lá

Haverá de ser o combinado com os astros,
no rastro do acordado cumprido
acontecerá o milagre do riso,
por fim, acontecido.

Casciano Lopes

19.9.25

Em partitura

Sou só uma canção composta por tudo que vivi nas linhas e espaços que me couberam dividir com o tempo.
O compasso, os acidentes, a rítmica e as pausas, souberam cantar coisas que, sozinho, não poderia musicar, por isso, arranjo que sou, pautado de notas, hoje me ouço ainda em composição.

Casciano Lopes

Flerte

Aqui da minha janela,
ainda paquero o tempo que vi,
e o que vejo também me namora...
trocamos juras,
assim estamos vivendo nossos olhares,
nos vemos passar...
ou não.

Casciano Lopes

Precisão

Eu preciso acreditar...
Naquele abraço sem prévio aviso,
no cuidado sem pedido,
na terra firme antes do tombo,
no inesperado aperto de mão,
na vontade de ficar até depois de amanhã,
na serventia da campainha de casa,
na rua que também me atravessa
quando preciso atravessar o mundo.

Todo dia, eu preciso.

Casciano Lopes

17.9.25

Pressa e devagar

Quem sabe a tartaruga,
quando viu as belezas do caminho
com mais lentidão,
não tenha se deparado com a sofreguidão.
Por isso, na sala das confidências,
ela não sabia do que falava
o apressado coelho em seu discurso.

Casciano Lopes

Floreira esperando primavera

Quando meus canteiros florirem,
quero estar em estado de buquê.

Casciano Lopes


11.9.25

Movimento

Quando as avenidas e praças me percebem,
eu me sento pra conversar,
só pra que elas me concluam antes de passar.

Casciano Lopes

10.9.25

Vale a luta

Serenar os campos
Revolver a terra
Semear a semente

Ver crescer o trigo
Colher pra dividir
O fazer do pão

Sempre faz valer
A absoluta mão
Que sabe de pão.

Casciano Lopes

RegaDOR

Ser abrigo é também se deixar chover.
Viver vale,
e a gota que cai sabe disso,
disse o broto que esperava.

Casciano Lopes

Num canto de vida

Nos nossos quintais de sobrevivência encontramos a seca da busca incessante pela água que faça represa na garganta, mas também encontramos a liberdade das vasilhas que cantam toda vez que amparam a goteira de nossa casa de telha e o suor de nossa esperança encoberta.

Casciano Lopes

Ouço ela bater

Eu vou me doer inteiro
cada vez que uma saudade me estapear,
não sou a metade do que vi,
nem a metade do que senti...
Por isso, sinto.

Casciano Lopes

8.9.25

Doceiro

Quando eu fizer doce, sente-se e aprume o paladar, aproveite o dulçor de cada nota nas papilas. Me deixe perceber que acertei o ponto de fervura, me deixe entender de apurar o açúcar das coisas junto ao fogo, me permita degustar o caramelo que é fazer pelo outro, o que assim, posso fazer por mim... adoçar a vida, que precisa ainda aprender a experiência do sabor.
Cora Coralina disse num poema seu: "Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça".
No tacho, ou no mundo, sorrir ainda que no rosto do outro, também importa.

Casciano Lopes

6.9.25

Meia lua

Ao longo de nossa vida, a paisagem se esconde, a vista embaralha as saídas como cartas, nossa vila interna brinca de se esconder atrás dos prédios que facilitam obstáculos... mas sempre haverá uma luz que desvenda passagens, mesmo que seja a de uma lua que caça brechas entre a noite tímida da nossa angústia e a madrugada calada do nosso medo... basta meia luz pra apontar uma porta que caiba nossa cidade inteira.

Casciano Lopes

Palavra apontada

Com o tempo a gente entende...
Que o poema e o poeta são a mesma pessoa.
Que a caneta e o papel dividem a mesma cena.
Que a letra e a frase ocupam a mesma fala.
Que não dizer também é texto.
Que a boca cala o que a pena grita... por tempo.
Com o tempo.
Só o tempo.

Casciano Lopes

Sem fugir de mim

Me sinto um abrigo
de refugiados de guerra...
Tantas vezes me senti palestino,
outras tantas, colombiano, venezuelano...
Nigérias vivem em mim.
Também moro no Sudão,
na República Democrática do Congo.
Sou todos eles,
sou um país de histórias múltiplas,
nos habitamos nessa estampa
que envolve esse corpo solo,
feito de meus medos,
de estilhaços e marcas de combate,
mas também de curativos
e de bandeira de paz.

Casciano Lopes

Datado

E quando setembro findar...
E quando outubro chegar...
E quando, e quando...
Enquanto isso,
a vida segue desconhecendo meses,
arquivando o que se faz pra memorar o hoje.

Casciano Lopes

4.9.25

Um dia dormi

Um dia, sem que me avisassem, acordei diferente. Pasmem!
De repente...
Perdi o tempo do compasso dentro do meu caminhar, os passos lentos confundiram o andar e a pressa precisou sentar.
Lentamente fui perdendo agilidade e, aos poucos, senti comprometida a possibilidade de ser de novo quem um dia dormi...
As vontades, embora latentes, sofreram de atrofia.
Em bêbada coragem, aprendi que, na vida, a gente morre um pouco todo dia, renasce também... todo dia, a gente dorme muitas vezes e desperta outras tantas, quase nunca a mesma pessoa, quase nunca...
Os olhos perdem lentamente seu melhor ângulo, enquanto o tato ganha funções de visão, a caligrafia, que desaprende o desenho da letra, tem na mente alfabetizada, a memória de tudo que não pode esquecer.
O medo das ruas, que viram estranhas para os pés, ou das calçadas, que fingem passeio, quer me isolar... Parece que não me verem passar é uma questão pública, e eu preciso continuar passando... no caminho que fiz, que faço e que farei. Porque se perdi movimentos, ganhei espaços que nunca sondei aqui dentro de mim. Ainda me perco num labirinto infinito do que não posso e, no que ainda posso, agradeço aos que estendem as mãos, aos que me espiam com um olhar cúmplice, aos que aliviam os degraus da escada pra que eu suba e aos que me permitem nela sentar pra conversar com a calma, a que ainda me diz que eu sou capaz em outra condição, onde todo dia descubro um mundo novo com suas formas de girar. Porque gira esse mundo, dentro de mim, onde nada mais está no lugar de antes. Tudo gira e muda de lugar o tempo todo. Tenho lugares que não conhecia e o desafio é gostar de estar neles, os sabendo temporários, como eram os de ontem que eu não sabia e agora sei.

Casciano Lopes

2.9.25

Fundo do medo

Sou só uma pequena vila
onde moram os temores da cidade grande,
um pequeno trecho de mapa
onde vive um lugar do fim do mundo.

Casciano Lopes

Trazer e levar

Os ventos vêm para tanger
a poeira dos nossos guardados...
embora tragam outra,
outros virão para arrastarem os acúmulos.

Casciano Lopes

28.8.25

Sono de promessa

Eu continuo acreditando em milagre,
não porque o santo existe,
nem porque sou um altar vestido de branco,
mas porque quando fico sem telhado
os passarinhos rezam melodias pra eu dormir.

Casciano Lopes

25.8.25

Nos intervalos da vida

Eu vou brincar até a hora
que tocar o sinal do final do recreio;
me prometi diversão, a escola me exige a prova,
mas isso não compromete as promessas que fiz. 
O menino que convive com as notas de aprovação, ou não,
é o mesmo homem que passa de ano.

Casciano Lopes

22.8.25

Ai

A dor que me assusta...
não é a que grita por curativo,
é a que cala sem a cura,
é a que sem a palavra
perdeu a força do grito.

Casciano Lopes

18.8.25

Nada há na rasa coragem

Até onde os pés compreenderem a profundidade do chão, seguirei pisando forte.
Na convicção de que profunda deve ser a vontade de provar ao corpo em vida, de que as pernas fracas não ditam destino notável, quem faz isso, é o caminho que mora do lado de dentro desde que nasci... ele sabe me viajar, se eu deixar.

Casciano Lopes

13.8.25

No dia depois de ontem

Não espero que os canteiros
estejam sempre fartos...
um quintal de avó.
Não suponho que as cadentes
me concedam pedidos lá em casa...
toda noite.
Não quero durar mais,
apenas existir melhor.

Casciano Lopes

Vãos

Porque existem janelas,
aprendemos criar portas.

Casciano Lopes

Mais uma

Não fosse a tua mão a me segurar meu Bem, não sei se continuaria declamando estrada, ando cansado de pagar por sustos, acho cansativo comprar o que se desfaz na esquina da espera, é medonho amanhecer banco e entardecer sequer sem praça, um dia a gente anoitece em troca de um bocado de sono... no outro nem dorme.

Casciano Lopes

9.8.25

Porque morre, vive

Numa nesga de mar
Numa imensidão de lua
Ou dentro da experiência
Haverá sempre esperando
Um fôlego de aspiração
Uma inspiração acreditando
Em tudo que respira vida
Enquanto expira o tempo
Por ser eterno sendo finito
Ao mesmo tempo.

Casciano Lopes

Voz ativa

Foi resmungando os contratos, 
que assinei tudo o que gritei como alerta,
ainda sigo, mais calado,
desperto e cumprindo o que vistei,
sussurrando o que aprendi nos tempos de grito.

Casciano Lopes

Somos o nosso compromisso

Se posso te dar um conselho, aproveite a vida; não desmerecendo tuas posses, não omitindo tuas dores, não extrapolando os limites da lealdade, mas aprendendo de humanidade dentro das tuas condições. É possível ser grande, fazer grandes gestos de acolhimento. A vida não tolera desaforos e a alegria está sempre disposta, esperando teu abraço.

Casciano Lopes

No caminho

Ontem caminhei o que hoje me caminha,
a paisagem ainda se modifica,
as pontes ainda me atravessam...
ainda preciso chegar.

Casciano Lopes

E o que não vi de mim

Há memórias que me afastam de mim, outras que eu as afasto de qualquer sombra de recordação, não esquecendo das que distanciam o sonho; porque estas nem merecem o título de memórias, talvez lhes caiam melhor o nome que se dá à condição do febril em delírio... delirantes.
Memórias.
As que me assaltam sem aviso, as vividas nos rascunhos, as não sacramentadas por falta de juramento, as que padeceram de falta de corpo.
As memórias que andam sem roupas por minhas ruas são as dos sabores guardados no meu imaginário sem paladar, são as das folhas que caíram das árvores que não conheci, e que, por não conhecer, não estava lá para lhes amparar a queda, ou sustentar a cor antes que elas se desmanchassem no chão. O padecimento das memórias que me assombram não vem laudado em exames de imagens, é quase diagnosticado por lentes, mas se esconde entre as brochuras do caderno onde escrevo a vida, dificultando a sua captura. Quando escrevo notícias de mim, elas figuram nos álbuns de contar o trato de cada retrato, mas desaparecem à menor tentativa de exibição pública. Essas memórias que suspiram saudade do não vivido, que vivem ajustando-se para caber no meu contentamento é que me ampliam para aguentar a dor do que não vi passar e me diminuem para acomodar o que vi ficar de mim e em mim... memórias e tempo.

Casciano Lopes

7.8.25

Um dia disse o Xamã

Quem escolhe a liberdade
deve estar disposto a pagar o seu preço,
nem os pássaros se safam de, 
vez ou outra,
se chocarem com vidraças.

Casciano Lopes

Entre picos

Além das montanhas existem planícies...
há belezas só vistas nas altitudes,
mas também careço
da atitude plana do caminho
quando se deita em mim para ser apreciado.

Casciano Lopes

5.8.25

Papo aprendido

Não sei do que falavam as ervas, daninhas ou não, que cresceram em meus quintais. Sei que conversavam, sei que davam as mãos em prece e juras, e me ensinaram sobre constância. De modo que nunca fui de eventuais promessas, sou do constante desafio de viver entrelaçado com o que acredito... prometido.

Casciano Lopes

Leituras e linhas

Traço a reta
como quem usa régua,
mas sabendo das curvas
calo o papel
pra caber o compasso
onde faço o passo.

Casciano Lopes

Capaz de chegar

O destino me leva,
a força não vem da pessoa forte,
vem da fragilidade que mora na audácia.

Casciano Lopes

Choro derradeiro

As lágrimas chovidas nadam
na precipitação do tempo...
quando finda sua função,
secam-se os abrigos e o lenço
se dobra diante do fim.

Casciano Lopes