28.9.10

Poeira de tempo

A qualquer tempo
A qualquer preço
Há que se procurar...
Manter sóbrias as idéias
E frescas as intenções
Levantar o olhar
Como dois pés pela manhã
Distinguindo sempre
Passado e futuro
Ego e orgulho
Manter rédeas
Mesmo em redes
No sono ou pescaria
Reconhecer-se e confessar 
Que um dia após o outro
Somos poeira que o tempo leva.


Casciano Lopes

27.9.10

Noite mais bela

Vai lua...
Vai buscar...
Traz-me o além mar
Diz a quem busco
Que teu brilho molha
De luz
Uma noite só
Ilumine
O caminho do encontro
Mostre a cor da pele
Do que desconheço
Ainda
Revela aos meus
Olhos
Outro corpo
Que tu sondas
Embrulhe-me
Proteja-me
Enquanto espero
Aparta aquilo
Que ainda não é luz
Esconde em mim
Tua imagem
Para que não morra
A esperança prateada
Que o cavaleiro
Traga depressa
Banhado na claridade
O procurado
A chama para vela
Da tua lua
Dentro de minha noite só.


Casciano Lopes

Dureza de meu ser

Despeço-me do que não ilumina
Desprezo os nós de quem dobra as águas
De quem as esconde no breu
Amanso a fera e abomino o manso
Indurável é o nó do pingo
Como passageira a água derramada o é
Passando ao largo vai o desconhecido
Que não quero como amigo
Prefiro os não enlaçados
Os que da arte do laço não são artistas
Escolho os nós do destino
Que por mais cegos
Mais francos são.


Casciano Lopes

Consciente

Não quero cobaias nos laboratórios
Nem gaiolas, cercas ou experimentos
Louvável é a força posta à prova
A língua do reclamante
Ignorante é o que empresta-se à agulha
Que se fere calado nos pontaletes da experiência
Quero a frieza indignada
A mão teimosa em recolher-se
Os lábios roxos da ira do discurso
Quero povo sendo povo
Capaz antes de tudo de entender-se
Pois só cuida do amanhã
Quem conhece seu propósito.


Casciano Lopes

Inverno d'Alma

Frio
Fere
Fria
Face
Frieza
Fenece
Fica
Frio

Casciano Lopes

Endereço

A beleza está
No enlace de um atrevido olhar
Com uma pele ardente
O cheiro emana
Como perfume curioso.

Casciano Lopes

Sentindo a falta


O gesto carregado nas minhas mãos
É o mesmo que teus olhos destilam
O mesmo ar que respiras
É o que minha boca expira
Somos tabuadas tomadas
Diferentes números associados
Minha calma vira ira
Quando a tua se acomoda
O silêncio que se move
Derruba a noite tranquila
E o teu cheiro mesmo ausente
Bolindo papéis meus
Remove meus guardados
Em bolsos de pura nudez
Tua falta tão presente
Deixa triste e carente
Cada beleza e cada vazio
De cada coração que tenho.

Casciano Lopes

Mutação


Os deuses caminharam...
Na paz das terras do passeio
Perderam-se ao acaso
Preocupados com o ócio fugiram
Conheceram a dor em terras distantes
Como deuses sentiram a solidão dos povos
De comum acordo abandonaram a divindade
Tornaram-se amigos
Amigos são palpáveis, deuses não
No imaginário o são
Até hoje os amigos deuses
Caminham entre multidões
Protegendo
Idolatrando
Como o fazem os devotos.


Casciano Lopes

Ritmo

Os dias alegres em canções de sol
Decoram a alma e imprimem lua no olhar
O brilho que estampa os lábios são bemóis
E sustenidos se acidentam nas faces
As composições cavalgam a mente composta
De sons bailados em cada noite
Em toda história viaja pautado o silêncio amante
Corta os cabelos os ecos de metais
E a percussão cadencia os sonhos
Em ritmo de vida musicada
Música vida ritmada.


Casciano Lopes

20.9.10

Ao amor

"Para Carlos Almeida"... Motivo de meu riso e poesia.



Hoje me descubro reto, curvo
Paralelo ao sentimento poeta
De ter nas tuas letras a vida minha


Sou a poesia sentada bem ali
Aquela escondida lá
A que eu encontrei aqui


Amanhã as réguas se perdem
Os compassos viram círculos
Perpendiculares travessas


Eu poeta descobri...
O circo
A musicalidade
O palhaço
Suas tintas me coloriram
Em poemas me distinguiram
E eu penso a vida como simplesmente
Um verso sendo escrito
Uma lamparina flamejando
Um graveto aceso de vontade
Um carvão infantil de cores mil
Uma cidade iluminada de letras
E um homem especial à deriva
De minhas ansiedades
De minhas vontades
Das carícias da parceria
Eu na incessante busca da eternidade
Já que a felicidade reina plena digo que:
A prosa descansa na boca
A fábula no coração
O conto na alma doce
E o amor no colo adormece.
A poesia...
Figura que transfigura o homem
Aquieta os mares profundos
Soletrando esmero na delicada linha
Na rosa que não morre
Na existência que não finda
Quando se vive ao lado.


Casciano Lopes

O cinema, o filme e o homem

Na platéia tem destino
Tem passado um filme velho
Um longa do passado
Tem uma longa canção triste.


O sucesso foi da trilha
Também foi do figurino
Desenhado e costurado
Tem na seda o tom de chita.


Tem cores de terra nova
Vem o cheiro do molhado
E na chuva do que é telado
Passa em águas o filmado.


Das poltronas se esvaíram
Pessoas de toda forma
Ficou triste um sentado
Com seu filme inacabado.


Pensando na sua história
Criou o próprio enredo
Dirigiu, encenou o argumento
Aplaudiu o seu final e levantou-se...


Menos incomodado
Mais conformado
Igualmente cabisbaixo
Cantarolando uma certa canção triste.


Casciano Lopes

Sentindo saudade

Os grandes são feitos de saudade
É humana toda forma de sentir
É fascinante sentir saudade
Até do que ainda não conhecemos
Do que não conversamos
Do que não tocamos
Do que ainda não vivemos
Até dos lugares onde estaremos
É fantástica essa saudade
Busca o que sabe onde está
Ajuda a descobrir o perfume do outro
Até em que escala toca sua pele
Saudade...
Sentimento mais flor da pele que os demais.

Casciano Lopes

Inquietude

Incapaz de aquietar-se
Cala a calma e cavalga a paz
Aperta as mãos suadas
Escorre pelo chão onde pisa
Precipitado os anseios
Corrói os solados apressados depressa
Atravessa a rua curioso atrás do juízo perdido
Estapeia os pensamentos
Repele o medo e arrisca todo o ter
Tira e devolve a coragem
Enche de fosco o olhar brilhante
Embranquece os dentes em sorriso maroto
Como quem vive por não saber quieto ficar.

Casciano Lopes

15.9.10

De outras vidas


Símbolo da força minha
Minha música da vontade
Minha partida inesperada
Minha chegada aguardada
Patuá da minha convicção
Minha cantiga de roda
Minha roda da infância
Minha figura estimada
Altar da minha reza
Minha febre que não cura
Minha ideologia que não mente
Minha mente que acredita
Divindades humanizadas
Minhas Marias e Chicos
Meus eternos amores
Meu eterno viver.

Casciano Lopes

Mais bela

Na
Graça
Amarela
Da
Pele
A
Beleza
Da
Tulipa
Que
Passa.


Casciano Lopes

Escrivaninha

Hoje me perdi nos entulhos do tempo
Revirei uns antigos baús emperrados
Revisitei uns porões esquecidos
Entrei no sótão empoeirado do passado
Descobri uns bilhetes que não li
Redescobri umas cartas não postadas
Li e reli uns manuscritos ensaiados
Percebi rascunhos nunca ditos ou editados
Parei ante um espelho maquiado 
Limpei e me espelhei de repente
Pensei em fugir por não combinar
Com a moldura que era antiga e aposentada
Mostrando um tempo que quase desconhecia
Destoava de toda memória presente
E o contexto fazia ausente a semelhança
Deixando em cartas embaralhadas a saudade
Imediatamente encerrei nas trancas dos guardados
Todo o lamento das perdas
Coloquei no bolso apenas
Uma foto antiga
Um brinquedo de madeira
E um diploma de datilografia
Encaminhei-me a escrivaninha e comecei a arte
De transformar em poesia
O mundo que acredito
Sem porões
Sem sótãos
Sem baús
Um mundo feito de presente
Do passado só o que vira ferramenta
Só o que faz um homem virar poeta.

Casciano Lopes

13.9.10

Um livro

Na estufa mais uma muda
Na galinha mais um ovo
No ninho um filho
No berço um filhote
Na janela um beija-flor
No poente um sol
Nas páginas um conto
No número um palhaço
Na gola um botão
Na lapela um cravo
No bolo uma cereja
         Na calçada um vagabundo
No Chaplin um riso
No multidão um rosto
Na ponte um rio
Na sombra um sono
Na beira do caminho um homem
A espera de um grito de liberdade
De um bocado de lealdade
De um livro inacabado
Para que possa escrever
Um novo mundo
Ao menos na última linha.

Casciano Lopes

Sola das alas



Na ponta afunilada dos saltos compôs-se um samba
Batucado nos ladrilhos
Sacolejado nos vagões imaginários da memória
Rodopiando nos salões de um coração popular
A frente da comissão desce as cartas de um amor sambado
Enjaulado em um ritmo enluarado
Ritmado nos surdos e pandeiros
A passista desse amor vira rainha de uma samba entoado
Arquibancada marca o passo nos tablados amadeirados
Ouve-se o grito na avenida entoado
De que cresce um cordão apaixonado
De um caso acontecido nos bicos afinados
De dois seres enamorados
Judiando seus sapatos
Em dois pra lá, dois pra cá, repicado e miudinho
Balançando nas cadeiras de um povo entusiasmado
Desce o samba na avenida
Desce nas baianas e porta-bandeiras
Uma história que é contada
Nos pés equilibrados de um salto e de um asfalto
E a cuíca dá o tom para dois encantados...
Seres entrelaçados.


Casciano Lopes

Bailarina negra

Bailando
em
palco
iluminada
bailarina
de
senzala
vira
o
tempo
internacionalizando
um
direito
dançante
mostrando
raça
e
ao
mundo
graça
como
platéia
iluminada.

Casciano Lopes

12.9.10

Sino do tempo

Tempo que quero
Tempo que espero
Tempo... Tempo...
Que haja todo, que seja inteiro
Que dê tempo... Ao tempo
Mãos dadas, risos irmãos
Ao tempo, doação, emoção
Ao tempo
Uma tarde
Outras manhãs
Ao tempo, um tempo...
Para dividir o tempo
Curto e solidário...
Tempo.


Casciano Lopes


10.9.10

Náufrago





Só lembra do perdido o que caiu na travessia
Enquanto durar a lágrima rolada ao mar revolto
Dura a sensação fria da procura
Demora o descanso em calmaria.
O que se perde se acha só
E tão só como nuvem passageira
Conduz o veleiro para portos distantes do perdido
Assim que se acha, se só não pode ficar.


Casciano Lopes

Sentido do outro

Tão raio quanto fugaz
Jaz no peito a palpitar
Algo tão celebre, tão nú
Despido de temores, oco
Tosco as vezes, inundado
Clama calmo o sentido de razão
Comungado com a emoção põe a mesa
Tira o chão, racha o pão
Corrói as idéias e desvirgina a inocência
Tão lúcidos, mudos resplandecem os sentimentos
Tão efêmeros quanto loucos
Tão sadios quanto sábios
Tão cruéis quanto algozes
Tão mágicos quanto cigano
Tão outro...
Eu principal.


Casciano Lopes


Capacidade



Procurar razão para seguir
Exige pé no espinho
Tem que ter capacidade feroz
Precisa ter cama no acaso
O circo tem que estar engraçado
A pele circulada de bem
E o sangue circulante carregar amor.


Casciano Lopes

Emprega-se


Requisitos básicos ao meu lado...
Bocejar ao adormecer
Espreguiçar ao amanhecer
Um perfume que me desperte o lado jardineiro
Disposição para campeonato de beijos
Que goste de sorrir mesmo em dias nublados
E de praia mesmo nos dias frios
Tem que dar as costas para carinho
Dedos leves para as minhas
A frente para abraços, muitos abraços
Banho juntinho e café da manhã repartido
Que se emocione num olhar
E que diga nele a que veio
Por fim...
Que guarde a essência na alma
Pois no coração ela se perde
Simples assim.


Casciano Lopes

Bem no pulso

O bem querer lubrifica
E circunda toda forma de vida
É bem quisto o que sabe querer
A mornidão amorna a alma
Daquele que sente falta
Do que segure a palma
É distante fazer devagar a vida
Do que acredita com pressa
É perdido amansar o veloz
E inútil perfilar prioridades
Para o que precisa de tudo
De forma precisa e inquietante
Justo é só conhecer segundos
Conhecendo a extensão de seus milésimos
Cada fração cronometrada
Pode guardar todas as equações
Para resolvê-las é indispensável
Pulso no relógio
Do espírito ao biológico
Dos ponteiros aos pêndulos
Das catedrais às capelas
É bastante viver querendo
Só querer o fracionado, o equacionado
Vivo o resultado é simplificado
Pode ser cadeira para sentar satisfeito
Ou quatro para lembrar pares
Pode ser círculo sobre círculo para enxergar dois
Ou enlaçados viram oito
Infinito que se quer junto
Se transforma, um número
Na matemática dos relógios
No pulso de quem sabe contar diferenças
Igualdade no jogo das sensações
Provocações do bem querendo.


Casciano Lopes

Sano

Cavalos que voam
Trazem penas em sobrancelhas
Rabos de envergadura
Patas acomodadas em veludo
Ferraduras? Saltos 15 esmaltados
Não se curvam
Roliços e alimentados
Orelhas cravejadas
Diamantes no gargalo
No pescoço opulento
O ego que cresce
Povoando mentiras em mentes insanas

O processo

Nas viagens por valados... O encontro
Vive tolo o desolado e o alpinista cansado
Esbarra-se no derrotado e conforta
O desespero áspero dos cegados pela sombra.
Quando chove no valado
Vira peixe o lá lançado, vira barro o rio formado
Vira gente o acomodado nas braçadas lado a lado
Encontra-se com o deslize do que o topo alcançava.
A terra suga a bebida barrenta descida
Mas não suga o enlameado enquanto vive
Nasce verde no valado e tem raiz no caule
Como nos calcanhares trilhas rachadas desenhadas.
No abandonado, o verde brotado só
Enraizado junto, alastra-se nos arrimos naturais
Enrosca-se nos cambitos depauperados
Empresta-lhe leme à força.
Cresce nas paredes vermelhas
Trepadeira que floresce brotando para fora do vale
Como parindo uma mãe, o desvalido parido
Cambaleando vai mesmo que por deserto abrasador.
Naturalmente vivo
Do seio da terra vindo feito magma em borbulhas
Cheio de história feito peixe, talvez cacto agora
Antes de mais nada... Um vivente que a terra entendeu e devolveu.


Casciano Lopes

Conjecturando

As aparências agridem minha concepção
Concebido na hipocrisia, mas fora dela por opção
Me acendo em ira
Diante dos fingidos e seres demagogos
Carrego com orgulho a coroa
Que reluz mesmo sem sol
Aquela cozida sobre a cabeça
Ao longo dos ardidos ais
Ante o escaldo dos dias demagógicos.
Me aponta a coroa
Acusam-me de rei de coisa alguma
Entronado e sem trono
Sou...
Rei empossado por dom
Guardo posta a majestade sem descendência
Cetro e trono feitos de peito e amor à vida
É só disso que carece o reino.


Casciano Lopes

4.9.10

Arte em vôo



Quando as agruras entalham seus rastros na pele
Deixam escrito nas pupilas banhadas uma carta
Todo viajante à distância consegue interpretá-la
Em pleno vôo as andorinhas melodiam suas cifras
A arte está até mesmo na dolorosa carta de entalhes
Pois nem sempre são alegres as canções
No entanto, tem seu valor
Os poemas mesmo que tristes em seus lamentos
Tem seu público
Feliz da madeira que se submete ao capricho do artista
Que quanto mais geme e chora
Mais beleza cria nas mãos do algoz
Feliz do ponteiro que fere
Sendo ponte entre criador e criatura
O valor da obra está na delicadeza da dor
Não em sua profundidade
O silêncio da vítima é sem preço
Pois é quebrado apenas pelos viajantes
Se o entalhe grita...
Desaparece a melodia e a andorinha.


Casciano Lopes

Sobrevivendo

Sou um qualquer na multidão
Por vezes sem rosto
Sem coração
Impedido pela razão
Admoestado pela emoção
Ferida que não fecha
Animal preso da pastagem
Procuro o que não sei
Só encontro o que não tem resposta
Busco e me acho descoberto
Escondo o gigante nas mãos
No peito risco a faca bêbada
No colo acolho o que desprezo
Um cego na boiada
Encosto-me na cerca
Arranho-me nos espinhos
Para não ser pisoteado.

Casciano Lopes