26.9.16

Bem que podia se fazer bem feito

Vivemos num mundo

em que se comemora a morte do outro... é bandido
em que se agride a vida do outro... é pecador
em que se dilacera a história do outro... é imoral
em que se perturba o silêncio do outro... é incômodo


Mundo em confusão numa agitação de mundos

sentimentos torpes de uma humanidade falida,
perdida e desprovida de qualquer essência que cheire bem,
que queira bem ou que traga nas veias a corrente do bem...
do bem que um dia fomos e que trouxemos aqui para fazer.

Casciano Lopes

25.9.16

Do lado de fora

Quem mede a dor da ansiedade?
Da curiosidade que a porta de um consultório divide
Quem mede?
Da agonia que faz do acompanhante um paciente
Da intranquila pulsação que faz arrítmico um coração
Da falta de notícias que traz uma mente em corpo de boatos
Quem mede?
Quem faz dos céus um pequeno mundo e do chão um poço sem fundo?
As horas que se esticam e os ponteiros que perdem a calma explicam:
Que se do lado de dentro a vida briga com a morte
Do lado de fora a paciência briga com a sorte
E atrás de futuro...
...Segue ambulância
Conclui-se que a vida precisa ser tomada
Abrigada, acreditada
Então, tudo entra no compasso
O coração entra no passo
O céu ganha espaço e o chão vira mundo bom.

Casciano Lopes

Estrada 46

Ao passo
que já não posso...
Ao passo
que já não faço...
percebo mais acertos dados
nos andados passos
não à perfeição do que traço,
mas o são no traçado do laço
com meu espaço
...por vezes devasso
...por vezes embaraço
mas sempre
com largos braços
quando abro o compasso
que da vida abraço.

Casciano Lopes

Caminhante condecorado

Conheci alguns heróis na minha vida
e isso fez toda a diferença na visão que tenho
e na distinção que faço
entre caminho e pedra do caminho,
embora compreenda a importância de ambos.

Casciano Lopes

Note

Carregue no bolso um bloquinho de notas e dois lápis,
um sem ponta.
A gratidão é importante, tome nota.
As ofensas não merecem ser lembradas e caso tenha o ímpeto da anotação,
use o lápis cego... sem ponta,
afinal você não precisa desapontar-se com suas anotações.

Casciano Lopes

9.9.16

Braçada de alma

No abraço cabe muito mais do que sou capaz de segurar
cabe nele um braço de mar e todas as águas que puder me banhar
cabem ondas, cais e todos os ais que não souber relevar
...No abraço da alma,
eu sei que cabe.

Casciano Lopes

5.8.16

Sacro lar da palavra

Houve um tempo em que pensei ver meu livro nas vitrines das livrarias,
depois pensei em contemplá-lo satisfeito nas estantes dos amigos,
por fim acordei comigo que já seria suficiente tê-lo na minha estante,
um pouco mais adiante imaginei que bastavam os leitores virtuais e que fossem muitos,
aí me dei conta que uns poucos já justificariam a palavra e sua forma de dizê-la.
A poesia é a única que quando se refere ao ontem fala de tempos,
os meus, guardo-os todos,
com cada importância,
com cada ontem,
embora hoje ainda busque o tempo da palavra
no templo de um leitor.

Casciano Lopes

29.7.16

Mal e mau passado


Sobre a fome

Pense nos motivos para agradecer
e nas razões para fazer algo,
só assim um dia poderás dizer
que de fato viveu nesse mundo,
caso contrário,
só terá passado por ele
sem dizer muita coisa.

Casciano Lopes

22.7.16

Secreto bombardeio

...Das batalhas
que são vencidas diariamente
do lado de cá da trincheira,
só vestindo a farda pra saber,
já da guerra...
Todos ouvem rumores
e nem todos sabem dela.

Casciano Lopes

20.7.16

Moro onde moram os amores

Nosso bem querer tem capacidade de arquiteto,
feito projetista o coração constrói,
rua de casas coloridas com telhados avermelhados,
quintais esverdeados sem muros
e praças com seus bancos encerados...
Depois de tudo,
planta as pessoas amadas,
todas próximas umas das outras,
dividindo o açúcar
das paredes geminadas.


Casciano Lopes

15.7.16

Pátria amada

Ela finge gravidez pra furar a fila
Ele finge deficiência pra estacionar em vagas especiais
Ela comemora e esconde o troco a maior do bilheteiro
Ele comemora receber em duplicidade o pedido feito
Ela mente a idade pra entrar nos locais fechados
Ele mente pra conseguir benefícios do governo
Ela burla o sistema de ensino pra conseguir gratuidade
Ele burla as leis pra usurpar direitos de outros
Ela usa espaços reservados para idosos
Ele usa vagas e estaciona em locais proibidos
Ela desrespeita quando finge dor pra pegar atestado
Ele desrespeita quando dá a famosa 'carteirada'
Ela abre e esconde embalagens no supermercado
Ele esconde e abre em casa seus pequenos furtos
Ela ignora o farol fechado e a faixa de pedestres
Ele ignora seus pontos na habilitação e paga a fraude pra zerar
Ela camufla seu veículo detonado na vistoria
Ele camufla sua falta de conhecimento com 'cola' nas provas
Ela frauda a lista de presença das aulas e o livro de ponto
Ele frauda a seguradora e comemora o pecúlio
Ela fica feliz quando é promovida na demissão do colega
Ele fica nervoso quando isso não acontece com ele.
... Todos na passeata contra a corrupção por um país mais justo.

Casciano Lopes

Vítima de capitais

O homem com preguiça
acredita que a inveja
credita-lhe algum bônus,
ao menos no que se refere
à justificativa pelos pecados,
afinal comete dois.

Casciano Lopes

Veredito

Num tribunal onde a verdade vigore,
a mentira aprende rezar.

Casciano Lopes

13.7.16

A linha que não finda

Quando mudam os tempos verbais
E passado e futuro fazem do presente uma confusão de tempos
Quando o tempo fecha lá fora ventando pra longe o azul do céu
E nossa casa se perde no tempo sem saber se é inverno ou verão
Quando o tempo avança dentro da gente feito hora com pressa
E a gente sem tempo perde tempo tentando encontrá-lo
...É tempo de pausar tudo, de brecar nos trilhos o trem de ferro
...É chegada a hora de destruir relógios
E deixar que apenas a alma em tempo administre nossa ferrovia
Porque afinal e por fim, só mesmo ela entende de tempo.

Casciano Lopes

Multi

Eu posso entender a vida como única,
finda como finda um dia, o dia
ou posso entendê-la como fração
de um inteiro sem fim,
repleta de meios,
certidões de início
e de equações resolvidas ou não,
por fim.

Casciano Lopes

Dor[mente]

Na loucura da imaginação cabe tudo...
cabe a solidão e o medo dela
e até uma pequena cabana na beira do rio
com suas águas e peixes no cio.

Casciano Lopes

8.7.16

Com os anos

Entendemos que os dentes denunciam a nossa idade,
entendemos que os cabelos se não nos abandonam mudam de cor,
entendemos que cambalear não é mais apenas uma questão de bebedeira,
entendemos que a audição adquire a difícil tarefa de omitir sons,
entendemos que a visão recebe o dom de encurtar o caminho,
entendemos que as bolsas ao redor dos olhos não são mais sinônimos de baladas,
entendemos que as mãos reduzem seu poder de força,
entendemos que toda a pele se vinca em verdadeiros vales,
entendemos que a virilidade quando nos abandona nos deixa menos alegres,
entendemos as dores e inclusive lamentamos que a memória esqueça de tudo... menos delas... das dores.
No entanto, tão logo entendamos, precisamos adaptar a estrada,
colocar barras de proteção e sustentação por toda ela,
que essas barras [arrimos] tenham bases para suportar o toque das mãos que passam a ser leves e que o chão suporte os anos de um caminhar mais lento.
Que no intervalo entre o entender e o aceitar tenhamos aprendido a dizer sim mesmo diante de um não, que tenhamos de fato adquirido a sabedoria, sabendo que ela também pesa, porém, é o que nos fará levantar voo.

Casciano Lopes