18.4.13

Demais

Vontade de comer um mundo
De experimentar outros sabores
Que por tão distantes e diferentes
As vezes parece tão perto daqui
Sentir na saliva o aguçar das papilas
Ter na garganta o que vem sem partida
E ler na cartilha o que não vem escrito
Viver é assim, uma ânsia de mais...

Casciano Lopes

O homem em ação

Concreto que edifica
Com ferro ergue-se do chão
Manobrando no ar suas formas
Solidificando sua massa para existir
Deixa-se amassar
Mistura-se aos pés
Às pedras se junta
Abandona o início
Ultrapassa estágios
Molda-se nas caixas
Espremido levanta-se
Ajeita-se nos vãos
Sai da embalagem
Mostra sua cor
De tempos em tempos
Pinta-se de outras faces
Deixa-se trabalhar
É passivo da ação
Do homem e do tempo
Resiste...
Só tomba para ceder gentilmente
À ira descabida ou à necessidade florida.

O homem deve ser concreto
Muito de construção
Sem medo do tempo.

Casciano Lopes

Lutar para adivinhar seu tempo

O poeta incomoda a realidade crua
De mente nua busca distante a lua.

E a noite que a tudo via
Esconde-se do dia
Que o amor escondia.

Quando a seu lado canta o pio
De pronto cifra em um assobio.

Então, o sono que em queda adormeceu
Já faz planos de conhecer o que é seu.

Casciano Lopes 

Saindo da casca

A sede de dizer os que os olhos ainda não aprenderam
Dá palavras à bandeja da mesa com suas bebidas baratas
Faz copos empobrecidos acenarem frases de ordem
E as canecas em desordem gritarem suas ideias.

Casciano Lopes

Reaja

Enquanto cavas vizinho à praia
Te molha as ondas
Quando fundo cavares
Te enterras só, encharcado.

O mar continua lá
E eu cá...
O vejo soprando sal no sucumbido
Enquanto respinga os banhistas
E diverte os nus.

Se te enterras
Continuo como o mar
Calmo ou revolto
Apesar do que submerge.

Casciano Lopes

Posição vertical

A natureza da ferida é a de ferir
Fazendo desperta a dor que se põe em desatino
É inerente à cicatriz a tendência de se abrir
Buscando jeito de fazer do homem um peregrino.

Sob ou sobre o véu da luz
Não hei de me deitar na cruz.

Casciano Lopes.

Supondo a vida

E se um dia eu não estiver mais aqui,
quero que saibam todos
que o amor foi desmedido
e a liberdade quase atingida.
Porque assim os que ficarem,
continuarão a tentar...
Medir amor em busca de liberdade.
Em algum lugar, talvez,
eu ainda esteja por perto.

Casciano Lopes

10.4.13

Galo da seca

Eu, que de pena emagreci
Onde avisto é só braseiro
Lembro o milho que perdi
Me tiraram até o poleiro
No canto soluçado entristeci
Vivo pensativo no terreiro
Quem não morreu eu vi partir
Levando cru meu companheiro
E na recusa não quis fugir
Fiquei foi por um derradeiro
Em ninho já cheguei dormir
Hoje graveto me faz obreiro
Sem pó, pó, pó, pó, pra me bulir
Me fiz poeta,
Dos galos sou o primeiro.

Casciano Lopes