Do suor que pinga ao que respinga entre pernas Só os poetas sabem dizer Tantas vezes colocam-se palavras De outras tantas tiram-se frases inteiras Não há versos nas ideias fechadas.
Dedico a letra O cheiro da tinta fresca O manuseio da pena A virgindade da folha A brochura das lembranças O sutil pensar de memórias O sentar do eu nos papéis Uma folha da minha mata Um alfabeto de meus ladrilhos Um corpo de minhas figuras A caixa aberta de meu peito A herança que veio cedo... Que prepara o caminho e o pergaminho Que alfabetiza meus dedos Travessia das mãos por vezes cegas Os ponteiros que regem os títulos A todos quanto herdei... Um quente, um frio Uma sensação Um pouco de muito Um muito de pouco Uma vida vestida de nudez Na alma e no sorriso.
Tão lâmina quanto barba Tão feroz quanto fera Tão mordida quanto cão Tão morno quanto vivo Tão frio quanto morto Tão quente quanto parto Tão grande quanto mato Tão forte quanto Brutus Tão bruto quanto garimpo Tão joia quanto fortuna Tão pedra quanto asfalto Tão rua quanto passagem Tão ônibus quanto passageiro Tão dívida quanto cartório Tão belo quanto espelho Tão iluminado quanto noite Tão dia quanto vida Tão calmo quanto ponteiro Tão limpo quanto prato Tão ódio quanto febre Tão sarna quanto lixo Tão sempre quanto eterno Tão doce quanto melado Tão sujo quanto manchado Tão pele quanto orfanato Tão hebreu quanto hebreia Tão santo quanto manto Tão pranto quanto canto Tão amor quanto o branco Tão mar quanto homem Tão vida de acasos De ocaso finito De vida e morte Saturados infinitos ...Mares e marés Infelizes homens tão felizes. Acaso... acaso
Tudo que é ferro pode enferrujar O ouro cria sujidade e esquece o brilho A prata escurece e perde seu prata De tudo saber... que a chuva cai independente e o dia acontece assim que se tudo fosse simples nasceriam só de 'Marias' que se as noites fossem dias sem teto não via estrela que a estrada do outro é tão doída quanto a rua que corta meu peito que o coração é de terra batida, esmagada ou sambada. ...Eu escolho.
Não se sabe se a ventania levou ou a chuva lavou Vê-se apenas um piano órfão E a correr um compositor endoidecido Solfejando, a procura, no espaço aberto, a nota perdida.
Quando o vento dobra a avenida e seu frio lambe a calçada não me resfrio, coloco a garganta no varal e espeto o coração no meio-fio.
...Sai o sol,
tudo é estendido e aquecido, até o asfalto me molha com seu suor e fica entendido que a lua não parte
e se me parte...
Tem a clave dependurada na fiação, aquecendo as vocais empoleiradas e se acaso chover, brotam vogais das corredeiras nuas, o peito vira jangada onde palavra não é coisa emprestada.