Findo

Não é no começo.

Não é no meio.

É no fim que nos conhecemos.

E que finalmente com o conhecimento,

entendemos das tolas falas,

compreendemos das falsas juras.

E percebemos,

que se conhecer é suposição.

Por fim,

não nos conhecemos então,

e isso entendemos por ocasião.

Casciano Lopes

O poema e a sentinela

Dorme a madrugada com seus tons de lua fria,

sem os sons de rua,

que vazia clama o silêncio dos que dormem.
Apaga-se como que por decreto

a velocidade da vontade que se dá por dormida.
Enquanto as luzes cumprem o ofício de vigiar

a porta da cidade e dos que acordam.

Casciano Lopes

Ainda podemos carregar flores

Sim,

podemos transportar aromas em nossa vasilha:

de alumínio novo ou furadinho pelo tempo.
Recomenda-se neste caso

não usar nenhuma espécie de tapa furo.

Essência não pesa e,

caso escape desavisadamente,

no máximo envolverá os desprovidos dela.
Pensando bem,

há recipientes furados em todas as idades do viver e,

neste caso,

concluo que furadinhos não causam danos;

provocam flores.

Casciano Lopes

Máxima crença

Creio na criança que corre na praia como se a areia brincasse com ela.

Creio na andorinha que protege seu ninho dando bicadas no cangote do falcão.

Creio na cama de palha que abriga o lavrador do milho antes que outro dia amanheça.

Creio na batalha que o amor enfrenta todo dia pra convencer o ódio de que não vale a pena a pena de escrever crueldade.

Creio na mãe que amamenta seu bebê sem garantias de que ele um dia entenderá do compartilhamento de pães.

Creio na profecia do sol quando ilumina os homens bons e maus e volta no dia seguinte, porque prometeu.

Creio na poesia que as pessoas que amam escrevem muitas vezes sem uma única palavra, apenas abraçando os que não ganharam um toque de amor de ninguém, nem dos que não criam...

Por isso creio.

Casciano Lopes

Dentro do trem estou

Eu podia não fazer nada...
Poderia não elaborar

e haveria motivo pra apatia.
Mas isso,

me transportaria pra 'terra do não'

e comprei o bilhete antes de nascer

pra terra do sim.

Casciano Lopes

Prefiro a dúvida absoluta

Convicção quase sempre é castigo.

No campo das ideias,

a busca é movimento

e o encontro é paralisia.

Casciano Lopes

Poesia líquida

Ainda encontro um jeito

de fazer o rio nadar o peixe

e de surpeender uma garça

em traje de banho

preparando seu mergulho.

Casciano Lopes

Do nome da rosa

O espinho da rosa é só dela,

o perfume é de toda gente.

Casciano Lopes

Pecado é calar

A oralidade da reza vem;

a santidade pode baixar em mim,

no pomar do terreiro,

na ave do poleiro,

no porteiro do prédio,

na semente do chão

ou na flor que cresce no passeio...

No espinho só seu

ou no perfume doado inteiro.
Não é blasfêmia ser santo

e ver santo cada instante;

é altar o poder de falar

e de dar voz aos deuses.

Casciano Lopes

Poeta noturno

A gente carrega na pele o que era pra ficar escrito, o que merecia ser dito e aquilo que os dias se recusaram a apagar.

A gente cai em desuso se não sorri da vida e pra vida; da própria vida.

E em posse delas: da vida e da pele antes que se rasguem e se percam entre os retalhos da biblioteca, é preciso virar riso dentro dos artigos evidenciados nas linhas da gente.

O lábio e o olhar de uma face sisuda, poderão ser interpretados como um borrão na leitura do livro pessoal que viemos escrever.

A gente precisa saber que sim, a pele rasga; a história não...

E se estiver borrada, ninguem lê.

Casciano Lopes

Vertical

Na esfera de inspirante,

derrubar a cabeça é esperado,

mas o que contará como digna essa espera,

é a capacidade de retomada da postura aspirante,

da ponta do nariz na linha do horizonte;

e é o que fará a diferença

enquanto o respirante

não alcançar o mérito de expirante.

Casciano Lopes

Cinquenta mais um

Os que acreditam

estão em maior número

e isso basta

pra fazer do caos uma estrela.

E então sigo,

tornando habitável um corpo,

não porque seja de carne,

mas de coragem num mundo capaz.

Casciano Lopes

Desértica vista e a capacidade

Os desertos despertam calangos em nós,

desertos que cavam nossas areias ferventes

e despertam nascentes,

onde de cócoras nos saciamos

pra que não morramos...

Nós e os calangos,

espécies de sobreviventes.

Casciano Lopes

Elementar

Tem os rios,

as pedras necessárias para a firmeza de seu leito.
Tem os ventos,

as paredes necessárias para compor as melodias do assobio.
Tem os campos,

as montanhas necessárias para murar os refúgios da inspiração.
Tem as labaredas,

o calor necessário para espalhar o lume no caminho da procura.
Tem sempre uma emoção no bolso da razão.

Casciano Lopes

Nada subordinada

Acreditar

ainda é

um verbo

com poder

de

mudar a oração.

Casciano Lopes 

Mundão de rir é mar

Não posso esconder

numa caixa de lembranças,

a lágrima.
Ela corre,

é liquida.
E de papel é a caixa

como de barro é a face,

vira lama o leito de correr.
Absorve toda água

antes que chegue aos pés,

antes que atinja o mar.
Comportas não há pra barrar.
Essa represa que de vez em quando,

faz cortina na janela de olhar,

há de estiar como chuva que passa

pro sol chegar e aí...
Vem sorriso que é um mar

sem nem precisar chorar.

Casciano Lopes

Reserva em verniz

Minha mesa ficou arranhada por tua dicção,

tua versada capacidade de locução

ainda diz verbos pras cadeiras

que elas pesquisam pra encontrar uma definição.

Os lugares de minha casa

foram definitivamente ocupados

e a mesa está sempre reservada.

Casciano Lopes

Diacrítico

Sentado em minhas lembranças,

encontro quem passou

e quem ficou do meu lado de dentro.

É claro que tateio os lugares vazios

e cheios de memórias simultaneamente,

é claro que o lenço não dá conta da ausência!

Mas,

também é certo que o assento dentro de mim

ficou pra sempre ocupado

e ganhou acentuação todas as minhas sílabas desde então,

de forma que tudo que hoje sai de mim

tem a força da palavra bem acompanhada.

Casciano Lopes

Amanhã, hoje não

Sempre que fico triste,

me lembro que a tristeza

não é casa de morar,

no máximo é uma pousada

de passar a noite.
E quando levanto a cabeça

junto com o corpo de manhã,

encontro sempre acima

de minhas passageiras necessidades,

motivos pra alegria.
É quando faço as malas

e entendo que terminou o lamento

e volto pra casa onde de fato moro...
feliz.

Casciano Lopes

Afetado por ondas

Quando vi
Quando o mar
Quando era noite
Quando a primeira vez
Quando o som das águas
Quando bateu de costas em mim
O som nunca mais fugiu, do mar inteiro
No inteiro de mim.

Casciano Lopes

Dormida cumprida, ou não

Depois da tarde,

depois das 18 horas,

depois do findo espetáculo em praça pública,

depois da maioridade das vontades,
depois da maturidade das promessas...

Vem o fim do movimento em cena,

vem e encena dentro da gente o desejo:

negado ou permitido,

a fome e a sede misturadas;

sem noção de saciedade.

Aí nosso peito feito cais,

ancora as perguntas e se joga até o fim da noite,

buscando uma ponta de praia de respostas,

onde possamos nos dar por fim,

uma explicação antes que seja tarde pra dormir.

Casciano Lopes

Fragrância indiscutível

Poderá um frasco de perfume, de vidro ou plástico, elaborado ou simples, grande ou pequeno, frágil ou forte... passar a vida, antes que se quebre, que se esvazie ou que se torne descartável, lutando contra seu conteúdo, revoltado com a fórmula que o preenche, discutindo o aroma que o permeia?

Poderá?

Poderá.

Só precisa saber a embalagem que sua função é a de armazenamento e não a de questionamento.

Um perfume não deixa sua essência em função do olfato do compartimento, ele não quebra o pacto a que se destina, não pode negar sua missão de inebriar de conteúdo seus meios... E essa façanha desafiante, começa por aquele que o contém.

Casciano Lopes

Os contrastes formam um dia inteiro

Ainda há sombra quando há luz,

por isso cuidemos depressa do nosso sol particular,

cuidando não deixar o sombreado

sem um toque de vista.

Casciano Lopes

Parlamento

Não fosse o olhar, o governador de tantas cidades,

talvez se perdesse a paisagem

dentro das burocracias de outros parlamentares.

Casciano Lopes

Lentidão permitida

Dois corpos se chocaram na marquise de um prédio.
Assim me contou um andante daquela calçada.
Eu, que longe da cena estava, entendi:

a pressa esbarrou na calma,

já que soube que um deles estava parado na observação.
De modo que fica estabelecido

a partir de então naquela via,

multa de redução de avistamentos

pra qualquer desavisado

que ultrapasse os limites da contemplação.

Casciano Lopes

Em face dele

O tempo é coisa que corre no canto do olho,

não raras vezes,

senta-se sobre a cabeça e põe-se a observar,

brinca nas adjacências dos lábios

e ensina o silêncio enquanto vinca o barulho dele próprio,

o tempo.
Ele cala em nós a velocidade,

como se com isso dissesse:

ande devagar,

aprecie a pele que veste cada ida,

assim como visto a pele de cada volta,

assim é possível a troca de pele.
É coisa de tempo.

Casciano Lopes

Deixa a onda cuidar

Fui juntando o que não tinha palavras...
Um risinho bobo aqui,

uma saudade sem abraço ali,

uma olhada de soslaio acolá.
E uma piscadinha tímida

com jeito de amanhecida feito pão dormido,

guardei pra amanhã.
Enfim,

a água salgada do meu poço

deixei bagunçada mesmo,

é feito mar, não compensa arrumar.

Casciano Lopes

Gestos largos

Quando sorrir,

sorrias devagar...

Há quem precise medir

A largura de teu sorriso.

Casciano Lopes

Lugar de prece

Já morei num quarto, pequeno e grande; já morei.

Passei por casas médias, confortáveis e espaçosas. Outras apertadinhas sanfonavam aconchego.

Vivi em porões e alturas; módulos em casas, apartamentos e assobradados.
Da chave do portão ao serviço de abrir e fechar; já tive.
Em endereços de casas grandes residi e entre jardins já fiz quintal onde colocava as roupas no varal.
Já mudei de rua e cidade, já dividi banheiro e silêncio... Sim, já fiz; de edícula um castelo e templo, de morar e de consagrar.
Mas de verdade, onde rezei, foi dentro de mim, onde sempre morei primeiro, em meu lugar derradeiro.

Casciano Lopes

Bate cara

Onde começa?
A certeza que não tem resposta,

a dúvida que não sabe perguntar.
Onde?
A dor sem mapa de leitura,
a pressa sem relógio e sem pulso,

a vista cansada sem cadeiras pras meninas.
Começa quando?
A sombra em que descansa o pensamento,

as águas em que banham os lamentos,

a grama em que se deita pra descansar

o recreio dos que brincaram de esconde-esconde,

onde?

Casciano Lopes

Foco em foto

A vida corria sobre a pequena mesa;

os galhos secos de outonos antigos no quintal,

contavam casos e que pássaros neles pousados,

ouviam e musicavam com afinada observação.
Apolo, um barbudinho de gorro verde,

sempre disposto pra fotografia,

cuidava da cena, zelava da entrada de luz

e fazia do cenário um trecho estático no movimento da vida;

que corria.

Casciano Lopes

Pensa(dor)

Pensando aqui...

Onde é que a saudade vai dar?

Porque será que a gente é tão feito de abraço...

Me diga!

Casciano Lopes

GPS de mim

Um lugar de morar precisa caber sonhos.

Precisa ser bem dividido o espaço entre sono e insônia,

pra que em qualquer cômodo caiba a capacidade de sonhar,

mesmo que acordado.
Que não falte corpo,

que seja de carne e espírito a cama de se deitar,

de nervos e ossos as colunas de se apoiar,

de amor e intuição o teto e o chão de abrigar;
Tudo isso dentro de quase nada...

Um endereço de morar.

Casciano Lopes

Compota de troca

A doçura não atravessa a rua sozinha,

feito criança miúda precisa de mãos.
Até de colo cedido pela atenção 

necessita pra continuar doce, a doçura.
E se o fluxo estiver amargo feito horário de pico;

dar chance ao mel pode ser um remédio adocicado

pra sarar a falta de travessia.

Casciano Lopes

Paladar visto, temos nosso próprio tempo de ouvido

Mastigando o tempo com um jeito calmo de olhar, sem pressa de passar e se demorando nos pratos elaborados; é possível a memória dos sabores, o olfato dos temperos e a intuição da louça usada no serviço de servir; sim, até a audição é capaz de perceber o ritmo dos talheres no burburinho dos convidados em volta da mesa.

Estar atento, requer mais do silêncio nas ruas dos olhos, que das buzinas nas avenidas da boca.

Casciano Lopes

Vontade sem cela

Há sim,

grades que meus olhos podem tocar,

como há aquelas escondidas da retina,

que só podem ser tocadas

pela coragem da alma.

Casciano Lopes

Asfalto em lâmina d'água

Ainda arrumo um tempo

pra brincar a chuva

que não choveu.

Casciano Lopes

Atrás da lona

Hoje eu queria exagerar no palco,

carregar nas tintas do rosto,

colocar minhas calças largas e os sapatos bicudos,

puxar pra dança minha peruca colorida

e dedilhar o riso por meu suspensório...
Mas é meu dia de folga.

Casciano Lopes

Mesa posta

Caminhos feito de amor e cuidado,

moram com a gratidão,

vivem na alegria como coisa séria

e todos os dias tomam café aqui em casa...

Talvez por isso,

o viver sempre encontra jeito

quando vira beco o caminhar.

Casciano Lopes

Uma super Mãe

O que eu dizia pra senhora,

o que eu contava e confessava...

Era só ali,

naquele confessionário

feito de ouvido e coração de mãe.
Nunca perdi meus medos

com tanto desprendimento,

como quando a senhora

colocava sobre eles o seu olhar.
Nossa distância,

hoje de mundos,

me leva pra morar na infância,

onde éramos todos eternos;

eu, a senhora e o nosso lugar sem medo...
Num mesmo mundo.

Casciano Lopes

Dado ao segredo daquela água, o gosto que ainda cura

Fui menino de benzedeira.

Tinha tardinha, que de banho tomado e de cabelinho penteado no trim, minha mãe me mandava na casa de Da. Cândida, rezadeira 'das boas'.

Lá ia eu, benzer pra desvirar o ventre, quebrar o quebrante ou quem sabe... Espantar a criança assustada.

Com sorte grande, quem sabe aparecesse os três diagnósticos no chumaço de ervas, me possibilitando alguns dias de idas mágicas na benzeção tomar água de carvão abençoada com meia dúzia de palavra da véinha, ditas tão cochichadas que até hoje, procura ouvir minha audição.

Ah, talvez fosse esse o segredo da cura... O cochicho da reza, como de quem falava com o carvão.

Talvez o mistério de hoje, more num fim de tarde, entre casinhas de madeira, de lenço na cabeça, sentado numa cadeira bamba e atendendo a porta de terço e arruda na mão.

Casciano Lopes

Ainda não sei a história

Pode ser que o sapo do caminho da fazenda,

só estava querendo me contar mais um 'causo'

dentre tantos que por lá ouvi,

quando me tocaiava com seu coachar.
Porque será que eu tinha medo?

Será que era do sapo

ou do que ele tinha pra me contar?

Casciano Lopes

Acesa existência

A gratidão deve chegar antes da reclamação,

da obrigação de dar tudo certo,

da narrativa de super poderes.
É só através da percepção grata de quem sou,

que posso sentir e vibrar tudo

que vive em mim desde sempre.

Casciano Lopes

9 de maio nosso particular

Ainda bem que a vida

nos prepara anjos na terra,

capazes de nos voar por inteiro

quando precisamos de céu.

Casciano Lopes

Todos os seres, também sou eu

Viemos com duas missões principais:

trocar com o outro

e contemplar o outro,

no intervalo crescemos.

Casciano Lopes

A resposta

Quando estive no limiar da vida,

entre o ir e o ficar...

Pedi tempo e tempo esperei.

Não pra voltar a ser criança,

mas pra me sentar um pouco ao lado de uma,

trocando cócegas.

Casciano Lopes

Confessionário

Que nos perdoem a chuva que lava pecados e o vento que carrega ofensas.

Pecamos não quando descumprimos um conjunto de mandamentos erguidos por homens ou quando burlamos seus dogmas.

Pecamos quando as regras que alguém construiu se adonam de nossas metas e comem nossas possibilidades de liberdade e nem percebemos ou preferimos não perceber; que viemos pra exercer o nosso querer e nos sabotamos, pecamos.

Pecamos quando negligenciamos nossa humanidade, quando deixamos passar um fim de tarde sem aplausos, quando rompemos com o nascer do dia em detrimento da preguiça oferecida pelo quarto escuro, quando fugimos de um abraço alegando agenda cheia, quando nos entupimos de 'agora não posso' pra justificar o não conversar com um desconhecido, quando nos negamos ao ócio.

Pecamos quando cerramos os lábios pra não escapar um riso bobo, quando não temos tempo para ter tempo: de ir ao parque, à praia, ao orfanato, ao rio que corta nossa cidade.

Pecamos quando deixamos a vontade passar: de tomar um sorvete, de comer um pão de queijo, de experimentar um novo vinho. Pecamos quando não queremos conhecer o vizinho, quando a criança com fome da rua ganha a frase de nossa consciência: 'É filha de outro'!

Pecamos quando a feira é sempre longe pra justificar nossos enlatados, quando a audição está sempre surda se alguém precisar de ouvidos, quando o colo está sempre ocupado e os ombros com pressa se 'o outro' precisar de abrigo.

Pecamos quando nos esquecemos de que somos divinos, quando perdemos nossa sacralidade em favor da bestialidade, quando deixamos de ser capela que acolhe pra ser viaduto de desabrigados.

Pecamos... Que nos perdoem as árvores que mesmo assim, sombreiam nossa egolatria.

Casciano Lopes

Encanecer

Me tingem os fios; os anos.

Embranquecem dias na minha cabeça como em alpes,

grisalha as manhãs se levantam em meu telhado e gritam o clarear...
Acho que vem do verbo alvejar essa coisa do tempo,

como uma camisa de molho.
Ou será que fui do tempo, um alvo... Alvejado.

Casciano Lopes

É de carne uma história

Por trás da aparência...

Há uma história que ninguém conhece.

Há muita saudade além dos muros.

Tem dores não expressas na lente da câmera.

Tem cicatrizes e outras, que feridas se negam sarar.

Existe uma dança negada nos salões do peito.
É solitário o medo vizinho.
É insana a insônia que rouba o apetite,

por vezes o prato, deixando a vontade.
Aquém das expectativas e além das impossibilidades,

existe um homem que a fotografia não viu,

um caso não findo que precisa findar.

Casciano Lopes

Um alquimista

Pise teu chão de forma leve,

seja sutil com tuas pegadas,

deixe mais perfume nos caminhos

que frascos vazios na estrada.

Assim,

mesmo andando em terra firme,

morarás suspenso

e viverás com estrelas,

sendo perfumista delas.

Casciano Lopes

Guerra de mim

Entre o mundo conhecido

e o submerso ignorado,

existe um particular,

escondido dentro de nós,

acessível em batalhas

e intocável na derrota.

Casciano Lopes

Peito liberto

Divague seus sentimentos

por calçadas livres,

ame livre as pessoas que ao ar livre

se permitam soltar os cabelos

e use veículos leves,

para cruzar as distâncias

entre você e sua liberdade.

Casciano Lopes

Eu sei

Sei que vai pairar no mar

o que fizer meu coração plainar como gaivota.

Sei que as tardes vão tingir as águas

e meu veleiro de solitária teimosia fará a travessia.

Sei que o destino criará caminhos,

que morros abrirão passagem,

os trechos mesmo que de águas

sugerirão um navegável dia para quem sabe.

Eu sei.

Casciano Lopes

Lugar de voar

Há dias que minhas paredes querem aprisionar o que penso. Nessa tentativa vã, me disfarço de pensamento sem cor pra passar despercebido, me misturo às tintas no descuido do reboco e num golpe como de pincel, pulo feito objeto não identificado e dou uns rasantes por meus cômodos, grito liberdade nos quartos e do alpendre da casa pequena, penso em céu, porque dizem que céu é coisa sem paredes e meu pensamento gosta de morar no telhado.

Casciano Lopes

Um bom astral grisalho

Sabe o segredo de lidar com o imponderável?

Passar um café,

escrever uma poesia

e lembrar das melodias de lá,

as que hão de me lembrar

dos maestros de barba longa e que lá,

só tomam chá.

Casciano Lopes

Pose de fotografia

E se cair a tarde?
E se não levantar a noite que ontem também caiu?
E se o sol que a tardinha caiu no mar se apagar?
E se a queda da estrela cadente causar danos?
E se a chuva que caiu cedinho esquecer de correr pro rio?
E se as águas que cairam no penhasco se quebrarem na cachoeira?
E se...
Aí, a gente que também cai,

conta pra queda sobre a tontura que possibilita outras vistas,

diz pra ela sobre as ataduras que reconstroem olhos

e cura a queda de uma vez por todas,

dando-lhe o poder de saber ser firme,

pra só arranhar os joelhos.

Casciano Lopes

Reza calada

Foi namorando com o silêncio

que casei com o sossego e desde então,

fez-se mosteiro o meu abrigo todo dia

onde monges benzem minha calma.

Casciano Lopes

Ao meu marido Carlos Lopes

Eu era pequeno quando comecei admirar belezas.

Passei a primeira infância entre terreiro com criação, roça com picuás e caminhão de latinhas.

Achava de uma gentileza tamanha da vida; o trim que minha mãe me passava nos cabelos depois do banho pra que eu fosse na benzedeira tomar água com carvão pra desvirar o ventre.

Pensava minha meninice como eterna enquanto ela adolescia e eu nem via.

Virei jovem quase sem querer e as lindezas perseguiam minha atenção em olhos de contemplação.

Fase em que dentre tantos feitos, um trombone se alojou em minha embocadura.

Pronto, fiquei adulto e homem capaz do percebimento, achei depressa o que de uma pressa me convidou pra traduzir o que era bonito; e hoje amadureço ao lado de um pé de boniteza.

Casciano Lopes

Viagem grande

Em face da beleza dos mundos,

o corpo frágil de um homem

chega a parecer fútil,

mas por ser hóspede da grandeza

passa a ser um ilustre viajante

nada vulgar.

Casciano Lopes

Viemos na cor... Ela em tom de mãe

Talvez soubéssemos que findaria rápido nosso tempo, talvez por isso nossa narrativa tenha sido tão profunda. Falávamos pelo olhar e até nosso silêncio tinha a presença da nossa fala.

Nosso encontro foi sim além das expectativas, até porque, fui auditório em teus discursos e quando subi na tribuna, teu olhar e ouvidos atentos me guiaram na pauta.

Me dirigiram tuas redações sem letras e repletas de ações.

Aprendi contar histórias e entendi de rir quando contigo aprendi o sim das tintas embora houvesse a negativa das telas e aí, entendi que paredes também poderiam aceitar os pincéis que tinha e hoje, meus muros pintados choram saudade na mistura de tons que juntos preparamos.

Casciano Lopes

Asa dura

Ainda é melhor servir de pouso para os livres,

que tendo asas,

se fechar no peso da pista e abrigar acorrentados.

Casciano Lopes

Aos pés dela

Parece a dor,

quando o cortejo

leva pra longe do meu toque,

um olhar.

Se parece com ela,

quando um laudo de avental

encurta as promessas que fiz.

Tem dor na aparência,

quando a escada feita pra mão dupla

não sobe mais,

me escoam degraus em sentença negativa.

... É, parece dor.

Só deixa de ser,

porque ainda vejo o cortejo, o laudo e a escada.

A dor cega e se ainda leio

o olhar que tive,

a jura que me fiz

e o desafio de me sentar nas quinas da que hoje desce;

é porque se confunde com desatino...

A dor não é.

Casciano Lopes

Pede-se um tantinho de hora

No campo dos sentimentos,

abraços e olhares,

depois de tantas vivências,

aprendemos a ter pressa.
Entender da 'não posse':

do tempo e dos amanhãs

que atropelam nosso ontem,

enquanto o hoje em semáforo,

prepara travessias.

Casciano Lopes

Cofrinho de espera

É bom que eu saiba contar,

não para acumular moedas

ou grandes feitos...
Mas para somar pequenos gestos,

para juntar mais silêncios prudentes

que palavras bêbadas.

Casciano Lopes

Ouvido dançante

Preciso ouvir a música e assimilar a melodia,

pra que algo dentro de mim consiga dançar,

antes que cale dentro de mim

algo que me ensurdeça os ouvidos,

paralisando a capacidade de sonhar a dança.

Casciano Lopes

Vista cansada, ou não

Se posso levar a esperança nos olhos,

para que levaria o desengano nos ombros?

Casciano Lopes

Acaso de carteado

Foi de sorte meu caminho,

de pura sorte faço cada dia.

Afinal,

no caso da vida e na mesa com ela,

não tenho a certeza do ganho,

mas tenho a ousadia das cartas,

vale mais pagar pra ver

mesmo na dúvida,

que levantar como perdedor

antes de jogar.

Casciano Lopes

Saiba importar

Porque basta o sol entrar

pra entendermos de iluminar,

assim como basta uma garoa

pra molhar inteira nossa rua de morar,

basta a brisa de soprar nossas telhas

pra poeira de nosso corpo espantar.

As importâncias afastam a ignorância

Deixe-as entrar...

Elas dissipam nossas noites

de chão seco onde o telhado vive no escuro.

Casciano Lopes

Adaptável

Há sempre o que contemplar ao lado,

do lado guardado...

mesmo que não seja mais possível

estar nos caminhos de ontem,

novas paisagens podem ser descobertas

nos trechos de hoje.

O interior também é admirável,

dentro do nosso lugar de morar

Pode ser adorável ficar.

Casciano Lopes

Imensidade

Ainda ontem ela preparava longevidade,

hoje não sei se por habilidade ou potencialidade,

me diz que

amanhã irá preparar brevidade.

Ela tem dessas coisas...

Idade.

Casciano Lopes

Visitação orientada

Quando não souber,

pergunte.

Não será possível

ver as savanas da África

sem aprender sobre seus leões.

Casciano Lopes

No forno e de avental

Fui aprendendo durante o processo,

como dizem:

"a vida dá os ingredientes e o bolo é por nossa conta."
Fiz vários ao longo da confeitaria;

uns solaram, outros queimaram e não pude servir.

Mas outros acompanharam meus cafezinhos da tarde;

alguns comi escondido,

outros coloquei em toalha xadrez de piquenique

e gritei o convite.
Nosso tempo curto e longo ao mesmo tempo,

é assim, feito bolo, de caneca ou de metro;

nem sempre degustado.

Mas sempre a receita valerá a pena

e o sabor está no preparo, saboreado.

A tentativa vale mais que a garantia.

Casciano Lopes

Pegando carona

Foi com as pernas bambas

e o coração assustando

no batimento do compasso,

que descobri o tamanho da vida

que morava em mim,

desde então,

o caminho pulou da rua aqui pra dentro

e cada minuto por si só é uma viagem.

Casciano Lopes

PSC

A coragem

sabe mais do medo

que ele de mim.

Casciano Lopes

Cocriação

Na geometria da vida

quem comanda as unidades de medidas

mora além das mãos vistas.

Vem nas mãos invisíveis,

nas inconscientes e capazes nossas,

escondidas em nós mesmos:

os esquadros que delimitam nosso estar

enquanto ampliam nossa passagem.

As vistas mãos,

não possuem réguas,

não dominam o traço.

Embora pensem que sim.

Casciano Lopes

Quarto molhado

Absolutamente nada

cai do céu sem ser flor,

no jardim de chuva,

exposto feito leito de rio

que acolhe perfume.

Uma cama de permitir

como terra preparada,

o crescimento da semente.

Casciano Lopes

Divina presença

Há palácios suntuosos

dentro daqueles que muitas vezes

residem em bangalôs,

há paredes em mármores

em quem muitas vezes

sem parede alguma

hospedam deuses.

Casciano Lopes

Em estado de parto

Há momentos em que ouso ser céu,

aí brinco de cometa passando por ele,

finjo ser estrela e até lua,

mesmo que uma nesga dela.

Me permito a imensidão e viro uma licença

para os andantes cá embaixo se demorarem nas ruas.
Mas também há os dias em que anoiteço sem céu,

amanheço sem sol, dias de terra,

noites de breu que não vejo a rua,

dias de rua simplesmente;

que viro o calçamento pisado,

a poeira que o vento sopra,

o barro molhado dos solados de fazer pisada.
E por mais conflitantes que possam ser essas versões,

sou eu assim; um complexo homem grávido,

gestando um estado de paz,

dentro do conflituoso mundo de estadia sem permanência,

onde céu e terra moram na mesma casa,

dentro de mim.

Casciano Lopes

Quarto de livros

Passava os dias ali,

entre espelhos e experiências.

E entendeu o lugar,

que é sobre permitir uma alma

para além do corpo, o ir e vir.

Compreendeu que,

experimentos requerem ensaios, e que,

nunca estar pronto provoca possibilidades.

Leu que,

muito ou pouco não importa e sim,

o pouco a pouco das permissões, refletiu.

Casciano Lopes

Das fragilidades convicto

Nos tornamos sensíveis sempre que nossas mazelas são expostas.

Quando nos sentimos perecíveis, quando enxergamos a finitude de perto, quando nos damos conta que temos mais caminhado que para caminhar, quando o espelho denuncia na face o que carregamos na caverna particular, quando nossa consciência grita as verdades que insistimos em dizê-las sem palavras pra que ninguém nos ouça...

Nos acovardamos então numa sensibillidade, num lugar inadequado de melindres e incoerência, que de fato não engrandece, ao contrário, nos apequena e faz com que os outros sejam sempre os algozes e nós, as vítimas. Na verdade ocupamos ambos os lugares e precisamos crescer, amadurecer antes de apodrecer. Não pular os processos faz parte da verdade que todos precisamos deixar de omitir.

Casciano Lopes

... Uma tarde de domingo

Traz a sobrevivência dos dias

junto com o viver por vir.

Guarda as memórias

feito um grimório de mago,

pega nossa saudade

e a deixa cansadinha

num caldeirão de ferver nossa força.

Casciano Lopes

Todos que virão e vieram

São tantos amanhãs!

Abraços guardados,

beijos reservardos

e risadas guardadas numa caixinha de música,

que deito o olhar no ontem

e descubro que também já foram tantos!

Me dou conta de que os olhos

amam a horizontalidade das visões,

mas que na verdade,

as melhores impressões

nos atingem na verticalidade,

nos penetra de alto à baixo,

nos registra e chancela,

feito chuva que desce e nos molha inteiro,

ou raio que inverte nossos polos

de esperar pelo que virá.
Nos verte inteiro o que nos aparta na vertical,

mas é na horizontal que nos apercebemos

acometidos de tempo.

Casciano Lopes

Embalado no maior sigo em tom menor

Me ocupo das coisas miúdas;

como pensar que vou passear amanhã,

como querer abraçar minha família em breve

e enquanto quase durmo,

me preocupo se está cuidado o meu amor

debruçado em minhas miudezas,

me ocupa a saudade dos caminhos

que verei depois de amanhã.
E enquanto isso tudo domina minha demora,

as grandezas adornam minha espera

e abraçando minha pressa trocam por calma.

Uma graúda visão de beleza eterna

me conforta e diz-me da imensidão

que é ocupar-se do que me cerca.

Casciano Lopes

Bem de vida

Compreendeu de fortuna,

quando a alma lhe ensinou

a contar o bem que é viver

amado e amando o amor,

na forma de moeda valorizada...

Então, encheu os bolsos.

Casciano Lopes

Leitura dele

Por fim entendeu

que tinha o melhor dos casos

dentro de sua história.

Assimilou que não precisava

ser todos os escritos do mundo,

bastava ser um micro conto

dentro da biblioteca dos deuses.

Casciano Lopes

Enfim, sabemos o caminho

É mais sobre de onde venho do que pra onde vou...

Passamos tempo demais construindo cartas pro amanhã,

escrevendo um roteiro e desenhando metas,

como se futuro coubesse em planilha

e esquecemos de nos debruçar sobre os mapas prontos,

naqueles que navegamos ontem.

Casciano Lopes

Completude

Um paciente se quebrou inteiro, destroçou todas as articulações, ficou feito um mamulengo de si. Foi como acontece com os bonecos nas mãos de uma criança cirurgiã.

Perguntando ao médico sobre manter-se, ele lhe disse:

O senhor sofre de inteireza dentro das quebradiças travessas. Fez-se em partes o teu todo; caberá ao distinto montar as peças no semáforo e cruzar a faixa e na primeira metade do tempo verde, encontrarás a outra metade que te ajudará no amarelo piscante.

Amigo, ossos crescem com as crianças, não envelheça demais, se monte e faça a travessia sabendo-se inteiro, mesmo que em pedaços no farol vermelho.

Casciano Lopes

Facinho

Quase nunca é fácil,

mas a dificuldade

não precisa saber disso.

Casciano Lopes

Li na lida

Sempre surge uma cidade no fim da estrada,

um laço no fim do touro bravo,

um balde na corda no fim do poço fundo,

uma chuva no fim do céu escuro.

É,

sempre surge um mundo no fim da gente.

Casciano Lopes

Orientado

Acima da alegria

deve estar a felicidade,

não que ela seja mais genuína,

ela é uma direção

em estado de orientação.

Estar alegre exige um motivo,

o feliz já nasce motivo.

Casciano Lopes

Tem sim senhor

Sempre que posso,

gosto de pensar a vida

como um grande circo;

tem palhaços,

plateia,

malabarismo

e acrobacias.

Nem sempre posso...

Tem dias que nem penso!

Dias em que sou

só o chão do circo desmontado,

indo embora da cidade.

Casciano Lopes

Esse papo leva tempo

Os anos contaram para os dias que eles iriam passar, os dias riram se dobrando, gozando da cara deles e disseram pro cara do corpo, goze teus dias e esqueça os anos.

Hoje, não se sabe ao certo do que foi feito e nem que conselho mereceu ouvidos.

Afinal, o tempo bagunçou as palavras e ao menos eu acho, sim acho, que perdi a certeza nos danos, enquanto gozava os anos e nem vi os dias passarem, aliás, nem sei se passou, pois ainda estou me dobrando em risos...

Passou?

Casciano Lopes

Fazenda fazedeira

Só pode saber quão bom é

Quem viu a lua beijando o pasto

Quem viu a terra roxa de caso com a camisa xadrez

Quem viu os pirilampos namorando o açude de noite

Quem viu o burro virando os olhos roçando a cerca

Quem viu o leiteiro de cócoras dedilhando uma vaca...

É, só pode uma criança de roça

Continuar potente na impotência da idade.

Casciano Lopes

Sentir o sentido dos sentidos

Vamos nos aprontando no caminho.

Retocando cada vez, com mais destreza, o olhar, maquiando a saudade pra que ela não nos acorrente na palidez e admoestando a boca pequena, pra que ela não perca a cor das palavras, se optar pela grandeza.

E o coração, feito estojo de beleza, guarda a textura dos bilhetes, das idas e vindas... Lindezas não pesam e não atrasam o embarque.

Ah! Os dias tingirão de branco os fios de cabelo pra que saibamos que nunca estaremos prontos, não importam os retoques, nunca se vencerá o tempo! Nem súdito e nem realeza.

E está tudo bem... se pudermos manter a face sem aspereza e na cabeça, mais que uma certeza, uma moldura de quem soube conviver com o espelho do seu próprio camarim.

Casciano Lopes

Imperativo

Passe pelo tempo

como fazem as crianças...

Brincando como pra sempre,

chorando como pra ontem.

Passe como criança

que sem saber das horas,

não quer esperar, e assim

continua a brincar.

Casciano Lopes