17.2.15

Depois da poesia não será o mesmo homem

Como rio e peixe
...poesia e homem
navegam o mesmo curso
no intuito de não ser fisgado
embora seja destino.

Casciano Lopes

14.2.15

Tablado

Fingindo ser teatro pôs-se palco no meio da caminho
Fingindo ser tinta pôs-se circo e pintou palhaço na velha praça
Quando na verdade era só uma gaiola de tristura
...Fingindo metal, tinindo madeira.

Casciano Lopes

13.2.15

Lágrima lavadeira

Ela transforma lábios em altar de súplica
Adormece o olhar
Sem piedade enxuga a secura dos vincos esfacelados
Por face enlameada corre sem dó
Toda a reza vai lavando
As escadarias ficam deitadas e ela escorre...
É feito chuva de dormir.

Casciano Lopes

Se não for lar... é silêncio

As telhas trincam um gemido debaixo do sol
...Tudo é sonoro quando casa
Se não for abrigo... calam as estações
Até a andorinha apressada recolhe seu ninho
E o vento passa longe para não fazer ruído.

Casciano Lopes

Quarto enfeitado

Na maçaneta da porta um bilhete
Na penteadeira um ramalhete
E na cabeceira de amores
Um cravo à espreita, enfeite
Um fugitivo talvez
Ou quem sabe tenha aprendido o caminho
Entre o espelho faminto e a cama satisfeita.

Casciano Lopes

10.2.15

Hidrografia humana

O homem e seu fluxo correspondem ao sentido do rio e suas pedras,
tudo interligado numa teia de destinos e margeado de desconfianças.

Casciano Lopes

Preponderando

Um soldado entrincheirado... ainda é guerra
Um barraco voador... ainda é tempestade

Um menino adormecido... ainda é colo
Uma centelha... ainda é brasa

Então... uma ideia ainda é possível.

Casciano Lopes

Demores em mim

Entre e procure cá dentro o que ainda restar
Mas se nada encontrar fique e me complete.

Casciano Lopes

Buquê sem dolo

Dolorosa não devia ser uma palavra que incluísse a rosa
...Apesar de seus espinhos.

Casciano Lopes

Inocente saber

Muitas viagens perdem destino
Porque na partida deixamos o menino.
A viagem é um diálogo
Uma conversa entre dois tempos
E o primeiro é quem sabe o caminho.

Casciano Lopes

Chão de cores

Na parede do meu céu... tinta
E no hemisfério de minha pouca convicção... mais tinta
Nas rachaduras da inteligência... tinta
Na plenitude do que ainda não sei... mais tinta
Agora com tanta tinta é só começar a pintar!

Casciano Lopes

5.2.15

Cálice aberto

A falta que me mede e a medida do que me falta
Me cala a busca e o horizonte
Me cala a guerra e seu fronte
Me cala o peso sem balança
Me cala os segundos sem andança
...Calado por um grito que faz falta.

Casciano Lopes

4.2.15

Azulina

E se a arte nos faltar...
Que os azuis nos invadam
Eles podem voejar nossas cores e naufragar nossos medos.

Casciano Lopes

Paterno dia em noite materna

De modo que nasço todos os dias como fazem os nascentes
... O sol inclusive
E quando este vira poente
De novo entro em processo de gestação
Os ossos se aprumam para acomodar a nova carne e a pele se recompõe
Na madrugada têm início as contrações...
O coração altera seus batimentos em cada "dar.se à luz"
E quando os olhos se abrem, de novo o encanto neonatal
Percebo que se pôs entre os dormentes um poente homem
Enquanto um novo vivente adia o ser morrente.

Casciano Lopes

3.2.15

Águas de Ondinas

Se puder me juntar ao fogo
Vulcano, se ao mar
...Oceano.

Casciano Lopes



Acostume-se

Rezadeira boa é a que tem fé na reza, não no terço
A água que corre nos pés é sempre mais fresca que a do rio
E a que rola garganta matando a sede
Mais eficaz do que a que lava a procissão.

Casciano Lopes

Aos que me atravessam

Se de cores for meu colar
E por elas trilhar meus passos
...Nas cores

Encontrarei todos os perfumes
Todos de que preciso, necessito
...Emanar

Do lima ao carmim
Da Pérsia ao cedro oriente
Todos passando por mim

Com notas suaves...
Claves em cheiros
Dos que adornam olfatos.

Casciano Lopes

Homem altar e seu contínuo passar

Um homem feito é feito templo
Tem dourado nas paredes
O teto todo azulado
E o chão de marfim forrado
Feito de telha branca
Pra refletir toda luz
Olhos faróis de milha
Portais que levam à trilha
Homem é coisa séria
Sagrado feito devoção
Semelhança da imagem
Tempo mosaico de passagem.

Casciano Lopes

Das voltas que a palavra dá

Numa roda de poesia
A pedra canta afinada
A rua versa apaixonada
E a calçada não fica deitada
Numa roda de poesia
O brejo vira riacho
Cachorro usa penacho
E letras nascem em cacho
Numa roda de poesia
É onde o Divino se senta
Vento vira vestimenta
E toda a conversa é benta.

Casciano Lopes

Partida das águas

No gesto fel da face cruel
A abelha já não faz mel
A árvore não cresce
João não faz barro
Sem balanços no galho
A criança não tem copa
E então já não tem bola
E por não ter nada
Nada se avista, nem vista
E no fim a grama seca
Deixa de compor cordel.

Casciano Lopes

Das andanças no passeio

Quando caminhar procure tocar o menos possível o chão que te passeia
Afinal dele dependem outros caminhantes e os que já nele descansam
Dependem histórias...

As que plantaram no chão e as que em você se plantou.

Casciano Lopes