21.11.24

Qual sua altura e peso?

Nós moramos em tantos lugares ao longo da vida; improváveis, impensados, insuspeitáveis moradias que mais parecem esconderijos.
Nascemos e nos mudaremos algumas ou inúmeras vezes durante o tempo que viemos para gastar.
Da primeira a última chave, os lugares inimagináveis nos proporcionam pessoas e histórias, vistas privilegiadas compactadas em janelas ou espremidas e apagadas em muros de divisas.
Moramos...
Talvez numa vivência de hóspedes, de emprestados ou titulares, não importa... moramos.
Importa viver no endereço mais caro, no mais intransferível direito de posse por usucapião, sem o título de propriedade definitivo; possuir sem ter, e mesmo assim, não querer se mudar de onde nascemos.
Que nos custe apenas a descoberta, o reconhecimento diário de cada cômodo, de cada paisagem e, que seja larga a fotografia, que haja fartura de luz e que os corredores nos apresentem todo dia um motivo para zelar da casa que levamos para mudar de mundo, o nosso mundo que viemos para construir e mudar. E que quando não ficar a permanência do domicílio que não era fixo, fique a certeza do zelo e que as paredes gastas sejam tintas para contar as cores que fizeram nossas mudanças.
E que mesmo sendo transitório o nosso tempo, provisório o nosso corpo e irremediável a nossa estadia curta, que sejamos um bom lugar de morar.

Casciano Lopes

20.11.24

Memórias que sei

Sempre fui bendito.
Ainda bebê, nos finais de tarde,
meu avô me balançava nos braços,
cantarolando canções
que hoje sei que me valseiam na vida.

Casciano Lopes

Calado incomodado

Coisa barulhenta é o silêncio...
Arrasta os móveis da sala do meu peito,
arranha meus discos antigos da saudade,
passa a noite revirando o sótão da memória,
vive de tamancos caminhando por meus olhos,
e ainda, se atreve a encher meus lábios de psiu.

Casciano Lopes

Nós e eles

Todos podemos cruzar as distâncias
que nos separam dos ideais;
mesmo que em distintas velocidades
e particulares sentimentos de lonjuras.

Casciano Lopes

Movimento

Eu posso voltar, posso mudar.
Não sou uma coisa estática.
não posso endurecer jamais.

Casciano Lopes

19.11.24

Do que me devolve

Prezo as andorinhas que me aparecem no peitoril da janela do 10° andar sem aviso prévio para cantar, elas me permitem lembrar do que não previ e, ganham prioridade porque me roubam de mim.

Casciano Lopes

Canteiro de obras

Cresce em mim uma espécie de paisagem, um Boulevard.
Construções nascem nos corredores do meu pensamento e raízes juntam-se aos meus pés formando canteiros.
Nasce todo dia um pedaço de mim, cresce ainda minha obra.

Casciano Lopes

18.11.24

E me nega

Só sabe de mim o rio que atravesso.
Aquilo que me nego, não me vê passar.

Casciano Lopes

Palavras... palavras

Sou a notícia que corre e o segredo guardado,
a garrafa e o mar,
a letra aprendida e as linhas comprimidas entre pautas...
sou o papel que veio pra dizer, calado ou falante...
só um homem lido.

Casciano Lopes


O espaço que existe em mim

Tenho me gastado voando...
Pensando em asas que substituem pés,
vou à lugares nunca imaginados, num voo possível.
Porque o pensamento tem o poder de compor alados refúgios;
se eu souber administrar a falta de chão.
O que produz a transmutação do caos,
não é a possibilidade do cenário,
mas a minha capacidade de criar céu
antes de crescerem nas costas as envergaduras planadoras.

Casciano Lopes

14.11.24

Do outro lado

Eu tenho um verso,
dito às vezes,
escrito,
lido ou não...
Meu lado inverso,
o avesso de minha exposição,
de tudo aquilo que guardo
entre as linhas por onde
me escrevo feito verso.

Casciano Lopes

13.11.24

Outro dia

Independente... se tapas ou carinhos, se sutis olhares ou borradas espiadas, se tintas discretas ou pincéis agressivos lambuzam a face numa indiscrição desmedida... Que vigore o entendimento de que só é capaz de fazer rir o que sabe rir. Chorar, nascemos sabendo, o riso não, ele é aprendido.

Casciano Lopes

Daquilo que eu sei

Eu amei passar por cada casa que visitei, me causou mudança saber que não eram minhas... e amar o tempo curto de cada passagem.
Tudo na vida é assim, a gente aprende e passa, e porque passa entende a razão, mesmo que doam as idas para distante das portas.
As coisas mudam de rua, pessoas inspiradoras da minha autoria escolhem o tempo todo outro endereço, porque precisam e eu preciso seguir cumprindo moradias e compondo janelas para que outros se debrucem nelas.
Sei que também mudo e, porque refaço meus lugares, construo outros motivos de continuar vivendo, sem perder nada do que senti e vivi em cada pessoa que passou por mim e em cada gesto que fizeram os portões, quando se abriram.

Casciano Lopes

11.11.24

Programação

Penso muita coisa para o ano que vem...
dentre as coisas que almejo,
a prioridade é ter sorrisos inexplicáveis.
A vida veio até aqui e irá até onde for,
porque aprendeu a sorrir,
e isso, dispensa explicação.

Casciano Lopes

Sinto, então vejo

Um teatro cheio,
música clássica,
uma ópera,
um balé,
uma gentileza gratuita,
uma flor oferecida
para quem desconhece jardim,
uma boa música que toca a porção divina
num corpo material e pequeno,
um sopro num gesto de vento
que toca a areia da praia...
Coisas que marejam o olhar.
A dor não merece o choro.
O que os olhos ainda podem sentir;
eles podem ver.

Casciano Lopes

8.11.24

Consequências em evidência

Também é caminho... sentar um pouco, dormir se for preciso, criar novas portas, passar por elas e cruzar outras pra descobrir que não tem fim e nem retrocesso a estrada separada pra nossa jornada, incluindo o descanso que ela nos pede.
Está tudo bem pausar o acelerador que cobra velocidade; reduzir a marcha não quer dizer desistência, assim como mudar de opinião ou de direção não significa dúvida, às vezes é só certeza mesmo... de que chegamos e partimos sozinhos e de que quando saímos da vida precisaremos seguir com as escolhas, apenas isso levaremos da vida... as que fizemos ou deixamos de fazer.

Casciano Lopes

Cura o viver

Um xamã medicou uma tribo inteira
quando aprendeu a ouvir o canto da floresta.

Quem escuta, aprendeu e entendeu a vida...
E sabe sarar a aldeia em que vive.

Casciano Lopes

5.11.24

Um quarto de insistência

Alguns sentimentos não passam nunca, algumas memórias desconhecem o tempo, tal qual o ontem que insiste em existir num espaço pequeno que mal cabe o hoje cheio de mim; um fragmento de tempo.
A saudade, dentre todos os hóspedes que carrego em minha pensão, talvez seja a mais perspicaz, vive criando motivos pra esticar sua estadia... chega arrastar móveis nos aposentos meus, planejando se instalar e se acomodar nos anos que acontecem num só dia dentro de minha sensação de não passar nunca.

Casciano Lopes


3.11.24

Ensaiei meu samba

sozinho... Sim, eu choro às vezes, principalmente quando preciso e não posso mais dançar... No passado eu sambava e diziam que muito bem.
A lágrima me rasga quando vejo que o possível trocou de lugar com o impossível sem que eu percebesse.
Eu não tolero os maus tratos de meu riscado o tempo todo, embora pensem as pessoas, que sim. Mas, não tolero a fraqueza em mim e, talvez por isso, a maioria acha que vendo uma positividade tóxica, quando, na verdade, ainda sou o mesmo do passo de samba, das longas caminhadas, das leituras, da escrita que dispensava revisão, da caligrafia bonita que se esqueceu de como segurar a pena.
Pena... tantas camadas em uma só palavra, e eu só sigo achando uma pena gastar o tempo que me sobra chorando a dança que não posso compor. Acho um desperdício desaprender tudo que o sorriso me ensinou em detrimento do esquecimento que a amargura provoca.

Casciano Lopes

1.11.24

Café da manhã

Ele arrumou a mesa com a delicadeza de quem preparava uma cama de núpcias. Nada extravagante nos valores, louças modestas e aptas, talheres simples e capazes, toalha até um tanto gasta, que amparava uma jarra de suco, um pequeno vaso de flores, copos dispostos de forma ensaiada que mais parecia uma 'ordem unida', uma cesta de pães quentes e outra de frutas frescas que acenavam um desjejum.
O apetite, que primeiro sentou-se à mesa, flertou com os coloridos provocadores da fome aguçada. O capricho, que estava na cabeceira da mesa, encheu os olhos de vontade e o perfume sedutor vindo da xícara de café seduziu os amantes que debruçaram-se diante de galanteadora proposta, como quem desnuda o outro. Foram destampados os potes de geleia e manteiga, o queijo como mestre de cerimônia postou-se pronto para a celebração. Foi repartida sem pudores a saliva provocada pelo desejo, degustaram-se os apaixonados... Eles e a mesa de pernas fortes, bem posta feito cama, num deleite despudorado.

Casciano Lopes

Um apoio, um braço

Eu estou caminhando...
Com as tartarugas, mas caminhando.
Não mais com os coelhos, caminhando.
Mas caminhando estou.
Hoje importa o passo lento que faço,
mais que o embaraço
de quando me reclamam agilidade nas ruas,
porque agora, quando nelas caminho,
é como se do mundo eu ganhasse um abraço e isso,
por si só, afasta qualquer cansaço.

Casciano Lopes

Vivi depressa

A consciência do tempo pediu pressa e cresci ainda menino, amadureci jovem e agora, a fluência pela mesma consciência, pede calma para a tal maturidade do tempo para que eu possa refazer alguns caminhos quase antigos, afim de, sem aceleração alguma, vivê-los tão somente, sem experiência alguma.

Casciano Lopes

Quem seremos

O sol que reflete em nossos segredos,
como quando entra em casa,
esclarece quem de fato fomos
e que não deixamos de ser.

Casciano Lopes

Esquecimento

Embora busquemos o tempo todo memórias inesquecíveis,
há tanto que gostaríamos de esquecer!
Vivemos remendando retalhos,
buscando o que nos vista de memorável.

Casciano Lopes

Febril

Quando a febre aquecer o mar dos olhos e neles houverem mais mares do que suportem as marés, talvez rasgue-se a praia do rosto para caber tanto sal. É preciso que se rompam algumas comportas para que a gente não desapareça afogado em tanta água salgada.

Casciano Lopes

O que não e o que passa

Eu não vou esquecer que a vida é algo provisório e que, assim sendo, tudo passa e passará... não posso sofrer de eternidade aqui, não aqui; embora batam à minha porta, todo dia, vendedores da tal perenidade.
É fundamental manter saudável a pessoa que vive em mim, a que mora no corpo falível.
Não creio que o corpo afetado possa ferir a pessoa que vive nele, não sem minha permissão.
Preciso defender minha integridade.
E disso, quero morrer capaz.
Preciso querer.

Casciano Lopes