22.11.10

Vivendo perguntando

Porque a vida tão dividida
Descompassa toda minha perseverança?
Porque me morde a orelha
A angústia do existir parado?
Do quase não saber o rumo...
Porque chora o canteiro do saber?
Quero só que mude tudo de lugar
Sem que mude a crença no imutável
Quero da vida só as capacidades
De resto...
Me empresto ao serviço.


Casciano Lopes

15.11.10

Em prova

Hoje vi nascer um novo dia
Cheio de multicoloridos fios
Repleto de cheiros e formas
Com nuances e novos tons
Uma vida em prova
Um salão a espera
De um novo que se forma
Aos quarenta mudando
Formando para crescer
Aproveitando a chance
De fazer tudo diferente.


Casciano Lopes

5.11.10

Trajada

Dama de linho
Da linha tinta
Do tinto fino

Dama que tece
De prece tecido
De tese mescla

Dama
Da calmaria
Da euforia
Das sensações
Das estações
Do dia enluarado
Da noite ensolarada
Que por um triz
Bis
Por outro triz
Feliz

A poesia tem a dama bela
Que feito costureira zela
Poda a roseira
E sentada à sombra fria
Floresce a dama na poesia.


Casciano Lopes 

17.10.10

Pergunta ao mundo

Quem é essa pressa
Que atinge os dias?
Quem é a febre
Que deixa acamado os seus meninos?
De que é feita a carne
Que nasce feroz dos mesmos úteros calmos gerados as madres?
Quem é a cor marginalizada
Que bate e apanha para sobreviver?
O que corre nas linhas imaginárias
Que dividem os países que alguém imaginou?
Quem é essa guerra santa
Que trucida um olhar refugiado indefeso?
Quem manda que o pão nasça crescido além do rio
E que a massa seja diminuída sem qualquer fermento do lado contrário?
Na contramão de que sonho?
Que medo é esse
Que dorme e acorda falante aos nervos do que já não repousa?
Quem é essa dor
Que conduz os poemas dos poucos leitores?
O que manda
Que façam apaixonadamente o mal os que se elegem pelo bem?
Por que vivem calados os calvos e grisalhos nos balanços das varandas?
O que se perdeu na construção?
Será que foi nas reformas?
Nas demolições?
Quem é esse dia que me aflige?
- Socorro...
Gritou um aspirante a cidadão
Agora um expirante... expirou.


Casciano Lopes

Quando ele chega

Ontem... Quando a noite passou
Deixou na minha janela um frescor
Aroma desconhecido do olfato
Sabido apenas por meus pensamentos secretos
Por meu desejo escondido
Veio fagueiro no peito um bate-bate calado
Um inquieto pulsar
Na mente um cheiro deitado
Acomodado na vontade de tudo mudar
Veio de mansinho feito anjo
De voz doce acoplando aos ouvidos
A curiosidade das verdades
Da pele tocar, de lábios encontrar
De olhos ficarem juntos
Contando e cantando seus mistérios
Veio musicando minhas letras
Bailando meus salões
Restituindo minhas obras
Veio todo poeta como poesia
Escrevendo como há muito não se via
Dilacerando e levando pra longe
A dor que tanto doía
O coração já largado
Ditou as receitas da graça
Todo iluminado deixou o corpo guardado
Já se vai a saudade
Pintando de claro as horas
Tornando-se em alegria
Chegando em vôo a carta
Do pássaro em tom raro
Quase extinto
Quão doce
A voz cara do amor
Teu gosto em ninho
Tua colméia em flor.


Casciano Lopes

Persona Conquista

A conquista é aquela pessoa
Que quando chega muda tudo de lugar
Arranca a peneira da visão
Modifica o inverno
Aquece as estações
Patina a mobília
Deixa arte nos portões
Candelabros seculares
Peça mais cara da exposição
Composição de um hino
Bandeira do telhado
Que faz do dia
Um eterno memorável.


Casciano Lopes

Que se componha

Que mude a casa de lugar
Mas que o cruzeiro aponte sempre a direção
Que vire homem a mulher
Mas que permaneça a liberdade do amor
Que soprem as brasas do fogão
Para que se mantenha o calor do semelhante
Que a reza esquente os desprovidos de fé
E que o mantimento reparta o riso
Que a vida venha como foi feita
Simples e espontânea
Que nasça das mãos como veio de Deus
Com perfume de anjo, com travessuras
Que os dias tenham o descanso necessário
Que venham estrelas nos travesseiros da noite
Que nas manhãs brote firme um coração
Apaixonado pela vida
Que por tão simples...
Tão preciosa ressurge.


Casciano Lopes

Face dele

E todo meu orgulho no teu corpo se perdeu
Toda minha raiva em teus cabelos se escondeu
Busquei e não encontrei... Perdi as sobras do meu eu
Farelos eu juntei, não deu receita e doeu
Quem sou já me esqueci, perdi a fé e virei ateu
Sorriso se desfez, mudou a face, sentimento ensurdeceu
As pernas ralentaram, o cabelo embranqueceu
Joguei... Perdi aposta e a lembrança feneceu
Eu
Eu
Passado que não cura
Já morreu.


Casciano Lopes

14.10.10

Mais um dia

Amanheceu ensolarado
Estendido no sol ainda frio
Numa cama largada ao espaço
Abandonado às correntes de ar
Matinais... o frio, o café e o homem
Adormecido querendo acordar
Levantar enquanto esquenta
O tempo, as idéias e o motor de sonhar.


Casciano Lopes

11.10.10

Santana de Parnaíba



Tuas ruas e casinhas
Coloridas como em guache
Céu azul e praças
Em cores não há quem ache

Coreto e artesanatos
Pintando o sonho da gente
Bandinhas e a matriz
Rezando o tempo corrente

O Bartolomeu e teus bares
Teus tapetes e museu
Drama da Paixão, teu teatro
De um Cristo que não morreu

Os bonecos gigantes alegres
Teu carnaval de rua brincante
Corre por caminhos de Tietê
Não leva teu natal cantante

Coloridos em movimento
Tua gente guardada em mosaico
De história toda embalada
De passado sem ser arcaico

Vão-se os anos de teus mapas
Permanece calma a beleza
Que se avista lá da ponte
Dos alpendres da realeza

Dos telhados avermelhados
Avista-se tua planta
Uma Sant'Ana de Parnaíba
Feita com coração de Santa.

Casciano Lopes

6.10.10

Um quarentão


Passaram-se os anos...
Ficaram adolescentes...
Os anos
Jovens
Adultos
Maduros
Os anos...
Enquanto crescia
Não via
Não podia
Enquanto crescia
Os anos...
Eu já amadurecia
Rápido demais
Aos quarenta hoje
Tento ser a criança
Que não podia
O adolescente
Que sempre fugia
O jovem
Que inerte dormia
Lutando
Para que aos cinquenta
Me lembre dos quarenta e poucos
Com delicada memória
De um tempo sem fugas
Sem rabiscos com riscos
De arriscados telhados
Atiro-me hoje
Amanhã nadarei
Nada sei
Ainda saberei
Que saibam todos
Nasci ontem
Aos quarenta
Se morro...
Não sei.


Casciano Lopes

28.9.10

Poeira de tempo

A qualquer tempo
A qualquer preço
Há que se procurar...
Manter sóbrias as idéias
E frescas as intenções
Levantar o olhar
Como dois pés pela manhã
Distinguindo sempre
Passado e futuro
Ego e orgulho
Manter rédeas
Mesmo em redes
No sono ou pescaria
Reconhecer-se e confessar 
Que um dia após o outro
Somos poeira que o tempo leva.


Casciano Lopes

27.9.10

Noite mais bela

Vai lua...
Vai buscar...
Traz-me o além mar
Diz a quem busco
Que teu brilho molha
De luz
Uma noite só
Ilumine
O caminho do encontro
Mostre a cor da pele
Do que desconheço
Ainda
Revela aos meus
Olhos
Outro corpo
Que tu sondas
Embrulhe-me
Proteja-me
Enquanto espero
Aparta aquilo
Que ainda não é luz
Esconde em mim
Tua imagem
Para que não morra
A esperança prateada
Que o cavaleiro
Traga depressa
Banhado na claridade
O procurado
A chama para vela
Da tua lua
Dentro de minha noite só.


Casciano Lopes

Dureza de meu ser

Despeço-me do que não ilumina
Desprezo os nós de quem dobra as águas
De quem as esconde no breu
Amanso a fera e abomino o manso
Indurável é o nó do pingo
Como passageira a água derramada o é
Passando ao largo vai o desconhecido
Que não quero como amigo
Prefiro os não enlaçados
Os que da arte do laço não são artistas
Escolho os nós do destino
Que por mais cegos
Mais francos são.


Casciano Lopes

Consciente

Não quero cobaias nos laboratórios
Nem gaiolas, cercas ou experimentos
Louvável é a força posta à prova
A língua do reclamante
Ignorante é o que empresta-se à agulha
Que se fere calado nos pontaletes da experiência
Quero a frieza indignada
A mão teimosa em recolher-se
Os lábios roxos da ira do discurso
Quero povo sendo povo
Capaz antes de tudo de entender-se
Pois só cuida do amanhã
Quem conhece seu propósito.


Casciano Lopes

Inverno d'Alma

Frio
Fere
Fria
Face
Frieza
Fenece
Fica
Frio

Casciano Lopes

Endereço

A beleza está
No enlace de um atrevido olhar
Com uma pele ardente
O cheiro emana
Como perfume curioso.

Casciano Lopes

Sentindo a falta


O gesto carregado nas minhas mãos
É o mesmo que teus olhos destilam
O mesmo ar que respiras
É o que minha boca expira
Somos tabuadas tomadas
Diferentes números associados
Minha calma vira ira
Quando a tua se acomoda
O silêncio que se move
Derruba a noite tranquila
E o teu cheiro mesmo ausente
Bolindo papéis meus
Remove meus guardados
Em bolsos de pura nudez
Tua falta tão presente
Deixa triste e carente
Cada beleza e cada vazio
De cada coração que tenho.

Casciano Lopes

Mutação


Os deuses caminharam...
Na paz das terras do passeio
Perderam-se ao acaso
Preocupados com o ócio fugiram
Conheceram a dor em terras distantes
Como deuses sentiram a solidão dos povos
De comum acordo abandonaram a divindade
Tornaram-se amigos
Amigos são palpáveis, deuses não
No imaginário o são
Até hoje os amigos deuses
Caminham entre multidões
Protegendo
Idolatrando
Como o fazem os devotos.


Casciano Lopes

Ritmo

Os dias alegres em canções de sol
Decoram a alma e imprimem lua no olhar
O brilho que estampa os lábios são bemóis
E sustenidos se acidentam nas faces
As composições cavalgam a mente composta
De sons bailados em cada noite
Em toda história viaja pautado o silêncio amante
Corta os cabelos os ecos de metais
E a percussão cadencia os sonhos
Em ritmo de vida musicada
Música vida ritmada.


Casciano Lopes

20.9.10

Ao amor

"Para Carlos Almeida"... Motivo de meu riso e poesia.



Hoje me descubro reto, curvo
Paralelo ao sentimento poeta
De ter nas tuas letras a vida minha


Sou a poesia sentada bem ali
Aquela escondida lá
A que eu encontrei aqui


Amanhã as réguas se perdem
Os compassos viram círculos
Perpendiculares travessas


Eu poeta descobri...
O circo
A musicalidade
O palhaço
Suas tintas me coloriram
Em poemas me distinguiram
E eu penso a vida como simplesmente
Um verso sendo escrito
Uma lamparina flamejando
Um graveto aceso de vontade
Um carvão infantil de cores mil
Uma cidade iluminada de letras
E um homem especial à deriva
De minhas ansiedades
De minhas vontades
Das carícias da parceria
Eu na incessante busca da eternidade
Já que a felicidade reina plena digo que:
A prosa descansa na boca
A fábula no coração
O conto na alma doce
E o amor no colo adormece.
A poesia...
Figura que transfigura o homem
Aquieta os mares profundos
Soletrando esmero na delicada linha
Na rosa que não morre
Na existência que não finda
Quando se vive ao lado.


Casciano Lopes

O cinema, o filme e o homem

Na platéia tem destino
Tem passado um filme velho
Um longa do passado
Tem uma longa canção triste.


O sucesso foi da trilha
Também foi do figurino
Desenhado e costurado
Tem na seda o tom de chita.


Tem cores de terra nova
Vem o cheiro do molhado
E na chuva do que é telado
Passa em águas o filmado.


Das poltronas se esvaíram
Pessoas de toda forma
Ficou triste um sentado
Com seu filme inacabado.


Pensando na sua história
Criou o próprio enredo
Dirigiu, encenou o argumento
Aplaudiu o seu final e levantou-se...


Menos incomodado
Mais conformado
Igualmente cabisbaixo
Cantarolando uma certa canção triste.


Casciano Lopes

Sentindo saudade

Os grandes são feitos de saudade
É humana toda forma de sentir
É fascinante sentir saudade
Até do que ainda não conhecemos
Do que não conversamos
Do que não tocamos
Do que ainda não vivemos
Até dos lugares onde estaremos
É fantástica essa saudade
Busca o que sabe onde está
Ajuda a descobrir o perfume do outro
Até em que escala toca sua pele
Saudade...
Sentimento mais flor da pele que os demais.

Casciano Lopes

Inquietude

Incapaz de aquietar-se
Cala a calma e cavalga a paz
Aperta as mãos suadas
Escorre pelo chão onde pisa
Precipitado os anseios
Corrói os solados apressados depressa
Atravessa a rua curioso atrás do juízo perdido
Estapeia os pensamentos
Repele o medo e arrisca todo o ter
Tira e devolve a coragem
Enche de fosco o olhar brilhante
Embranquece os dentes em sorriso maroto
Como quem vive por não saber quieto ficar.

Casciano Lopes

15.9.10

De outras vidas


Símbolo da força minha
Minha música da vontade
Minha partida inesperada
Minha chegada aguardada
Patuá da minha convicção
Minha cantiga de roda
Minha roda da infância
Minha figura estimada
Altar da minha reza
Minha febre que não cura
Minha ideologia que não mente
Minha mente que acredita
Divindades humanizadas
Minhas Marias e Chicos
Meus eternos amores
Meu eterno viver.

Casciano Lopes

Mais bela

Na
Graça
Amarela
Da
Pele
A
Beleza
Da
Tulipa
Que
Passa.


Casciano Lopes

Escrivaninha

Hoje me perdi nos entulhos do tempo
Revirei uns antigos baús emperrados
Revisitei uns porões esquecidos
Entrei no sótão empoeirado do passado
Descobri uns bilhetes que não li
Redescobri umas cartas não postadas
Li e reli uns manuscritos ensaiados
Percebi rascunhos nunca ditos ou editados
Parei ante um espelho maquiado 
Limpei e me espelhei de repente
Pensei em fugir por não combinar
Com a moldura que era antiga e aposentada
Mostrando um tempo que quase desconhecia
Destoava de toda memória presente
E o contexto fazia ausente a semelhança
Deixando em cartas embaralhadas a saudade
Imediatamente encerrei nas trancas dos guardados
Todo o lamento das perdas
Coloquei no bolso apenas
Uma foto antiga
Um brinquedo de madeira
E um diploma de datilografia
Encaminhei-me a escrivaninha e comecei a arte
De transformar em poesia
O mundo que acredito
Sem porões
Sem sótãos
Sem baús
Um mundo feito de presente
Do passado só o que vira ferramenta
Só o que faz um homem virar poeta.

Casciano Lopes

13.9.10

Um livro

Na estufa mais uma muda
Na galinha mais um ovo
No ninho um filho
No berço um filhote
Na janela um beija-flor
No poente um sol
Nas páginas um conto
No número um palhaço
Na gola um botão
Na lapela um cravo
No bolo uma cereja
         Na calçada um vagabundo
No Chaplin um riso
No multidão um rosto
Na ponte um rio
Na sombra um sono
Na beira do caminho um homem
A espera de um grito de liberdade
De um bocado de lealdade
De um livro inacabado
Para que possa escrever
Um novo mundo
Ao menos na última linha.

Casciano Lopes

Sola das alas



Na ponta afunilada dos saltos compôs-se um samba
Batucado nos ladrilhos
Sacolejado nos vagões imaginários da memória
Rodopiando nos salões de um coração popular
A frente da comissão desce as cartas de um amor sambado
Enjaulado em um ritmo enluarado
Ritmado nos surdos e pandeiros
A passista desse amor vira rainha de uma samba entoado
Arquibancada marca o passo nos tablados amadeirados
Ouve-se o grito na avenida entoado
De que cresce um cordão apaixonado
De um caso acontecido nos bicos afinados
De dois seres enamorados
Judiando seus sapatos
Em dois pra lá, dois pra cá, repicado e miudinho
Balançando nas cadeiras de um povo entusiasmado
Desce o samba na avenida
Desce nas baianas e porta-bandeiras
Uma história que é contada
Nos pés equilibrados de um salto e de um asfalto
E a cuíca dá o tom para dois encantados...
Seres entrelaçados.


Casciano Lopes

Bailarina negra

Bailando
em
palco
iluminada
bailarina
de
senzala
vira
o
tempo
internacionalizando
um
direito
dançante
mostrando
raça
e
ao
mundo
graça
como
platéia
iluminada.

Casciano Lopes