30.12.15

Nunca contam

Na vida só o que conta é o que esqueceram de contar pra gente.

Casciano Lopes

Poesia do compasso aberto

Do suor que pinga ao que respinga entre pernas
Só os poetas sabem dizer
Tantas vezes colocam-se palavras
De outras tantas tiram-se frases inteiras
Não há versos nas ideias fechadas.

Casciano Lopes



Na calada da noite

Por vezes o travesseiro me conta mais sobre o mundo em um segundo
do que os dias foram capazes de me dizer o dia todo.

Casciano Lopes

Ao precipício... sei voar

Gosto dos venenos mais lentos
Dos cafés mais amargos
Das bebidas mais fortes
Dos delírios mais soltos e dos gestos mais loucos.

Casciano Lopes

Ao novo

Dedico a letra
O cheiro da tinta fresca
O manuseio da pena
A virgindade da folha
A brochura das lembranças
O sutil pensar de memórias
O sentar do eu nos papéis
Uma folha da minha mata
Um alfabeto de meus ladrilhos
Um corpo de minhas figuras
A caixa aberta de meu peito
A herança que veio cedo...
Que prepara o caminho e o pergaminho
Que alfabetiza meus dedos
Travessia das mãos por vezes cegas
Os ponteiros que regem os títulos
A todos quanto herdei...
Um quente, um frio
Uma sensação
Um pouco de muito
Um muito de pouco
Uma vida vestida de nudez
Na alma e no sorriso.

Casciano Lopes

Fim... ocaso

Tão lâmina quanto barba
Tão feroz quanto fera
Tão mordida quanto cão
Tão morno quanto vivo
Tão frio quanto morto
Tão quente quanto parto
Tão grande quanto mato
Tão forte quanto Brutus
Tão bruto quanto garimpo
Tão joia quanto fortuna
Tão pedra quanto asfalto
Tão rua quanto passagem
Tão ônibus quanto passageiro
Tão dívida quanto cartório
Tão belo quanto espelho
Tão iluminado quanto noite
Tão dia quanto vida
Tão calmo quanto ponteiro
Tão limpo quanto prato
Tão ódio quanto febre
Tão sarna quanto lixo
Tão sempre quanto eterno
Tão doce quanto melado
Tão sujo quanto manchado
Tão pele quanto orfanato
Tão hebreu quanto hebreia
Tão santo quanto manto
Tão pranto quanto canto
Tão amor quanto o branco
Tão mar quanto homem
Tão vida de acasos
De ocaso finito
De vida e morte
Saturados infinitos
...Mares e marés
Infelizes homens tão felizes.
Acaso... acaso

Casciano Lopes

A corrida e o barro

Todos precisamos quebrar a moringa
pra aprender correr atrás da água escorrida.

Casciano Lopes

OftalmoLógica

Para o olhar cabisbaixo a estrada é vesga.

Casciano Lopes

Caminho de terra

Tudo que é ferro pode enferrujar
O ouro cria sujidade e esquece o brilho
A prata escurece e perde seu prata
De tudo saber...
que a chuva cai independente e o dia acontece assim
que se tudo fosse simples nasceriam só de 'Marias'
que se as noites fossem dias sem teto não via estrela
que a estrada do outro é tão doída quanto a rua que corta meu peito
que o coração é de terra batida, esmagada ou sambada.
...Eu escolho.

Casciano Lopes

Ébano e marfim em voo

Não se sabe se a ventania levou ou a chuva lavou
Vê-se apenas um piano órfão
E a correr um compositor endoidecido
Solfejando, a procura, no espaço aberto, a nota perdida.

Casciano Lopes



E as mãos só obedecem

Bocas que trancam palpites trançam fúria
enquanto pernas que traçam verbos sabem conjugá-los
...E as mãos só obedecem.

Casciano Lopes

Tremeluzir

O sopro no candelabro
mantém acesa a mesa posta
e o frio que beira o portão
e que espreita meu muro
foge da sala iluminada.

Casciano Lopes

A poesia de cada um

Na mancha de carvão
borrada na derme
esfregando com a alma se lê.

Casciano Lopes

Não há pobreza sem poesia

Chão pobre de pobre teto
Quem mora carrega na vista a pobreza
De uma poesia rica
De versos constantes
De inconstantes tempos
E se lágrima cai é caldo pra molhos poéticos
Adocica e salga a fartura das linhas.

Casciano Lopes

28.12.15

Ser em balanço

De tudo que pensei que tinha
restou apenas a intolerância comigo mesmo.

Casciano Lopes

Do não... aspirar, respirar

Eu quis muito ter um filho,
por muitos anos pensei que pudesse deixar em suas palmas alguma linha escrita.
Com o passar dos anos minhas linhas desapareceram juntamente com as palavras,
a trans/piração sem texto causou dor e as mãos perderam-se no caminho,
aí entendi a ausência...
Filhos precisam de mãos.

Casciano Lopes

21.12.15

Veio de calçada

Quando o vento dobra a avenida
e seu frio lambe a calçada
não me resfrio,
coloco a garganta no varal
e espeto o coração no meio-fio.

...Sai o sol,

tudo é estendido e aquecido,
até o asfalto me molha com seu suor
e fica entendido que a lua não parte

e se me parte...

Tem a clave dependurada na fiação,
aquecendo as vocais empoleiradas
e se acaso chover,
brotam vogais das corredeiras nuas,
o peito vira jangada
onde palavra não é coisa emprestada.

Casciano Lopes

Capacidade do verso

Encontrei numa vitrine,
trouxe pra casa,
ajustei os botões,
alvejei o tecido,
costurei os bolsos
enquanto ditava versos.

...Era manequim
e eu... poesia.

Casciano Lopes