20.7.15

Para o caso

Se por mero ou puro acaso
...Acaso algum houver
Não cause descaso
Calce botinas, galochas
Faça o alicerce sem medo
Porque casa boa mesmo
É a que mora nele
...No acaso.

Casciano Lopes

16.7.15

Vento calmo e ventania

O menino de rua
A mulher da esquina
O sapo do brejo

A árvore do parque
A bruta pedra da topada
O gato deixado na pista

O pedinte da praça
A mudez da vitrine
A nudez do índio

A mão da caridade
O braço de ferro
A cegueira do povo

Todos tem um pouco de mim
Até do que dizem feio
E do que se tem por bonito
...Tem um pouco de mim

Estou no canto gregoriano
Nos atabaques das 'Áfricas'
No tilintar das pedras mensageiras
E se posso estar nos rios que correm
Ou no silêncio dos mudos...

...Tudo faz parte de mim

Disse a poesia em ventania
E o poeta confirmou
Quando disse...
Também faz parte de mim
...Assinou.

Casciano Lopes

Ando devagar

Eu já tive...

Pressa
Raiva
Medo
Angústia
Depressão
Orgulho
Vaidade
Poder

De todas as temeridades sofri
Mas aí vieram amanhãs
E hoje o passado levou o desagrado
Deixou só um bilhete
Disse que era tudo emprestado

Desde então
O título de propriedade não me pertence
O mundo me contém
E está contido em mim

Só uma questão de amanhãs
Que também são emprestados
E eu...
Presto e me empresto ao que resta.

Casciano Lopes

13.7.15

Contradita

Não há o que me difere da virgem
Nem o que me destoa do meretrício
Não há castidade se esta me vinga
Nem liberdade quando ela me cobra

Como um aspirante a vivente
Tudo me cabe...
Das ruas alegres aos portões cerrados
Viver ultrapassa as grades

Morrer não ganha asfalto

E por dentro do que inspira a vida
Estão contradições...

Casciano Lopes

Das posses

De tudo o que tivemos
De tudo o que possamos vir a ter
De tudo findo...
Só nos resta o finito
O fim é tudo que alcançamos
Com o nascimento.

Casciano Lopes

Um nascente em poente

Até para levantarmos ao amanhecer precisamos entendê-lo como último...
Somos últimos e únicos exemplares de um único amanhecer
Já que o vindouro é dúvida e o passado nada mais do que um irremediável esquecido.

Casciano Lopes

Em negro despido


E porque era alma... fez-se


Aceno

E no partilhar se faz...
As mãos e o que dela brotar
...Se prepara o jantar e se põe a mesa
...Se leva à boca e tira dela
...Se indica, aponta e nega
...Se põe nos lençóis e adormece
...Se levanta e faz dia
Mãos... traz à vida e se despede dela.

Casciano Lopes

Segregação de perfume

Quem fere o dedo em espinhos acaba se afastando de rosas
...Não devia.

Casciano Lopes

Idade, o meu nome

Nem sempre a certidão de nascimento nos mostra a real idade.
O homem vive se chocando com o que não pode mais fazer e nessas horas descobre atalhos que nunca deveriam ter sido tomados.
O tempo que não volta... Tomara que ainda dê tempo de fazer caminhos do que hoje são estreitas vielas.

Casciano Lopes

Ofensa delicada

A poesia tem suas maneiras
Formas que se encaixam nem sempre em métricas perfeitas
Porque para ser poesia não se molda necessariamente na norma
Mas obrigatoriamente na palavra e em sua forma de dizê-la
Dizendo delicado do que nenhuma delicadeza padece
Um castigo... e o poeta morre tentando desprender-se.

Casciano Lopes

Sensação térmica

O que deprecia o dia frio não são os ventos que sopram em direção ao continente e sim a falta de vidraças em algumas janelas fazendo dobrar correntes que aprisionam descobertos.

Casciano Lopes

Poesia... uma palavra de opinião

Há coisas que eu gostaria de ter dito
Outras de ter escrito
Essas coisas costumam viver em bocas de poetas
E em mãos que ensaiam pra dizer.

Casciano Lopes

Pretensão

Entre o texto e o contexto, não se despreza o pretexto.

Casciano Lopes

Lustro

Nem sempre se constrói um número de sapateado sem lamentar sobre os sapatos
O tablado é só pauta e a melodia surge via de regra do jogo de cintura
O calçado é só pretexto.

Casciano Lopes

Em tempo e fora dele

Das coisas que sei falta tanto para aprender!
Imagina das que desconheço...
Me acovardo ante o tempo
Impalpável, inexpressível se não arde
Insolente quando desatina em dor... tempo
De modo que preciso fracioná-lo
Em busca das migalhas que me encherão o bolso
Conhecendo apenas o que me cabe no alforje
Já que a vontade do que falta move seus ponteiros.

Casciano Lopes

3.7.15

Do que virá

Na correria da vida percebi que as horas que me restam são maiores do que as que vivi, ao contrário do veredito de que o tempo corre cada vez mais depressa encurtando-se para o que resta.
Nessa corrida, da qual todos fazemos parte, entendi que o que falta é sempre mais e o menos é passado.
Só o que ficou acrescentado foi o que plantei ontem nos corações que amei e a semente que plantaram no meu chão, este mesmo que os minutos araram, terra revolvida onde só sobrevive a amizade sincera, porque esta vai além dos laços de sangue e em todo o tempo tinge o futuro de querer mais um bocado, tornando melhor o que está por vir e o que virá, dará sustança à plantação, fazendo crescer forte o amor sobrevivente e este amor... É o que faz do amanhã um dia com bem mais que 24 horas.

Casciano Lopes