13.9.13

Apelo

Está em nossas mãos
Não fazer nada por poder fazer pouco
É um crime.

Casciano lopes


Hórrido

Horrendo
viver regrado, cansado e suado em busca de paga.
Horrendo
ver que a morte não é uma paga, que se quer negocia com a canseira.
Horrendo.

Casciano Lopes

10.9.13

Palavra... esta fortuna

Não sei usar palavras difíceis
Não gosto de não me fazer entender
Meu compromisso é simples, como nasci
É com o simples, como cresci.
A palavra não é um cartão de crédito de limite alto
Ela tem que atingir também os desprovidos de crédito.

Casciano Lopes.

No mesmo mar... o calmo e o revolto

Em sonhos de acordado
empilho rochas pela orla
sei que chora o mar
...em suas ressacas.

Casciano Lopes

Caligrafia sem tostão

Mesmo que corresse entre polegar e indicador, o preço
não pagaria, prefiro que corram tintas entre os tais.

Casciano Lopes

Toda hora é partida

Parte-se de lá
parte-se de cá


parte
deixa partido


partido
deixe que parta


instante reparte
parte quem parte


partindo quem deixa partir
quem não pode partir


quem vê a partida que parte
inerte se parte
na imóvel partida de quem parte.

Casciano Lopes

9.9.13

Apologia à liberdade

Eu desconfio que a liberdade chega ser criminosa
dentro de um mundo pensado em bordas.


Casciano Lopes

Maria Bonita

27 anos viveu
Maria Gomes Oliveira nasceu
Maria Bonita morreu

Santa Brígida era a fazenda
Malhada da Caiçara uma fenda
Em Paulo Afonso, Bahia, a vivenda

Em suposto 1911 chegou
Com 15 anos se casou
De certo, em 38 findou

Zé Neném marido primeiro
Estéril, função sapateiro
Perdeu, não foi derradeiro

Em 29, a mãe por cupido
Novo namoro foi cedido
Nem precisou de pedido

O rei do cangaço então
Virgulino Ferreira, o Lampião
Apaixonou-se no sertão

O atributo cangaço vem de canga
No pescoço do boi, não é miçanga
Pertences junto ao corpo fizeram capanga

Um ano foi que passou
Em 30 ao bando ela se juntou
A primeira cangaceira oito anos durou

Três abortos, um nascimento
Expedita Ferreira Nunes, de documento
Criada por vaqueiros, um contento

Em Sergipe, Poço Redondo, enfim
O casal viu sentenciado seu fim
A volante matou, aos quatro cantos, clarim

Questões sociais e fundiárias do Nordeste...
Bravura e honra para população 'da peste'
Para autoridades, criminosos brutais [sem que preste].

Casciano Lopes


















Artista plástico: Eduardo Lima

Amigo oculto


7.9.13

Sou dado a crenças

Creio:
na conspiração do universo
na força da palavra
no poder de um coração puro
nas muitas vidas que temos [é só o que explica]
no templo de cada um [o próprio corpo] e é só esse que vale
na força de vontade de uma mente sadia
na solidariedade [a gratuita]
na verdade de que todos os seres vivos se completam
na força da Natureza e seu domínio sobre o homem [jamais o contrário]
nas outras dimensões e que igualmente convivem com nossa fisicalidade
na amplitude de entender que não há diferenças [só desconhecimento]
na dor do outro como minha [não há alheio se o corpo é único]
na completa inutilidade da mais valia e seu capital
no simples, sem perda de tempo em efêmeros acúmulos financeiros
na quebra de tabus hipócritas como única forma de marcar a liberdade
na queima de preconceitos em praça pública para extirpar a ignorância
na arte como forma de expressão generosa da alma
na informação como alavanca de entendimento e respeito ao pensamento
na integridade emocional que rejeita a violência amoral dos moralistas
na filosofia como forma de questionamento capaz de gerar mudanças
na capacidade humana de lutar contra toda sorte de imposição
nos que abominam a fé vendida, o pedacinho de céu comercializado
na grandeza de recomeçar que faz do aprendizado algo para compartilhar
no direito pleno entre todos os iguais [qualquer ser que respire].
Todo o resto, é resto...
e como tal não merece meu crédito.

Casciano Lopes

5.9.13

E no intervalo?


Normal incomoda anormal


Passei a vida reservando...

reservei,
dinheiro para fazer a viagem
malas para acomodar a bagagem
roupas para não fazer feio,
fome, para usá-la no passeio

reservei,
dia especial de macarronada
queijo escondido da goiabada
bebida da boa para os outros
sanidade para aturá-los... loucos

reservei,
humor, risos e abraços
embarguei
medo, choro e fracassos

reservo hoje,
o tempo que é meu
o espaço que é meu
o sentimento que é meu
o silêncio meu [que não é teu]

me basta o aprendizado que foi meu
que hoje me ajuda a calcular
a metragem do meu quadrado e a metrar
o que cabe nele e o que guardar
fora o amor nada mais hei de reservar.

Casciano Lopes

Inoculação

não fosse a poesia
talvez não teria vingado
a planta, o enxerto doado
nem se faria muda a dor que doía.

Casciano Lopes

1.9.13

Dois caminhos

Há os que preferem simplificar tudo [segundo penso, complicar], passam a impressão de que a vida é manipulada em doses como numa receita. Até penso, que alguns a escrevam em seus caderninhos de cozinha, para não esquecerem o passo a passo.
Estes sabem tudo, via de regra são os donos da verdade.
Prefiro não seguir métodos e, muitas vezes, peso a mão no fermento, mas ainda assim, lido melhor com a massa desproporcionalmente crescida que com a diminuída.
Não compreendo 'o mais fácil', o provável, o certo, o direito, o tal caminho iluminado artificialmente, previamente...
A vida não é um bolo de laranja, daqueles que você bate tudo no liquidificador, inclusive com a casca e fica maravilhoso no final. Talvez por isso, tantos indivíduos sejam cheios de si, pensam que dominam a forma, a fórmula, a essência, a receita de seu bolo.
Compreendo 'o difícil', o improvável, o errado ou incerto, o cheio de aclives e declives... o tal caminho, que não raras vezes vira beco, ruela, íngreme chão, acidentado e povoado de feras e desconhecidos atalhos.
Quando observo os proprietários da massa diminuída, tenho vontade de repetir o que disse o querido Mario Cortella em 2007:
"Tu és um individuo entre outros 6 bilhões e 400 milhões [hoje, em 2013,  7.175.440.000] de indivíduos compondo uma unica espécie dentre outras 3 milhões de espécies já classificadas que vive em um planetinha que gira em torno de uma estrelinha que é uma entre outras 100 bilhões de estrelas compondo uma única galáxia entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis que de tanto se expandir um dia irá desaparecer...
Quem és tu?"

Casciano Lopes

Ludovico

Era uma gaveta velha de fundo escuro
De dentes gastos que rangiam à ordem de abrir
Chamando atenção para si
Exalava seu perfume de papéis amarelados

Um pequeno quadrado, envernizado e gasto
Puxador desparafusado e penso
De assoalho bambo e laterais frouxas
Que ainda guardava o gosto da última demão

Único compartimento de uma ilustre pesada
De três pés e um quarto emprestado
Sobrevivente do êxodo mobiliário
Das coisas do tempo retirante, esquecida

E no miolo da esganiçada centenária
Um relógio de bolso esquecido de continuar
Parava a hora de partir sobre uma carta
E uma foto do neto que a abria.... gaveta

O que a carta dizia...
O neto não disse.

Casciano Lopes

Só pode dizer... o barulho do mar