17.1.13

Cora Coralina

A poesia está para o homem
Como o açúcar está para o tacho da doceira...
Que o diga Cora Coralina!

Casciano Lopes

Naturalmente equivocado

Bate e afoga a mesma onda que movimenta as águas
Ecoa nas pedras o grito e o assobio do vento
Juram a mesma promessa o arco-íris e a nuvem negra
O mesmo espinho que fere, protege e embeleza a rosa
O campo que produz o trigo, espalha a praga
A árvore que dá a sombra, ás vezes nega o fruto
O sol que brota e aquece aqui é o mesmo que empobrece ali.

E o homem ainda conta uma glória que não é sua.

Casciano Lopes

Mártir

O verdadeiro mártir de um país
É o que constrói a riqueza deste
Sem deixar-se contaminar por ela.
Geralmente vivem pobres,
Morrem pobres, sem nunca serem notados.

Se quiseres o título...
Tens que ser pobre
Tens que ter nome de João, de Maria
Tens que sofrer em filas
Tens que calar
E se chorar... que seja baixinho
Para não incomodar
Tens que soluçar... jamais gritar
Tens tendências ao anonimato?

Casciano Lopes

Ser são

O passado que conheço de tempos
E o de pouco tempo conhecido
Me ensinam o presente respeitar
Porque nem tudo sei
E amanhã nem tudo saberei
Importa que saiba lidar com meu espaço
E meu circular por ele
Porque no futuro contas não hei de dar
Do que não era meu pensar.

Casciano Lopes

Recomendo

Se o gato que não tenho, subir na árvore, chame o bombeiro.
Se o cachorro que ainda não gerei, sumir, ofereço recompensa.
Se eu esquecer a tabuada, não me venha com palmatória.
Se eu deixar de imaginar coisas...
Chame por mim.

Casciano Lopes

Obra

As vezes sinto dor...
Sim! Sinto dor.
Tenho momentos de solidão
Onde nem mesmo minha presença é suportável.
Sinto dor...
Tenho nos meus corpos as marcas do tempo como todos
Algumas invisíveis. Não dos meus sentidos!
E como sinto!
No entanto, com todo o sentimento continuo a entender
Que os mapas riscados no meu tempo
Não hão de impedir que minhas veias continuem compondo
A arte de construir o que acredito.
Quero apenas que estes mesmos mapas transformem-se
Em plantas e que estas orientem a construção.

Casciano Lopes

O mundo do não

O mundo perde o riso...
A cada criança sem pão
A cada vez que se diz não
A cada dor de irmãos
A cada preconceito emplacado
A cada atitude mesquinha...
Perde-se o riso e o mundo sem tintas
Vira um circo sem lona.

Casciano Lopes