5.10.25

Foi há 55 anos

Ainda ontem, eu brincava de burquinhas, andava de cavalo de pau feito doutor e dirigia meu caminhão de madeira carregado de latinhas pela fazenda.
Ainda ontem, eu banhado e todo penteado no trim, seguia pra casa da Dona Cândida no fim de tarde; benzedeira 'das boas', que com um raminho de arruda e uns bons cochichos com alguém lá de cima resolvia tudo, e ainda me brindava com uma canequinha de água com carvão... um verdadeiro elixir dos 'deuses' pra selar o bento benzimento.
Ainda ontem, o picuá da merenda quase que sabia o caminho da roça, e eu menino, todo feliz, media o meu crescimento a cada nó que a mãe precisava ajustar na alça; no destino, os pés de café carregados cantavam no sopro dos cansaços que paravam, enquanto meu pai e os compadres almoçavam, eu brincava na terra fofa de esconder 'felipes' com o que me emprestava o tempo.
Ainda ontem, tangia galinhas enquanto a roupa quarava na grama, ajuntava painas da paineira da porta de casa pra mãe fazer travesseiros, colhia ramos de 'mosquitinho' no pasto pra varrer o forno de barro antes da fornada de pão caseiro, assistia girar o torrador de café no terreiro, outras vezes acompanhava atento o ritmo à quatro mãos de minha mãe com sua comadre Florzina pilando colorau e cantarolando as cantigas que me viram crescer.
Ainda ontem, eu no alpendre moía café, buscava leite de vaca na mangueira, comia tara de pão e taiada de queijo, chupava jabuticaba do pé e manga com casca, pedia e carregava jaca, ouvia assustado os casos da caipora, vigiava a Santa Luzia que também me sondava da sala com dois olhos na bandeja, admirava a coragem da cobra que engolia o sapo e da mãe que acudia os gritos quando a urutu aparecia.
Ainda ontem, vi a mulherada rezando o terço, outras vezes fogueira e sanfona esquentando o frio. Tinha comadre Dalva procurando o cachimbo que eu menino escondia. Assoalho encerado ganhava baile na casa de Dona Terezinha. Vi dias de feitura de pamonha, dias de geada, também noites de lua deitada no pasto, abrindo a terra pra nascer e logo subindo ao céu como missão cumprida.
Ainda ontem...
Hoje ainda vivem em mim todos esses retratos, e por isso comemoro a vida que cresceu, o tempo que correu, enquanto permaneci um menino disso tudo, olhando o álbum que também me viu.

Casciano Lopes
Primavera de 2025
03 de outubro

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