12.7.24

A bruma que vem, vai

Assim como a névoa se dissipa pra que aconteça outra cena em outro dia, outros momentos acenam atrás das cortinas, esperando o palco da nossa admiração estar disponível pra estreia...
No teatro do peito da vida não falta espetáculo e, se faltar público, seremos atores e plateia da história, porque na encenação da neblina, não importarão os aplausos e nem se o cartaz está visível ou escondido pela cerração, valerá o dito, o escrito interpretado, a plena convicção do não visto, mas o sabido ato que aguarda o cenário se abrir pra estrear sob nossa direção.

Casciano Lopes

11.7.24

Falar ainda não depende

Eu não quis depender, mas dependo.
Do abraço ao sorriso, do cheiro ao toque, da mão ao auxílio, do braço ao colo, da paciência ao ouvido... eu dependo.
Dependo até de mim! Talvez a maior das dependências... a do meu amor por algo maior que eu e que vive dentro de mim, capaz de me enxergar quando o espelho me nega presença, algo que me recorda que não sou daqui, que me remete como carta nas mãos do vento; quando me descubro objeto quase inanimado, mas que voa...
Enfim, dependo de voo, de esperança no desconhecido, de coragem diante do medo bruto, aliás, luto pra que a brutalidade não me embruteça demais diante da guerra que travo todos os dias contra a dependência de quem fui, na ânsia da independência de quem serei amanhã.

Casciano Lopes

Um buquê de prece

Ainda que o deserto me cerque, que o caminho fuja do certo e que a resposta não me queira por perto...
Estarei a salvo se dentro de mim houver jardins, se bem onde mora a pergunta, o silêncio souber calar pra que o perfume aberto saiba andar pelos canteiros e, se incerto for o passo, que seja desperto o olhar pra enxergar mais que miragens.

Casciano Lopes

10.7.24

Árvore em solo

Ontem minhas copas estavam frondosas,
ramos cheios de opções possibilitavam saídas.
O caule robusto parecia que sustentava a terra,
embora o mundo dissesse o contrário.

Os verões foram fartos,
sombras convidaram cadeiras e ocupantes.
As primaveras nunca souberam de dieta,
flores e juras engordaram as cores das faces.

Hoje, outono seguido de inverno,
galhos retorcidos de frio não são agasalhos.
O tronco arranhado de promessas tatuadas,
se finca no entorno porque aprendeu a sede.

Amanhã, na saciedade de meus frutos,
sei que matarei a fome pra manter a raiz.
A raiz... a que sustenta a ventania e que, se funda,
garante a vista e promete estações.

Casciano Lopes

9.7.24

Na horizontal

Ninguém se deita sem o direito ao prazer,
taí a terra estirada trazendo essa certeza,
quando em amor com as árvores,
se dão em flores.

Casciano Lopes

Termômetro e travesseiro

A madrugada fria e chuvosa, embora saiba dos riscos de pôr a dormir toda a gente, ainda acredita no sonho da maioria, e por isso, deixa acesa a rua, porque sabe que terá que ceder seu lugar pros sonhadores nela passearem o dia, com ou sem casacos, não importa, mas com as mãos dispostas porque idealizaram, e por isso, dormiram.

Casciano Lopes

Não são só danos, os anos

Quando toco por necessidade
nas marcas que o tempo me causou,
deixo de lado a agressividade
em nome de tudo que me provocou flores...
O perfume precisa da passividade do meu olfato
pra ter sua atividade, e eu por cumplicidade,
preciso do tempo pra me entender primavera,
embora eu tenha vivido e ainda viva
a vulnerabilidade dos invernos.

Casciano Lopes

Porque aprendi ver mais longe

Aprendi me enxergar pra poder fazer valer cada centímetro de minha pele sentida em curta distância, ardida não mais que em média e urdida no feitio de meus olhos, pra manter bem longe e distante da presença, a cegueira de quem não quis me ver.
Um dia a Santa me ensinou, e olhando de perto aprendi todo o sagrado, desde então, rezo pras longas durações do afeto e pras médias vontades ficarem enormes, antes que eu me encurte na curta distância de mim.

Casciano Lopes



7.7.24

A vida que se retira causa mais danos que quem dela se desobriga

A gente não enfrenta o imponderável
porque é forte e resiliente,
mas porque
precisa calar a fraqueza da desistência
antes que ela nos emudeça.

Casciano Lopes

Trincheiras

As batalhas mais duras são travadas dentro de mim, entre quem sou e quem gostaria de ser, são guerras dividindo, por linhas imaginárias, meus países colonizados e sedentos por independência, das minhas aldeias libertas desde que aqui cheguei.
Luto diariamente pra desviar os canhões, tanto os pra mim apontados, quanto os que investem meus indicadores de mira, travo peleja pra que as pedras de meu sono não me encubram, uso-as para confeitar os bolsos... buscando mais a experiência que não pesa, que as medalhas que arrastam os pés nos campos.
Os combates dormem depois e acordam antes de mim, em sentinela guardam minhas armas pra que eu não desista de mim e pra que eu saiba cada dia mais como me vencer, assim posso continuar lutando pra ser livre.

Casciano Lopes

Vocalização

Existe mais força dentro do sim que nos dizemos, que no 'não' que nos assombra quando tenta convencer a fraqueza de que ela não precisa de palavra...
Assim como o pensamento, a palavra cria, e então, o caminho elabora passagem, por onde só anda quem acredita em portas.
Há o que torna mais cega a estrada e bêbada a viagem.... o vocábulo empobrecido por desventura. Mas há a possibilidade, a aventura possível e a sobriedade visionária e bem risonha na face de quem comete no vocal, um 'sim'.

Casciano Lopes

De batuta

O instante que rege a orquestra do grande teatro pede bem mais que a acústica, músicos e sua regência; exige a afinação do tempo, a divisão perfeita entre as pausas e a marcação dos ponteiros da respiração, na inspiração capaz de compor a música que deverá ficar em partitura pra que outros leiam e executem a vida.

Casciano Lopes

4.7.24

Domei?

De maneira que feito cavalo bravo ela corria, parecia ter pressa, mas era ousadia.
Nos becos, como se estivesse ensaboada se espremia, passava, atravessava o vale pantanoso e com a mesma energia levava suas crinas pros altos montes pra sofrer ventania.
Embora fosse passiva a canseira, quando o sol em parceria com o orvalho das sete da manhã, permitia uma grama tenra pro desjejum e a tardezinha oferecia, enquanto caía, cama mole no pé da serra, parece que sabia mais do caminho que o próprio caminho, e não temia... Dormia só o suficiente pra que fosse ativa a coragem no cair da noite, pra que o dia não invadisse a lua e pra que a calmaria das estrelas não mentisse pras patas, a distância.
E quando nasci, olhei, era só a vida que passava... Montei.
A gente tenta domar...
Não sei.

Casciano Lopes

3.7.24

Residência móvel

Embora saibamos que embaixo de nossa pele mora a finitude dos ossos, lutamos pela carne; pra que ela se mantenha minimamente conservada para abrigar nosso morador, como um imóvel que locamos e zelamos pra morar.
No tempo da moradia, colorimos nossas paredes, retocamos as rachaduras pra que não fuja o melhor de nós e zelamos da vontade de permanecer; pra que ela entenda que em todo o tempo estaremos de mudança, passando, viajando, e que, o importante não é fixarmos o endereço no corpo, é enquanto estivermos nele, saber partir um pouco por dia sem perder a reverência pelo abrigo.
Nós nos deixamos pelo caminho... atitudes, palavras, olhares, abraços... pedaços que servirão pra que outros se componham e no dia de finalizar a estadia, levaremos apenas a essência de quem fomos, o amor que semeamos e o que em nós plantaram suas evidências, levaremos o zelo do aprendizado e o apelo cumprido no dividir daquilo que jamais possuímos... o nosso mundo, particular e infinito.

Casciano Lopes

2.7.24

Esquece... passa!

Daqui a seis meses nem me importarei com a gastura de hoje... Nela gastarei os dias e lá adiante outras questões ocuparão seu lugar.
Tudo passa feito rio com tudo dentro, inclusive eu.
Eu sempre torço pelo riso, pela fartura do cheiro bom e pela secura da água salgada nos olhos, porque no mar a quero tanta que até rio de transbordamento.

Casciano Lopes

Viver tem que ter remédio

Preciso me curar de mim pra sair da fila de espera, preciso me curar de mim.
Ainda tenho que domar o ego, que dosar o remédio da experiência pra que não crie metástase a presunção.
Ainda medico meu espelho pra que ele entenda sobre a plástica falível da pele, ainda aplico entre a carne e quem mora dentro, a injeção da dúvida, pra que a certeza não me adoeça demais.
Luto na fila dos sobreviventes do campo de batalha pra que as amputações do olhar sejam evitadas, pra que as mãos não percam o tato que tanto o outro precisa e pra que haja na receita da consulta mais que analgésicos, a cura.

Casciano Lopes

1.7.24

O riso não tem nada a ver com isso

Vou te contar que a dor pediu segredo ao gemido muitas vezes, que a lágrima aprendeu o silêncio com o suspiro que forjou a palavra que não disse, que o grito andou de conluio com o sussurro e acordaram um tom ameno que não denunciasse na fala o que corria na pele... onde ardeu a febre só sentida no toque de quem com afeto me afetou, tocou.

Casciano Lopes

Laudo em verso

Eu comecei a escrever ainda bem pequeno, antes de ser alfabetizado.
Achava a cantoria na roupa suja que minha mãe surrava no batedor da lavadeira, admirava o caminho da fumaça dos cachimbos do meu avô e dos compadres e comadres lá de casa, acreditava nos dedos de prosas acontecidas no alpendre e vestia as personagens que passeavam pelo ouvido infante de um figurino que ainda guardo em meu camarim, comemorava o dia do benzimento e construía frases inteiras pro cochichado da benzedeira que empunhava seu ramo de arruda, como quem manuseasse com eficiência um bisturi, vigiava os passarinhos pra saber se eles acreditariam em novos amigos ao se verem refletidos nas águas do córrego que corria e dividia a nossa fazenda da do vizinho; córrego, aliás, que sabia lavar pedra com música pra gente dormir...
É, acho que eu já escrevia, a poesia me acometeu ainda pequeno e nunca mais sarei.

Casciano Lopes

30.6.24

Post scriptum

Fuga daquilo que dói não é cura, é atadura que esconde a ferida sem tratamento, é o controle dado ao medo, é manter em sigilo um diagnóstico, ignorando o remédio da coragem.

Casciano Lopes

Diálogo com as agressões

Entre ferir e ser ferido,
existe o fio da espada que corta
e a mão que a empunha...
que corta não só a carne,
mas a possibilidade das ligações
entre o finito e o eterno.

Casciano Lopes

29.6.24

Tá lá um corpo... Construção

A gente se constrói aos poucos, no alicerce da infância é erguida a capacidade da lágrima, pra que nas paredes da maturidade, se consiga diferenciar o valor do riso que espera na porta aberta e o preço do choro quando ela se fecha.

Casciano Lopes

28.6.24

Aniversariante e o tempo

O tempo se uniu pra ouvir e contar tua história e também se encantou com tuas verdades, ventou leve teus casos contidos e abrandou o mar dos teus segredos, fazendo calar todo grito pra se ouvir apenas o aplauso por teu dia.
Conta o Mestre do tempo: - que os dias se multiplicarão, que serão fartos os risos e que em cada passo teu, será soprado um bom caminho.

Casciano Lopes

Selados

O que nos mantém dispostos ao riso não é o produto do sinistro, é o prêmio do seguro, da apólice que assinamos em outros tempos, longe daqui, onde o compromisso estava além das perdas, firmado no propósito parceiro de um ganho maior... O cumprimento do agradecimento, com todos os seus méritos instalados no amor.

Casciano Lopes

O pacto de luz todo dia em parto

Eu não saberia dizer o que seria sem sua presença e o que mais diria depois de ter você?
Os dias caminharam por nós e foram tantos os que amedrontaram nossas manhãs! Mas também foram muitos os que pousaram suas tardes na nossa rede e nos ensinaram a descansar.
As noites que cerraram as cortinas da nossa casa nada puderam com as janelas abertas da nossa alma, que nos ensinaram a ter olhos de acreditar na claridade.
A clara luz que nos guia sempre... exposta na nossa mesa quando precisamos repartir a vontade, quando precisamos servir em prato fundo a esperança e a força pra seguirmos juntos.
Nunca foi fácil, mas o empenho pelo sorriso do outro fez possível o inacreditável.
E é assim que sigo a lida, fazendo viver em mim o compromisso com a vida, porque você vive ao lado e me ajuda a entender o impossível.

Casciano Lopes

Alegria disposta

De todas as alegrias, guardo principalmente as que me custaram a disposição das mãos quando se estenderam pra alcançá-las, as que couberam dentro do meu abraço, quando os braços quiseram ceder o afago, de todas... guardo a memória dos lábios que riram sem cobrar motivo, apenas porque eram lábios e ficavam mais bonitos sorrindo.

Casciano Lopes

24.6.24

Recalculando a rota

A meta, quando pequeno, era não cair, não chegar com a comida fria na roça pro almoço do pai, proteger o irmão pequeno dos perigos da fazenda e não derrubar o leite que ia buscar na mangueira de manhã...
Fui crescendo e a meta era fugir das notas baixas na escola, escapar dos meninos maldosos e caprichar no asseio dos poucos pertences...
Continuei ganhando anos e a meta passou a ser o primeiro emprego, ajudar na feira, olhar os irmãos e deixar minha mãe orgulhosa...
Já jovem, queria estudar, quis viajar, as metas se ocuparam do futuro e precisaram, em nome da inteligência, brigar com padrões instituídos.
Cresci e o amor desperto me fez capaz de ser quem eu era e não o que me diziam que eu devia ser. Quis ser honesto com minhas vocações e fiel aos meus ideais, a meta era me sustentar e adquirir, como todos, o mundo...
As metas foram, aos poucos, se tornando rotas alteradas.
Quis envelhecer com dignidade. A certa altura da tal 'maturidade', a meta era apenas ser de verdade. Rompi com as normas e construí a minha cartilha. Quis manter a aventura como uma ferramenta de vida e elaborar, cada dia mais, formas de entender o avanço do tempo como meu maior patrimônio. Quis juntar nele, o tempo, uma boa história.
Tudo passa... Pessoas, dores, medos, frustrações, decepções; alegrias também passam. Passam as metas e, com elas, eu no tempo; o tempo que permite minha viagem e que parece estar debruçado na janela me vendo querer e querendo dele, o Tempo, apenas a nota de aprovação na escola das idades, nas disciplinas que exigem coerência entre quem sou e quem penso ser, de onde vim e pra onde vou, sujando o mínimo possível o chão que me levará às respostas ao final de tudo.
Quando tudo finda... Finda?
Hoje, na minha história, é interessante observar que as metas são muito parecidas com as do menino: cuidar pra não cair, continuar enxergando e andar, e assim, sendo produtivo, esticar um tantinho mais a caminhada com os pés colocados no que acredito e dispostos sempre a defender meu destino com os olhos de quem comprou a passagem ainda menino.

Casciano Lopes

Sem medida

Eu não quero ser a régua do mundo. As unidades de medidas pregam limites, e eu, vivo além dos centímetros.
Sinto muito! As quilometragens das rodovias não são capazes de me parar com placas de recomendações. O destino sim, sabe mais sobre quem sente muito e espera de mim apenas que eu entenda da vida sem métrica, e que quando eu me olhar não veja o fim.

Casciano Lopes

21.6.24

Jardim plantado e regado

Daquilo que dói
a gente esquece a rega
e do que sara,
a gente cria e fotografa
pra lembrar de molhar
quando a dor rondar.

Casciano Lopes

20.6.24

Farol de atenção

Não se demore no lamento, ele por hábito turvará seus olhos, impedindo o trânsito das belezas em sua vista, causando o atropelamento das verdades e convencendo por mentira que a vida é sofrimento.
E não é só um momento que passa, a vida é uma eternidade que fica, e que, enquanto dura, precisa trafegar livre de acostamento... um lugar de esconderijo, onde se mente o motivo dos lábios sorrirem em nome da causa dos olhos verterem e as mãos viram lenço, podendo ser só agradecimento.

Casciano Lopes

19.6.24

Em dois semestres

Amo maios, junhos, setembros, outubros e dezembros... janeiros me agoniam e nos demais meses tento me lembrar de virar as folhas do calendário e dar as costas ao passado que me faz um hoje, querendo sem ter, o amanhã.
Tudo é cheio de tempo, todo o meu templo de morar é cheio dele.
O ontem não pode mais me avaliar, já deixou em minhas paredes os seus diplomas e dele só posso ter a prática de suas teorias.
É entre teorias, teses e hipóteses, que procuro praticar a vida que comete um paradoxo - construir permanências dentro da impermanência - onde posso exercer o direito de me juntar aos dias e entre folhas escritas e brancas feito pálidas, escrever cabeçalhos e rodapés, com meu nome entre eles, fazendo a ponte entre quem fui no ano passado e quem ainda sou ou serei depois que a chuva passar. Serei?
A vida é um 'não sei' cheia de certezas.

Casciano Lopes

Agendado

No
Dia
Que
Vem
...
Vou.

Casciano Lopes



18.6.24

Nas linhas, o bem em locomoção

Mais que a negação é o toque das mãos,
mais que a oposição,
mais que a falta,
que a solidão dos anéis...
Bem mais é o toque das mãos,
vai além dos dedos e do que eles apontam,
além da vocação de fala quando gesticulam palavras,
e que, quando tocam,
calam o grito e põe em silêncio a inquietação.
Mãos.

Casciano Lopes

17.6.24

Texto por canalização xamânica

A vida não se explica apenas com o toque suave da brisa que sopra das montanhas quando se está na planície... Ela também se justifica quando se é a própria montanha açoitada por um vento forte, quando se é a areia da terra soprada pela ventania. A vida se multiplica dentro de cada um, quando por instinto, a escalada por nós se faz necessária, pra que do alto possamos nos ver melhor, e a partir da contemplação, nos enxergarmos maiores do que o pequeno gesto da tempestade que passa diante da vista de todos que nasceram pra entender a grandeza do silêncio que o mundo sabe fazer quando a chuva vem e quando a chuva vai.
Viemos pra nos vencer, pra isso, precisamos nos conhecer e conhecendo, nos apresentarmos ao mundo como carta aberta de aprendizado, onde possamos ler e sermos lidos, e lendo, aprendermos e ensinarmos.
O choro que lava os olhos de questões é o mesmo rio que corta as montanhas, que cheio de destino percorre a Terra, lavando e levando pelo caminho tudo o que precisa de novos olhares de respostas.
Nos sofás dos viventes, cabem as lágrimas dos 'nãos', mas também cabe o estio que o 'sim' provoca na face da alma, o lado da vida que não pode ser tocado por ninguém de fora, ...além do possuidor do riso aberto... ninguém pode; feito o sol que clareia o topo dos cânions sem que ninguém o impeça disso.
Então...
Nem sempre o que nos cala empobrece a vida, às vezes enriquece o tempo.

Casciano Lopes

Porque passa

Passamos a vida querendo dela o milagre da eternidade de tudo o que faz durar nossos aplausos, enquanto o seu milagre está muitas vezes na perenidade do silêncio das mãos que sabem acariciar sua passagem...

Casciano Lopes

15.6.24

Somos ainda questionários

Tenho medo de quem tem respostas pra tudo... acredito mais nos pássaros que conhecem de clima e migram antes do inverno, nas árvores que se balançam pra se livrarem das folhas no outono sem que alguém às avisem do calendário...
Quem sabe de tudo tem o hábito de saber sobre você o que, com muito esforço, só poderia ser imaginado. Não acredito.
Saber de mim... As margens que me comprimem o sabem mais, as paredes com seus portões me sabem, me sabem as madrugadas sem falas, as manhãs que amanhecem deitadas e já cansadas na minha soleira, as noites que apagam a lágrima que já nem sabe cantar a cantiga de ninar.
O sabedor das respostas do mundo, não passa de um amador e nada sabe dele e sua dor.
Tenho medo.

Casciano Lopes

14.6.24

Mimos trocados

Afetos são trocados porque o outro precisa ser afetado, modificado no toque que atravessa sua necessidade.
Tenho no meu imaginário uma carência, quase uma deficiência de cafuné na alma, daqueles gestos que parecem ninhos que põe a gente no piado do bem querer, e que quando a gente cala é porque dormiu sem querer mais piar por segurança... é porque de tanto afeto a gente pode tudo, até se mostrar pequeno pra caber no galho do colo.

Casciano Lopes

Na vida

Desenhamos as letras em rascunho o tempo todo, buscamos acertar o traço, grifar importâncias e argolar o que não podemos esquecer.
Embora a borracha exista e nos sintamos tentados a usá-la, não nos é permitido, mesmo que por vezes algumas anotações sejam tidas como provisórias, quase nunca teremos tempo de passá-las a limpo.

Casciano Lopes

Eu tenho um sonho....

Subir na montanha das palavras
de uma vida inteira,
e quando olhar para trás,
do alto enxergar mais livros
que páginas em branco.

Casciano Lopes

Vitrine em menino

Desde pequeno fui treinado; apontado, entendi sobre exposição e muito cedo, aprendi que meu telhado deveria me proteger, que desabrigados eram os que estavam fora dele, 'sem tetos', e por isso os dedos em riste e as mãos encarregadas de pedradas.
Hoje, ainda em mira dos que não possuem vidros envoltos em suas construções, sigo construindo transparências, porque sei que assim as pedras me atravessarão, enquanto eu, exposto como quem nada teme, permaneço ileso, em destaque.

Casciano Lopes

Ainda na escola

Falhei muito e em muita coisa, deixei de praticar o melhor por tantas vezes não entender seu caminho e quando pensei saber, era só a vontade travestida de sapiência.
Por canseira errei na subida e o trajeto tantas vezes foi na contramão de quem esperava minha direção. O fluxo trouxe a descida e lá embaixo, na pista por onde circula o tempo, me busquei na multidão dos ponteiros, tentando encontrar meus segundos apressados, meus minutos equivocados, afim de ajustar minhas horas pra que elas entendessem que o amor dita as regras e sempre ditou; eu que preciso me alfabetizar todo dia, pra escrever na pele suas palavras, pra que haja mais acertos na leitura que erros na interpretação do destino das minhas mãos.

Casciano Lopes

13.6.24

Quando nos sentamos à sombra

Nunca faltou a proteção da forma mais plena de amor, a que cuida sem imposição ou condição, a que zela e se importa antes da interrogação.
Em tempo algum faltou o olhar pra tudo que passa, pra perenidade da flor ou pra fragilidade da lágrima, assim como pra fartura do sorriso, quando em promiscuidade com a boca, fez a casa abrir suas portas pra entrada de tudo que provocava cócegas.
Por fim, ainda não falta na cidade que construímos no outro e onde moramos, no sol ou sombra de nossa idade, a capacidade de descansar, sabendo que nunca faltou ou faltará o encontro diário de nosso compromisso... O outro.

Casciano Lopes
Para o eterno namorado que guardo na sombra da minha gratidão.

11.6.24

Não são só palavras

Palavras são interruptores que acendem a sala ou apagam o quarto... clareiam os cômodos com um toque de língua ou põe pra dormir no silêncio da boca adormecida, o ouvido da casa.

Casciano Lopes

10.6.24

Em obra

Tantos lugares que me cuidam
Tantas histórias que me constroem

...

Memórias de ouvir na vitrola dos ouvidos
Pedaços de mim nos álbuns de fotografias de meus olhos
Pessoas que dizem versos na minha boca e que restauram minhas ruínas com penas

...

Que se penso em parar a construção
Dispenso o pensamento pra não me negar abrigo e fujo depressa pra junto de onde me distraio com a reforma de tudo que não sei, mas que preciso aprender dizer.


Casciano Lopes

Depois das cinco

Quase amanheceu

Quando a noite quis ir embora

E a noite quis amanhecer

Ir embora

Amanheceu.


Casciano Lopes

Há jeito de florir

Os pedregulhos do caminho nada podem contra os pés que sabem riscar canteiros. Ainda haverá chão sob os escombros enquanto houverem acordos entre a flor e o caminhar das sementes.

Casciano Lopes

8.6.24

Vida em locomotiva

Na viagem encontramos o aço da bagagem, mas também o abismo das flores em mala de mão, onde aportamos do trem de ferro pra abastecer de delicadeza nossos vales e entender que não se viaja na dureza da pressa, mas na gentileza da pausa, assim como o partir que precisa da chegada pra seguir e o viver que carece do nascer pra morrer, todo dia.

Casciano Lopes

Um sonho por favor

Vez ou outra me pergunto sobre a realidade, saio do sonho sem pedir licença e cometo o despautério da questão. Com as mãos espalmadas sobre o rosto, cometo a dureza da pergunta e nem sempre espero a resposta; volto pra casa, onde sonhar ainda me ancora na verdade, porque o que me dizem ser real, é só a mentira brincando de pesadelo.

Casciano Lopes

7.6.24

Sinal de ocupado

Ocupe os espaços do mundo,
a rua toda,
a vila,
a cidade toda,
ocupe.

Ocupe a casa que mora,
o parque do bairro,
a praça da esquina,
o banco,
ocupe.

Ocupe a vontade de ser,
a coragem inteira,
o abraço todo,
o olhar,
ocupe.

Ocupe o corpo que respira,
a Terra que inspira cuidados,
o outro que pede tempo,
o tempo,
ocupe.

Casciano Lopes

Tu não sabes

Até que o relógio do sol te chame
e o corpo te clame, não sabes do dia,
nem da noite que em ti dormia.

Casciano Lopes

Apetite

A fome pede degustação, assim como a vida pede gosto, e é preciso gostar do tempo e saber: ele lambe os pratos onde somos servidos ao sabor que sacia a vontade de ter tempo pra lamber a vida.

Casciano Lopes

2.6.24

Iluminação

Nas madrugadas da vida ou no breu das horas,
é preciso estar atento ao que nos ilumina...
Assim, jamais ficaremos no escuro da interrogação.

Casciano Lopes

1.6.24

Uma Tereza, mãe de fé

Não fosse o Divino em mim, talvez não fosse mãe... Ser mãe exige divindade.
Talvez meu altar estivesse ainda sem flores, não fosse o divino em mim.
Não fosse a fé sentada em meus degraus, talvez eu não subisse tão alto quando o medo balançou a escada.
Talvez os campos de girassóis estivessem cabisbaixos e o próprio sol deixasse órfão meu sentimento de fé....
Porque precisa estar aquecido o amor, e sem ele, morre a fé, e com ela a mãe dos filhos antes da carne e a filha de Deus antes do espírito.

Casciano Lopes
Em gratidão à grata amiga Tereza

31.5.24

Leve... Que assim seja

Que eu leve a vida assim:
Sem o peso de saber demais; só o necessário pra que me cause incerteza. Pra que na dúvida eu continue aprendendo um pouco por dia; e que não se acabem meus dias só buscando certezas, mas que eu tenha tempo de rir com o compreendido. Que eu possa me distrair com penas e ventania. Por fim, que eu seja visto entre pautas nuas a espera de saber notícias da minha ignorância.

Casciano Lopes

O rio que corre já é quase mar

Quando o rio, sendo rio, diante de mim, como que rindo passa, eu, sem esboçar na face tempo algum, passo e também feito rio corro, rindo nos choques com as pedras e produzindo sulcos e veios no sorriso, por onde escorrem pedaços de rio, trechos de mar, e por sorte, praias inteiras onde posso ser visto pelo rio que corre pro mar, passar.

Casciano Lopes

Enquanto caminha a lua alta

Na madrugada,
eu ensaio a calma
como quem dorme.

Casciano Lopes

27.5.24

Tardes construídas, somos todos

Fica nítido o tamanho da construção pelo tamanho das sapatas e o aprofundamento de suas colunas, assim como a robustez de uma árvore fala de suas raízes sem mesmo ser preciso revolver sua terra...
A tempestade trata como enxague qualquer um que habite em sua queda, no entanto passa o tempo, e o molhado por ele, estendido sob o sol seca e em brisa se reconhece até a próxima chuva, pra que de novo a construção abrigue, as raízes sejam testadas e as roupas da vida alvejadas.

Casciano Lopes

26.5.24

Entre retratos

O sagrado está na vista, escondido em cada gesto de vento que toca a água que corre e em cada folha de árvore que paira, está em cada paisagem que finge esconderijo pra ser avistada.

Casciano Lopes

Observado

Na madrugada
o abajur do quarto
me olha de soslaio.

Casciano Lopes

Plantão diurno

Quando amanhece dentro de mim,
moro todo na capacidade,
embora saiba do anoitecer.

Casciano Lopes

23.5.24

Poesia de bule

A poesia é tão danada que quando cai chuva lá fora, cá dentro ela canta, passa café, faz bolinho de chuva e espera passar quem a lê e a água pelo pó, que depois escorre pela garganta, lavando o nó e levando feito moinho a palavra pra outro lugar; dentro de mim.

Casciano Lopes

Com passo

Daí o passo fez possível olhar quem estava na estrada, e olhando, pude ser visto caminhando... pude me ver no menino da calçada esperando a avó, no avô lentamente indo buscar seu pão, no passarinho arrumando o ninho da noite dormida, pude ver todos em mim e das esquinas que dobrei, guardei o passo e daí vi o que pude ver... no passo.

Casciano Lopes

Tatear

A névoa cobriu a cidade
e a gente vai tentando entender
os caminhos quando ficam nublados,
procurando sempre evitar
quebraduras na alma.

Casciano Lopes

20.5.24

De ponto a ponto

As rasuras que cicatrizaram o texto que escrevi, modificaram a leitura dos que por mim passaram vistas, uns eram lenitivos e deixaram analgésicos entre linhas, outros, com borrachas tentaram apagar os pontos e borraram meu papel... em pele dita em bom tom sigo dizendo, escrevendo, cortando e suturando a carne atrás da palavra de tinta boa que cure definitivamente as velhas e novas formas de marcar a lida, tanto minha, quanto de quem me toca a escrita.

Casciano Lopes

Regra clara

Nada desiste de mim,
exceto se eu desistir antes.

Casciano Lopes

19.5.24

Composto

Sou uma mistura de tudo que me atravessou, desejos que dormiram lá em casa e compromissos que perderam a hora, mas também sou as alegrias que vieram sem avisar e as dores que foram embora sem se despedirem.
Sou todo modificado pelo relógio que pulsou no pulso que marcou o tempo como se soubesse passar.
Sou o menino que nasceu, um filho do vento que balançou a bananeira do terreiro e a corajosa tempestade que sacudiu o abacateiro do pomar, mas também sou a fragilidade da amora madura que cai do pé e se despedaça no chão, sou sua tinta que tinge o chão e que seca na brisa que sopra depois, por fim, tenho em mim pomares que alimentam, mas também desertos e profunda sequidão, onde o que me faz coragem é tudo que sou e que vive em mim mais que o medo.
Sou só contrição, construção, uma contração de quem nasce todo dia pra morrer toda noite sem perder o motivo que faz da junção de meus dias, a festa que atesta minhas idades.
Sou...

Casciano Lopes

17.5.24

O que importa

Há sempre alguém presente na experiência de atravessar a noite do mundo... Por mais que a caminhada exija passadas dispostas enquanto fogem os pés pra indisposição, a leitura do caminho alfabetiza o destino e entendemos que a viagem é atravessada também pela paisagem desconhecida, incluindo no roteiro, além de nós, um motivo, e é muitas vezes ele que nos acompanha na visitação do percurso que sequer queríamos pisar.

Casciano Lopes

Convite de gente passarinho

Vamos sacudir as grades de nossas gaiolas, vamos pichar nossos poleiros, vamos incomodar os comedouros com o apetite de céu aberto, onde possamos apanhar a fome em voo livre e saciar as chaves com falta de portas.

Casciano Lopes

16.5.24

Pra que viemos? Seguir a multidão?

Fui diferente quando me exigiram igualdade, quando quiseram me nivelar com a maioria fiz questão da minoria, e quando quiseram me pregar no sacrifício dos padrões, fugi pro lugar dos libertos, porque a opressão não está na construção sem qualquer padrão, está na cela do castigo das regras da perfeição, onde não há escolhas; e por não haver, logo não há liberdade de ser indivíduo capaz, onde não se pode construir pensamento e assim, o voo perde as asas e a vida seu maior direito... o de criar caminhos. O novo exige partida do zero e todo o resto, é vã repetição e perda de tempo.

Casciano Lopes

Ação

Até que meus veios signifiquem passagens, escorrerei entre eles feito ribeirão a caminho do mar, e o sangue no corpo, correndo como que em mineral, fará portais em breu pra que a luz do tempo me faça correr.

Casciano Lopes

15.5.24

Riscado

De todas as cicatrizes,
as mais profundas
foram cortadas pela coragem
que precisei ter
quando a pele fugia da dor.

Casciano Lopes

Noite clara dos apagados

Sou como a cidade,
cheio de calma acesa
e de pressa dormindo na madrugada,
cochilando na calçada da espera.

Casciano Lopes

14.5.24

Quarto de rima

Pablo Neruda, Fernando Pessoa, Jose Saramago, Cora Coralina, Manoel de Barros, Mario Quintana, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Mia Couto... São tantos!
Castro Alves, Luís de Camões, Vinícius de Morais, tantos!
...
Poemas em sentimentos com seus tinteiros, pensamentos com suas penas e um reflexivo mundo com seu papel em branco, morando em meu cômodo pequeno... Enchendo as linhas de minha mobília, ocupando as frestas da porta, se estendendo em varais como cordel a minha janela, cavucando o reboco de minhas paredes e colocando letras na mesa, na cama e na poltrona esgarçada do meu canto de morar. E é isso que cria dia em mim, é o que desperta a noite pra que eu entenda as vírgulas da poesia que é essencial pra chuva de fora, pra goteira de dentro, pra alegria tinta de dor ou tingida de pretensão, a sede, quando mata de água a vida que escrevo.

Casciano Lopes

Eu escorrido

Há um vertedouro em mim,
emoções contidas em sua vazão
e outras escoadas entre a alma e o corpo,
correndo pelo chão.

Casciano Lopes

13.5.24

Banho em primeiro olhar

Minhas referências beiram o açude
que beirava minha infância...
Minha primeira pessoa
aprendeu cedo a conjugar a água.
Desde então,
moro em rio onde tudo passa,
onde só represo o que vi menino
pra idade não levar na correnteza.

Casciano Lopes

Ai

É preciso conhecer a dor pra medicá-la.
Mais que o remédio,
o conhecimento dosará a eficácia de viver...
Porque dói.

Casciano Lopes

6.5.24

Jardim de infância

Há que se cumprir a criança dentro de nós. Em cada névoa brincada, em cada névoa temida; a criança reencontrada.
A estrada da gente grande tem suas curvas e neblinas, tem seus medos escondidos e seus sustos no meio da pista... Não pode faltar a criança brincada, aquela que faz o giz desenhar uma porta que abre sorriso pra gente passar.

Casciano Lopes

Pés em prece

É preciso reverenciar os caminhos; eles se estendem diante dos pés, mas nem por isso devemos esmagá-los, o pisar precisa de leveza pra quando precisa voar, flutuar sobre o que não aparenta saída.

Casciano Lopes


4.5.24

Pensamento

Pensando bem, eu não posso, por uma série de fatores alheios ao que planejei pra idade madura. Pensando bem...
Se for parar pra pensar, ficaria parado, absorto nas funduras das impossibilidades e mergulhado numa cadeira pacífica de fingido conforto.
...Por isso não penso, e sigo por um mundo bêbado apregoando minha desequilibrada sobriedade.

Casciano Lopes

As mãos que seguram

Em mãos entregamos a vida, nascemos.
Em mãos nos colocamos, vivemos.
Em mãos criamos apertos, crescemos.
Entre mãos nos despedimos, morremos.
Em mãos,
parto e partir na mesma oração,
(re)parto e (re)partir na mesma obrigação.

Casciano Lopes


1.5.24

Por isso planta'ação

Sinto que a colheita não depende só do plantio,
mas também da rega,
da poda e do tempo do amadurecimento;
este último pede o olhar
pra que não se perca a ação em tempo.

Casciano Lopes

Bendita a vida que perfuma o corpo

Bendito o perfume que faz vaso ao buquê,
que dá conteúdo ao frasco do perfumista
e que desperta o apetite da flor
quando por ela passa um beija-flor...
Bendito seja.

Casciano Lopes

30.4.24

E os anos

Do que o tempo não foi capaz, prezo em saber:
que o que derruba o homem não é o choro constante,
é o sorriso distante.

Casciano Lopes

Pessoas virão, pessoas irão, nós não

Temos todos novas chances, oportunidades de recomeço...
Nem sempre pra encontrar pessoas ou apertar nó fingindo laço com situações alheias à nossa vontade, às vezes o processo é estendido apenas pra que nos reconheçamos e então, compreendamos nosso endereço.

Casciano Lopes

Vale

Nossos abismos esperam o nosso olhar, todos temos; profundezas que precisam de enfrentamento, penhascos que merecem visitação...
Parte nossa vive lá e se não ousarmos a descida, passaremos a vida sendo parte do que poderia ser inteiro.

Casciano Lopes

28.4.24

Travessia do mundo líquido

Minha expectativa não é chegar enxuto do outro lado do rio,
é chegar molhado de vida e encharcado de boa vontade.

Casciano Lopes

26.4.24

Ao lado

No final não importará quantas cadeiras vagaram ao longo da vida,
mas se você ocupou seu espaço interno.

Casciano Lopes

24.4.24

Meu mundo em visitação

Estive flertando com a despedida...
A casa era grande, o jardim e o quintal contavam com a minha disposição, como a vida que, tão imensa, esperava do corpo pequeno uma atitude pra caber toda.
Tempo marcado em que a agonia reclamou da finitude e a embarcação se agarrou às ondas buscando superfície.
E como num mar, eu, quase náufrago, sobrevivi. Desde então, velejar virou uma questão de honra, é o mínimo que se espera de quem tem das águas uma nova chance.

Casciano Lopes

Prédio e lua

Quando ela vem recatada,
esgueirando-se pelas nuvens,
evidencia minhas rachaduras,
reformas e causas da tinta
com falta e sobra de tempo.

Casciano Lopes

14.4.24

Contém o que conto

Estou contido entre a lágrima da pergunta e o sorriso da resposta, entre o sono do descanso e a insônia do cansaço.
Estou preso entre o que solidifica meu olhar e o que evapora meu pensar, entre o pesar do que vi e a leveza do que verei, e em tudo isso, vejo de forma contida, o que calo e o que grito construindo uma passagem, mais de lembranças que de esquecimentos, e que cada dia mais é merecedora de mim.

Casciano Lopes

Olhos de criação

Ainda que o caminho seja íngreme, ainda que a escada seja longa, ainda que haja mais chão que pés e que o descanso finja miragem... Ainda assim, seu olhar cria em mim a possibilidade, e todo dia me dá a chance de construção; da casa de abrigo, da rua de sonhar caminhada, do topo da vista... de onde se avista a morada e onde a calma ensina um jeito de chegar.

Casciano Lopes

9.4.24

Porque o tempo

Dias se sentaram na soleira, pedindo pra pousarem as noites, esperando meu gesto de abrir a porta...
O tempo parece que exige casa aberta para construir memórias, e eu ainda continuo apostando na capacidade de me doer só, porque dói a casa das lembranças em quase morte quando fica vazia, e se cheia, me impede de ouvir meus ais.

Casciano Lopes

8.4.24

Há sempre uma chance enquanto respiramos e inspiramos pessoas.
Há.

Casciano Lopes

Eles em nós

Todos temos povos nos contando seus tempos.
Todos temos, correndo em nós suas vidas.

Casciano Lopes

A queda da torre

Perdi a voz quando meninos e meninas despediram-se das portas de sua cidade, quando mulheres e homens tiveram os muros de sua cidade destruídos.
Perdi a voz quando sob escombros a vitrola não pode tocar a música preferida da cidade.
Por fim...
Perdi o lenço e a lágrima não pode nele ser dobrada, escorreu cidade afora.

Casciano Lopes

Persistência

A gente sempre volta...
Volta pras origens, pras prioridades,
volta das batalhas, das desistências,
a gente volta pro começo porque o fim não existe, só recomeço.
Volta pro dia porque a noite acaba e depois pra noite porque finda o dia...
a gente é cheio de sempre, de volta, de ciclos sem fim e de finais de ciclos.
A insistência resiste e a gente insiste,
teima em voltar pro abraço que prometeu o 'para sempre',
em despedir do giro do mundo pra depois voltar pro mundo que gira,
é isso, como o mundo a gente gira e sempre volta.

Casciano Lopes

De alma então

O que se deita em minha mesa, em minha cama, em minhas portas e chão, em meu endereço, esquinas, ladeiras e decisão, não é feito de tristeza ou coisa assim, é talhado na alegria, no sabor aquecido da beleza de quem sabe ser coragem, e que se lança na minha boca como canção, quando pede vontade o coração.

Casciano Lopes

Ré maior

A gente devia nascer pra cantar,
mesmo chorando de parto,
devia cantar.

Casciano Lopes

Somos

Somos...
Mar
Ondas
Canoa
Vivente
Remo
Somos...
Proa e convés
Porto e navegação
Chegada e rumo
Somos...
Folha de carta
Dobra de tempo
Somos...
Coisa que passa, ficando
Que fica, passando.

Casciano Lopes

Elucidar

A luz sempre rasga alguma coisa
que teimamos em guardar
na sombra de nossa angústia.

Casciano Lopes