31.12.13

Cabe na palma da mão

O riso da moça no outro lado da rua
A avenida do outro lado da ponte e até a ponte
O menino e a bola lançando-se trave adentro
A calçada e o 'Carlitos' do muro pichado
O bêbado equilibrista e sua garrafa tonta
O horizonte com seu céu, nuvens e sol
Cabe a diferença e a semelhança
A dança, o palco e a bailarina

Estique o braço, mire a palma com olhos pequenos
Veja o que cabe nela e ao recolher seu olhar...
Aplauda.

Casciano Lopes

31 de dezembro

A terra se contorce em dor de parto
Escreve seus ais em versos
Declama os últimos gritos a parturiente
...Vem coroando a poesia da novidade.

Casciano Lopes

28.12.13

Bem comum

O verso deve atravessar o oceano e continuar doce
Precisa ser visto mesmo se subir ao cume
Sentido mesmo sob escombros
Fluente mesmo entre dilacerados
No partir dos anos deve se manter inteiro
Na tormenta dos ventos carece saber bailar

Nem propriedade e nem proprietário
Só verso andarilho
Livre.

Casciano Lopes


De improviso


11.12.13

Desmantelo do engano

Quando descobrimos o caminho,
os becos apertados não se passam mais por estradas.

Casciano Lopes

Viga'dentro

Saiba que além das colunas da estrutura de tua carne
Existe tua força que deu liga ao cimento da construção
O que mantém teu edifício intacto, está do lado de dentro
Guardado com as maquetes, protegido por tuas asas.

Casciano Lopes

Árvore de natal

Na minha tem passarinhos, vários e multicoloridos
Tem partituras assoviadas de ouvido absoluto
Tem ruas inteiras de histórias, casos e contos
Tem anões gigantes e seus inversos em versos

Na minha tem mundos, seus ocos, rasos e profundos
Tem cidades fantasmas, até mesmo habitadas
Tem vidas de vários corpos, corpo de uma só
Tem calçadas que são estradas, becos que são saídas

Na minha tem Fadas, Duendes, Elfos e Silfos
Tem Mestres, Magos, Elementais e Elementos
Tem Ar que movimenta, Água que transforma
Tem Fogo que dissolve e Terra que transmuta

Na minha tem gente forte que conta tempo
Tem civilizações antigas que marcam o relógio
Tem Cosmos, Astros, a Natureza e sua paga
Tem a energia do Universo que não se acaba

Na minha tem homem e super homem
Tem deuses e semideuses, mitos e verdades
Tem reis e rainhas, súditos e vassalos
Tem eternos e mortais, velozes e os vagarosos

Na minha tem escudos, espadas de fino fio
Tem cores e um céu azul, águias e corujas
Tem cristais que refletem os Gnomos
Tem colibris e borboletas pousadas em bambus

Na minha tem luz e também a falsa sombra
Tem o Eu e seu Divino, a presença e a ausência
Tem a força da leveza e a densidade do obscuro
Tem a guerra que é eterna e a consciência dos lados


Na minha tem essências, frascos miúdos e poções
Tem cheiros que trazem som, violetas que deixam rastros
Tem lírios que trabalham e notas que transcendem
Tem jardins de alfazemas, lavandas e mil flores

Na minha tem o sopro que medita e a vista que inspira
Tem o sonho de certeza que faz perdida a dúvida
Tem a poesia que conta o livro e a chave mestra da neblina
Tem templos e sábios, mantras, símbolos e coluna ereta

Na minha tem as pontes que observam os abismos
Tem as pedras sentadas nas frias corredeiras
Tem muralhas, asas que planam em escape gélido
Tem amor, Ser e Seres, abrigados nas quentes mãos

Que em forma de prece aquece o timo e a cura da árvore.

Namastê


Casciano Lopes

9.12.13

Vista face

As esquinas marcadas não são as expostas nos olhos
As ruas tortas não são as que as sobrancelhas revelam
As curvas acentuadas não estão mapeadas no rosto
As ladeiras sofríveis não estão descritas na moldura 
E sim nas vielas sisudas de um coração acabrunhado
Onde cabe tudo, até uma cidade vazia.

Casciano Lopes

Palavras sepultadas

Há momentos de falar
Outros de calar
Ditos, benditos, malditos...
Anos em movimento... a palavra
De repente se cala em silêncios
...Por toda a vida o dizer
De quem dizia.

Casciano Lopes

5.12.13

Lacrimo

Quando cavucas minha face
e buscas aprofundares as bacias
sei que queres vida em teus leitos
queres fazer-te rios
quem sabe mares
Digo-vos que só te quero lágrima
para secar-te e descartar os lenços.

Casciano Lopes

29.11.13

Não são matas fechadas

O que mapeia nossas estradas
E que norteia a caminhada
São os arbustos voluntários das margens
Corados, desbotados ou empoeirados

Cumprem a missão de marco
Pontos de partida para quem chega
Pontos de parada para quem vai
Na margem está a direção, todo o tempo.

Casciano Lopes

Nada de Brasília

Se a felicidade pode estar em qualquer esquina
Quero vida em vias de intersecção.

Casciano Lopes

Depois do querer

Te quero porque não aprendi desquerer
Te espero porque não posso só morar
E se amo tanto, inda mais amarei
Porque desamar é delonga
E sou de pressa como o amor
Que depressa se apodera de quem aflora.

Casciano Lopes

21.11.13

Eleito

Quando um rio atravessa a cidade
Ele é quem a administra.

Casciano Lopes

Talvez...

Talvez a vida reduza a marcha
e do fim seu emissário perca caminho
Talvez se alonguem os braços e seu mar
E a tempestade não faça de tudo descaminho.

Casciano Lopes

Poesia na estrada - II

Já escrevi pra Antonia, Rafaela e Raimunda
Pra Casemiro, João, Batista e José
Mas gosto mesmo é de escrever pra rua
Nela passam todos...
Próprios, comuns, substantivos e adjetivos
Também é na rua, na estrada como digo
Que moram os ninhos onde choco minhas letras.

Casciano Lopes

19.11.13

O que fora vendido

Chega puro
Cresce duro
Amadurece
Apodrecido
Envelhece
Parte velho
Empobrecido
Cada homem
Comprado.

Casciano Lopes

Procissão

A cobra imensa vai engolindo a multidão
Debatendo-se feito viva lacrimeja suor
Rastejando o corpo longo feito de chão
Vai o círio calado em busca de confessor

Cultuada peçonhenta serpente da servidão
Que junta no aperto calcanhares de sonhador
Serpenteando pedidos em meio a exaustão
Grita um Nazareno no afã de seu odor

Silêncio comungado em resmungada confusão
Entorpecente veneno que mata o descobridor
Despe enquanto cala cada homem histrião
Enquanto foge da morte pobre, o seu autor.

Casciano Lopes




11.11.13

Há dias impossíveis

Calvos dias, sem penteados possíveis
Sem face para maquiar.

Casciano Lopes

Chão partido

Quebrou no mar lá da vida
Foi para as bandas do coração
Quebrou na sala lá de casa
Estrondoso e fino como um grito
Tilintou nas esquinas de meus cômodos
Sem cerimônia adentrou nos surdos de meus silêncios
Rompeu os tímpanos da lembrança
Quebrou-se
Desfez-se
Era laço com mania de nó
Um apego atrevido desmemoriou-se
Quando desfez-se a cadeia de seus átomos
Espatifou-se
Patifes cacos rompendo meu chão em cristal quebrado.

Casciano Lopes

Indolente


Quintais e varais


8.11.13

Ouça o bom conselho

Não é necessário morar na floresta
para que o verde te abrigue
Não precisa ser vizinho da cachoeira
para que as gotículas frescas te adornem
Não há necessidade de construir asas
para atravessar trópicos com os pássaros

Basta tão somente
Semear todos os dias
Janelas e portas abertas
Regar pontes
E não temer colher a travessia.

Casciano Lopes

Mundana intempérie

Não posso me debater nessas águas
Densas e turvas com resto de chuva
Nem peixe sou, nem lampejo de trovoada
Nem calçada, nem rua, nem mata fechada
No máximo um humano sem barbatanas.

Casciano Lopes

6.11.13

Zero

De amanhãs
Ontem já não sou

Melhor mesmo é hoje
Já que dependo de termômetro

Cronômetros zeram com eles...
Com os amanhãs, os termômetros e meu pouco ser.

Casciano Lopes

O meu sétimo é domingo

Entre a tristeza e a alegria
Não existe nada além de um coração

E porque domingos são sorridentes
O meu é cheio de domingos.

Casciano Lopes

Mensageiro dos Tempos

Gastos dias que me consomem
Todos eles parecem ter dentes afiados
Relógios amolados no esmeril da pressa
Alicates que tosam antes que cresçam,
que amadureçam ideias.

Gasto tempo, tão velho quanto o próprio
Tão insalubre e sem adicional de periculosidade
Virtuoso quando chega e quando se vai
Esvai-se vertiginoso,
enquanto deixa acamado o próprio templo.

Casciano Lopes

24.10.13

Escrevo

Não sei se chegará ao destino a tal carta
Todavia peço que com todo zelo não a amasse
Procure não colocá-la no bolso para não molhar as letras
Quem sabe assim chegará ao seu destino ainda perfumada
Ao menos da tinta fresca resguardada
E meu gosto caligrafado sentirá perfumada as mãos do receptor

Não sei se o encontrará em bom estado e conservado
Mas ainda peço que apresse os passos
Que se possível antecipe a entrega
E se ao bater palmas a porta não se abrir
Tem minha permissão para rasgar o portão

E em posse do presente
Apresente ao passado minhas letras
Espere para que leia antes que morra
E me traga notícias enquanto vivo.

Casciano Lopes

Maltratado sem fala

Não posso fingir que não vi
Porque senti o grito
Não sabia falar e falou por mim.

Casciano Lopes

Crista do choro

Sim eu choro,
sou como o galo.
Ah!
Ele não chora?
Mas juro que já o vi soluçar.


Casciano Lopes

Não é permitido parar

Beira de estrada
Não é lugar

Nem caminho é

Nem é mar
O que se forma sem salgar.

Casciano Lopes

Cir[senso]

O circo é o mundo como deveria ser.
Na verdade,
um protótipo que nunca foi levado a sério.


Casciano Lopes

Paraná


Claridade no breu


Anjos


Riscando-se do mapa


Interplanetário


Atavie


Pressa da hora


Poesia na estrada


Inda assim


Ainda trago comigo


Foco


Espacial vontade


Costumeiro sabor


15.10.13

O que posso é meu dever

Eu posso abster-me da maldade, da equívoca lealdade que estipula parâmetros. Posso renegar a existência do mal embora o contemple de minha janela. Posso avistar o caos e impedi-lo de fazer morada em minha casa.
Creio não poder ignorar a convivência forçada, ainda assim, posso tentar.

Casciano Lopes

Estações não findas

Um dia
o trem que mira as estações,
encerra seu percurso e guarda seu sacolejo.
Enquanto isso,
ainda esquenta os trilhos e rebola feito vedete
seu corpo longo entre uma e outra paragem,
trazendo dentro de suas portas um tanto de homens passados
e quando pára, engole outro tanto de homens presentes.
A vida segue com o trem, de tudo...
só ficam as estações.

Casciano Lopes

Terminais

Quando o guarda já não guarda coisa alguma
O dependurado relógio não registra passagem, nem passageiro
E a mulher sentada das escadas envelheceu e virou lembrança
Será que enterraram o tempo ou demoliram o observador?

Casciano Lopes

13.10.13

Sou do século passado

Quando a cadeira se movia para receber a dama
Quando a porta se abria no automático da mão gentil
Quando um 'com licença' não tinha nome de 'empurrão'
No século passado...
Os carros paravam sem pressa para passar o caminhante
Carteiros aos montes empregavam-se... notícias em envelopes
Declarações, pedidos de namoro e notas em tinta fresca
Sou do século passado...
Quando os laços eram fortalecidos no pedido de benção
E abençoados... acreditem! Conhecia-se a força da palavra
Onde mãos dadas e um olhar sem dizer... dizia tudo
No século passado...
Tão pertinho de hoje embora tão distante na lembrança
As canções roucas das vitrolas embargavam a voz na emoção
Porque falavam da pureza e simplicidade, que ficaram lá...

No século passado.

Casciano Lopes

10.10.13

Quisera eu

Impregnar-me entre as linhas brancas de uma folha
Depois dobrá-la e despachar-me... despachá-la...
Rumo aos anéis em um avião monomotor
Piloto automático, sem recado ou tinta fria
Quisera... senão pouso, decolagem.

Casciano Lopes

8.10.13

Vésperas de um homem

Uns dias mais velho
Uns cabelos mais brancos
Uns motivos a mais para continuar...
O mesmo homem que não pode parar.

Casciano Lopes

Nunca é tarde para:

Impedir uma pedrada
Recusar a força bruta
Desviar-se da hipocrisia
Zombar do egoísmo
Descartar a prepotência
Afastar-se do fanatismo
Repelir a indiferença
Abominar a avareza
... Fazer-se humano

Já é tarde se não acreditar.

Casciano Lopes

Esboço

O que me define é só o que falta
indefinido
O que foi feito definiu
tempo passado
E sou feito de futuro
De amanhãs.

Casciano Lopes

Ontem

Eu pensei que podia suprir do mundo a necessidade
Pensei que podia suprimir da terra a carestia
E até pensei poder dar ao cativo a anistia
Hoje mais violentado pela densa e tortuosa cidade
Penso em rebeldia
E que é a teimosia que finca meus pés na ventania
E que o que pensei faz a diferença no custo de minha idade.

Casciano Lopes

Recusa à forma

Eu não vou pedir em súplica
tão pouco desenhar em métrica
o que me pertence e me rubrica
e que concede a ética de minha
estética.

Casciano Lopes

Em juízo

O pensamento toma o tempo
O tempo se empresta ao pensamento
E eu nem discuto.
Um justifica o outro
E se existo...
Devo ao tempo
Assim penso enquanto penso.

Casciano Lopes

Amanheça

E se eu dormir chovendo
E acordar anoitecendo
Não fique entardecendo...
Junte-se ao meu dia
Que já vem amanhecendo.

Casciano Lopes

Amor elevado ao quinto elemento

E se um dia meus picos se dissolverem aos teus pés,
a minha sarça arder e vulcanizar tua terra
e meu mar se converter em praia por tuas passagens,
será só mais uma manifestação do grande motivo de ventar
aos quatros cantos, intempestivas formas de falar de meu amor.

Casciano Lopes

Lúcida vida em mundo de fanáticos

Enquanto muitos dormem em uma verdade analfabeta,
a luta continua por manter olhos abertos em busca do desconhecido.

Casciano Lopes

Minha exata lei

Exceto na matemática, todas as fórmulas são fajutas.

Casciano Lopes

Acabrunhou-se?

Por onde anda a coragem do homem de bem?
Estaria envergada atrás da corcunda do medo
ou fundiu-se à covardia do mal?

Casciano Lopes

13.9.13

Apelo

Está em nossas mãos
Não fazer nada por poder fazer pouco
É um crime.

Casciano lopes


Hórrido

Horrendo
viver regrado, cansado e suado em busca de paga.
Horrendo
ver que a morte não é uma paga, que se quer negocia com a canseira.
Horrendo.

Casciano Lopes

10.9.13

Palavra... esta fortuna

Não sei usar palavras difíceis
Não gosto de não me fazer entender
Meu compromisso é simples, como nasci
É com o simples, como cresci.
A palavra não é um cartão de crédito de limite alto
Ela tem que atingir também os desprovidos de crédito.

Casciano Lopes.

No mesmo mar... o calmo e o revolto

Em sonhos de acordado
empilho rochas pela orla
sei que chora o mar
...em suas ressacas.

Casciano Lopes

Caligrafia sem tostão

Mesmo que corresse entre polegar e indicador, o preço
não pagaria, prefiro que corram tintas entre os tais.

Casciano Lopes

Toda hora é partida

Parte-se de lá
parte-se de cá


parte
deixa partido


partido
deixe que parta


instante reparte
parte quem parte


partindo quem deixa partir
quem não pode partir


quem vê a partida que parte
inerte se parte
na imóvel partida de quem parte.

Casciano Lopes

9.9.13

Apologia à liberdade

Eu desconfio que a liberdade chega ser criminosa
dentro de um mundo pensado em bordas.


Casciano Lopes

Maria Bonita

27 anos viveu
Maria Gomes Oliveira nasceu
Maria Bonita morreu

Santa Brígida era a fazenda
Malhada da Caiçara uma fenda
Em Paulo Afonso, Bahia, a vivenda

Em suposto 1911 chegou
Com 15 anos se casou
De certo, em 38 findou

Zé Neném marido primeiro
Estéril, função sapateiro
Perdeu, não foi derradeiro

Em 29, a mãe por cupido
Novo namoro foi cedido
Nem precisou de pedido

O rei do cangaço então
Virgulino Ferreira, o Lampião
Apaixonou-se no sertão

O atributo cangaço vem de canga
No pescoço do boi, não é miçanga
Pertences junto ao corpo fizeram capanga

Um ano foi que passou
Em 30 ao bando ela se juntou
A primeira cangaceira oito anos durou

Três abortos, um nascimento
Expedita Ferreira Nunes, de documento
Criada por vaqueiros, um contento

Em Sergipe, Poço Redondo, enfim
O casal viu sentenciado seu fim
A volante matou, aos quatro cantos, clarim

Questões sociais e fundiárias do Nordeste...
Bravura e honra para população 'da peste'
Para autoridades, criminosos brutais [sem que preste].

Casciano Lopes


















Artista plástico: Eduardo Lima

Amigo oculto


7.9.13

Sou dado a crenças

Creio:
na conspiração do universo
na força da palavra
no poder de um coração puro
nas muitas vidas que temos [é só o que explica]
no templo de cada um [o próprio corpo] e é só esse que vale
na força de vontade de uma mente sadia
na solidariedade [a gratuita]
na verdade de que todos os seres vivos se completam
na força da Natureza e seu domínio sobre o homem [jamais o contrário]
nas outras dimensões e que igualmente convivem com nossa fisicalidade
na amplitude de entender que não há diferenças [só desconhecimento]
na dor do outro como minha [não há alheio se o corpo é único]
na completa inutilidade da mais valia e seu capital
no simples, sem perda de tempo em efêmeros acúmulos financeiros
na quebra de tabus hipócritas como única forma de marcar a liberdade
na queima de preconceitos em praça pública para extirpar a ignorância
na arte como forma de expressão generosa da alma
na informação como alavanca de entendimento e respeito ao pensamento
na integridade emocional que rejeita a violência amoral dos moralistas
na filosofia como forma de questionamento capaz de gerar mudanças
na capacidade humana de lutar contra toda sorte de imposição
nos que abominam a fé vendida, o pedacinho de céu comercializado
na grandeza de recomeçar que faz do aprendizado algo para compartilhar
no direito pleno entre todos os iguais [qualquer ser que respire].
Todo o resto, é resto...
e como tal não merece meu crédito.

Casciano Lopes

5.9.13

E no intervalo?


Normal incomoda anormal


Passei a vida reservando...

reservei,
dinheiro para fazer a viagem
malas para acomodar a bagagem
roupas para não fazer feio,
fome, para usá-la no passeio

reservei,
dia especial de macarronada
queijo escondido da goiabada
bebida da boa para os outros
sanidade para aturá-los... loucos

reservei,
humor, risos e abraços
embarguei
medo, choro e fracassos

reservo hoje,
o tempo que é meu
o espaço que é meu
o sentimento que é meu
o silêncio meu [que não é teu]

me basta o aprendizado que foi meu
que hoje me ajuda a calcular
a metragem do meu quadrado e a metrar
o que cabe nele e o que guardar
fora o amor nada mais hei de reservar.

Casciano Lopes

Inoculação

não fosse a poesia
talvez não teria vingado
a planta, o enxerto doado
nem se faria muda a dor que doía.

Casciano Lopes

1.9.13

Dois caminhos

Há os que preferem simplificar tudo [segundo penso, complicar], passam a impressão de que a vida é manipulada em doses como numa receita. Até penso, que alguns a escrevam em seus caderninhos de cozinha, para não esquecerem o passo a passo.
Estes sabem tudo, via de regra são os donos da verdade.
Prefiro não seguir métodos e, muitas vezes, peso a mão no fermento, mas ainda assim, lido melhor com a massa desproporcionalmente crescida que com a diminuída.
Não compreendo 'o mais fácil', o provável, o certo, o direito, o tal caminho iluminado artificialmente, previamente...
A vida não é um bolo de laranja, daqueles que você bate tudo no liquidificador, inclusive com a casca e fica maravilhoso no final. Talvez por isso, tantos indivíduos sejam cheios de si, pensam que dominam a forma, a fórmula, a essência, a receita de seu bolo.
Compreendo 'o difícil', o improvável, o errado ou incerto, o cheio de aclives e declives... o tal caminho, que não raras vezes vira beco, ruela, íngreme chão, acidentado e povoado de feras e desconhecidos atalhos.
Quando observo os proprietários da massa diminuída, tenho vontade de repetir o que disse o querido Mario Cortella em 2007:
"Tu és um individuo entre outros 6 bilhões e 400 milhões [hoje, em 2013,  7.175.440.000] de indivíduos compondo uma unica espécie dentre outras 3 milhões de espécies já classificadas que vive em um planetinha que gira em torno de uma estrelinha que é uma entre outras 100 bilhões de estrelas compondo uma única galáxia entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis que de tanto se expandir um dia irá desaparecer...
Quem és tu?"

Casciano Lopes

Ludovico

Era uma gaveta velha de fundo escuro
De dentes gastos que rangiam à ordem de abrir
Chamando atenção para si
Exalava seu perfume de papéis amarelados

Um pequeno quadrado, envernizado e gasto
Puxador desparafusado e penso
De assoalho bambo e laterais frouxas
Que ainda guardava o gosto da última demão

Único compartimento de uma ilustre pesada
De três pés e um quarto emprestado
Sobrevivente do êxodo mobiliário
Das coisas do tempo retirante, esquecida

E no miolo da esganiçada centenária
Um relógio de bolso esquecido de continuar
Parava a hora de partir sobre uma carta
E uma foto do neto que a abria.... gaveta

O que a carta dizia...
O neto não disse.

Casciano Lopes

Só pode dizer... o barulho do mar


27.8.13

A espera

[Nos guardados de 2007]

Vem ver o que mora no meio
Na divisa do eu... ponteiros

Entre e descubra que o tempo
Não passa de um encaixe quieto

Perdoe se aos gritos um afoito milésimo
Correr sem compostura aos teus pés.

Casciano Lopes

Orla

[Guardado desde 12/11/2007]

Ai que já avisto o mar
Já percebo uma cor azulada
Subindo numa maré encharcada

De tanto entardecer olharado
Acastanhou-se a vista
Depois que pus vistas ao mar.

Casciano Lopes

O que a Bahia tem

[Nos guardados de 2007]

A brancura que amorenou
na melanina de Caymmi’s
dançou o corpo e cantou
Nana’s, Dori’s e Danilo’s,
numa nota só
Dorival.

Casciano Lopes

Intempestivo

[Nos guardados de 2007]

Tanta areia restou depois que a água passou!
Vasculho e encontro nas raízes do verbo que comi ontem,
as respostas do que recitarei amanhã,
nas frases que se diz depois de uma tormenta.
Inda que me custe, de novo as ditarei.

Casciano Lopes

Incitamento

[Nos guardados de 2006]

Carcereiro
Detento
Cárcere
Detento
Intento

Tento
Lamento
Detento
Desapontamento 
Julgamento

Aumento
Juramento
Detento
Abafamento
Pensamento

Detento.

Casciano Lopes

Impacto

O triste divide a tela
Não fora assim
Não seria tão bela.

Casciano Lopes

Compacto

[poema encontrado nos guardados de 2010]

Vejo no espelho ainda intacto
Cada pacto que fiz no abstrato
Cada traço que não copiei

Cópias guardadas onde não sei

Vejo no espelho o que aprendi
Dentro e fora do que esqueci
A marca do dia e da partida

Passagem que não é mais refletida

Vejo feito a melodia invernada
Que em minha pele anda internada
Palavras agudas e de um intenso tal

Que trinca e despedaça o eu cristal.

E se corta ou vira arte?
Remonte e pergunte
Ao que não parte.

Casciano Lopes

À capela

Hoje sigo por madrigais
Em busca dos canteiros
Que se escondem lá
Onde já não há quintais

Já conheço os temporais
Ainda assim eu vou partir
Vou pedindo pra ficar
...Mas atendo aos roseirais.

Casciano Lopes

Yvi

16 de agosto/2013
[À bebê que se acalma ao som de: "É isso ai" de Ana Carolina.]

Eu que de pequena
Só a medida
Que de recém
Só a chegada
Que de alegria
Toda a nascida
Que de futuro
Toda a jornada.

Que entre todos e tantos
“Francisco’s e Suellen’s”
Pude escolher meus encantos
Esverdear meus ‘edens ‘.

Que tenho no nome ‘Hera’
De origem britânica
A força da primavera
Uma bela da botânica.

Que de calma só a canção
De preferência só a Ana
Que nina feito oração
O coração que já ama.

Que conheço o vendedor de flores
Peço que reparem na lua
Que ensina escolher seus amores
Porque a vida continua.

Sou Yvi Sato Luna
“É isso ai, eu não vou parar de te olhar”.
Prefiram os milagres que as maldades.

Casciano Lopes

25.8.13

Con[decorada]

Era uma casa pequena de pisos e azulejos antigos, uma porta, uma janela, um vitrô e um basculante alto. Um portão da casa de fundos.
Era sem 'águas', de escada poucos os degraus, de arejado só o pé direito alto da meia parede de azulejos vencidos e do ar nitrogenado.
Era de lembranças cada taco, despregado do tempo já sem cera e costurado ao quadrado de dormir por onde em sanfona se abria o acesso ao cumprido canto de banhar de tão suados azulejos.
Era idosa a campainha, que anunciava vaidosa que na rua alguém parava em frente ao portão, desejando passear por caquinhos de azulejos pregados ao caminho, vulgo corredor que vai ao fundo...
E no fundo, a casinha dita [era], desmonta seus azulejos, faz as malas e faz viagem, no caminho cresce e já dispõe de presente...
Cabe sonhos, novidades, pequenas necessidades e nobres azulejos.

Casciano Lopes



Publicação de nº 600

23.8.13

À dama felina

[Para Soraya Vasconcelos - A pedido]

Os olhos lembram o passeio felino 
e o passear
A sagacidade desbrava as matas
e o desmatar
A astúcia ingênua a difere da fera
e a faz rosnar
Enquanto as unem a beleza astuta
que faz calar.
O caminhar por entre o medo camufla
mas sabe arranhar
E no medo embrulha seu próprio andar
um desfilar
Pintas que pintam o ser que encanta
...encantar
Também amedrontam quem não sabe
...não sabe pintar.
E o silêncio em rugido que faz tudo calar
sem poder controlar
Já sabe gritar...

Casciano Lopes


De sanidade uma beira

Posso fundar minha pedra na ira,
que mira incerta e mirra a oferta
Posso reclamar da tempestade
que à imensidade traz sonoridade
Posso estapear com covardia,
a valentia faz jus à teimosia
Posso apelar ao sagrado,
ao pregado calado elevado
Posso enlouquecer na direção
e se morrer na contramão
que seja de poesia
da vida inteira,
que me fez são.

Casciano Lopes

22.8.13

Agradecimento

Os amigos conhecidos
e tantos desconhecidos
moram nas jóias que conservo.

Guardados no mar que acredito
Escondidos nas conchas
da alma desse poeta que navega.

Casciano Lopes

Ser sonoro

Todo sino
tem seu tempo
todo tempo tem um sino
todo sino sua sina.

Casciano Lopes



Sobejo

De remanescente quero o poético ser
da poesia a razão para viver sem pressa
percorrer sem dor
cada linha
cada tinta
e cada homem.

Casciano Lopes

21.8.13

'Lataço'

Lata cheia não faz barulho
Se há estrondo na cidade
É porque ela está cheia
de vazios.


Casciano Lopes

Sem salvação

O grande pecado do fanatismo
É pensar que encontrou a verdade absoluta.

Casciano Lopes

Pé de quê?

É
um
de
letra,
colha
poesia.


Casciano Lopes

Das escolhas

Escolhi o simples, o trivial, a visão mais holística do mundo e das coisas, o olhar mais atento às pequenas cenas, o carinho ampliado aos seres vivos, que a vida toda estiveram ao meu lado e que tantas vezes passaram despercebidos: os que voam, os que não falam, os que são verdes, enfim, os visíveis e os invisíveis, os que calam à espera de voz.

Escolhi viver mais plenamente o amor que tenho ao lado, a razão de tanto riso e de tanta paz na vida, juntos em mais uma passagem, em mais uma missão, almas gêmeas, mestre e discípulo se alternando. Escolhi a sorte rara.
Escolhi a poesia, como a fonte que mata a sede, minha estrada que guia, que faz da rua sem saída uma larga avenida, onde meu poema é palanque e onde as palavras que nascem, todo dia sufocam a agonia.
Escolhi há tempos e hoje compreendo: as luzes, cores e cheiros. Todo dia descubro que sou rico do que me cerca, os cheiros com suas personalidades marcantes, as luzes com suas certezas vibrantes e as cores com suas vontades impactantes. Todas essas escolhas hoje me definem.
Agora descobri que não precisava de tudo, de tanto, de mais... era demais! Passei a vida criando necessidades e gerando expectativas, quando na verdade, tudo o que necessitava já o possuía desde o primeiro momento, e hoje, só lamento a demora do descobrimento, mas como é dito: tudo a seu tempo.
Escolhi seguir outros caminhos, onde o que é voluntário tem mais de humanidade do que o que é exigido, cobrado, imposto, requerido. Nunca fui a favor das imposições e das contrapartidas, mas percebi tardiamente que muitas vezes cedi aos seus caprichos, não mais! Não quero e não vou tolerar o que não acredito, suportar o que me custa um sorriso hipócrita, aceitar o que me descompõe como homem de bem, permitir a frase: 'você me deve isso'. Não devo nada! Assim quero passar os anos futuros, sem dívidas, sem demagogia, tendo ao lado apenas o que impulsiona a evolução, procurando somente o que vibra o bem, porque o mal... não preciso procurar.
Escolhi a quietude, ela é mais conselheira. Descobri que muitos círculos eram em função do que se proporcionava dentro deles e que tantas vezes, o que mais importava era excluído da circunferência. Hoje eu não posso mais calar uma dor e nem omitir uma insatisfação, porque o que aceitei tantas vezes num silêncio franzino me corroeu dias inteiros e o corpo sempre pagará a conta por [aquilo que se aceita... mas não devia].
Entendi finalmente, que enquanto divertia aos outros minhas expressões engraçadas, ainda mais passageira se tornava minha alegria interna, porque o melhor e o pior de mim, sempre era suprimido.
A franqueza me obriga responder a pergunta:
- Nada será como antes?
- Não, não será.
Vivemos em sociedade, em círculos, seios familiares e outros, porém as escolhas são individuais, cada qual traça seu caminho, sua jornada, pautadas no que acredita.
Eu fiz a minha escolha: a essência do que é de verdade, o que não é passageiro e levo apenas o que necessito, nada além! Nada que me provoque cortes, ao menos sem minha permissão.

Casciano Lopes