Pé de quê?

A escolha das frutas,

que ao longo do pomar fazemos,
não tem o poder de adoçar limões

quando lidamos de perto com o limoeiro
e nem consegue azedar as tâmaras,

por se sentar nos seus bancos vizinhos.

Semear laranjas não nos torna cítricos,

é preciso esperar pra provar do fruto.

A escolha passa pelo tempo da paciência,

pelo sol que adoça a fruta,

pelo inverno que desacelera o fluxo.

Ora, se até o pomar tem que entender de ciclos,

também as consequências

precisam compreender escolhas.

Casciano Lopes

Carta pro amanhã/3 de outubro - 2022

Tenho memória boa pra falar desses 52 anos...

Mas prefiro deixar nos pensamentos que sabem dizer sem palavras.
Hoje, em 52 outubros, percebi que os anos só deixaram a certeza de que estamos escrevendo um livro e que, de fato, precisamos cuidar da escrita pra que no futuro valha a pena a leitura.
Os acidentes de percurso não mataram, fortaleceram minhas tintas e a saudade, que é tanta, hoje encaderna meu volume em capa dura.
Gratidão à poesia, companheira de minhas querências, que deu o tom e ao amor que confiou à mim todos esses dias musicados, de valsas tristes às alegres e crescentes óperas...
Tudo sempre foi um grande concerto pra conserto meu.
Graças pela vida

e por seguir escrevendo capacidades,

e dançando a festa de ser quem sou.

Casciano Lopes

Os lábios acordados

Que o ontem descanse,

nunca no rosto

pra que não durma

o sorriso.

Casciano Lopes

Um pé lá...

A calma que me procura

vive junto com a pressa

que me tortura,

elas convivem dentro

do meu jarro de guardar

esperas.

A pressa me acha fácil,

já a calma

precisa de minha ajuda.

Casciano Lopes

30 de setembro

Procura-se a primavera,

foi vista pela última vez

trajando canteiros ensolarados,

cabelos de ruas cheias de brincantes

e tinha nos ombros uma bolsa

de calçadas com gargalhas.

Paga-se bem...

Gratos à quem possa ajudar.

Subscreve:

a família das bermudas,

camisetas e chinelos.

Casciano Lopes

Um Egito aqui

Ilusão e realidade caminham numa mesma existência; na primeira construímos pirâmides de importâncias, no topo colocamos as pessoas mais caras e na base, pessoas escolhidas fazem vista e dão a ideia de solidez na vida... O tempo passa e na segunda, a pirâmide começa a ficar desfalcada, blocos inteiros são removidos, da base ao topo sem restrição e é quando como que por mágica aprendemos a nos colocar no topo da pirâmide pra que ela se sustente, mesmo que sem blocos inteiros ela se mantém como uma egípcia e aí descobrimos que o tempo inteiro éramos nós a coluna de sustentação e que como Gizé, a história se faz de pé, independente dos que se partem ou se deitam.

Casciano Lopes

Alvorada prorrogada

Até onde nos levarão as madrugadas espichadas com caras de corpo longo pelo chão?

Elas desfilam suas intermináveis vértebras feito um réptil atrevido, contando nossos casos como se não soubéssemos, enquanto que no sofá, de olhos esbugalhados, esperamos que a luz do dia se espreguiçe na nossa janela de estar pra que elas durmam.

Casciano Lopes

Eu anfitrião e convidado

A correnteza lavou as tintas,

levou máscaras que eram boas nos carnavais

e na mesa cheia a onda bateu,

lavando como a pratos a reunião minha.
Mas nunca foi sobre o que o mar leva

e sim sobre o que fica;

as águas não apagam a nossa luz

e é com ela que conviveremos,

pois é sob ela que postaremos nossa mesa

e nos sentaremos pra degustar a nossa verdadeira face,

onde somos o único motivo do encontro.

Casciano Lopes

Atravessa

Amanhã

há de ser o que tiver de ser,

de todos os passados dias,

nunca soube dizer o que seria.

A suspensa ponte não teria passos

se eles conhecessem sua leviandade

e a vida meus queridos,

é uma ponte,

onde a gente pisa

e corre mais do que deveria

e menos do que gostaria.

Casciano Lopes

Tum tum tum tum

Ainda que pareça coração,

elabore o som dos tambores,

armazene na audição a melodia

e segure nas mãos a cantoria...

Poderá ser uma tribo de Gaya

te chamando pra festa,

por isso confundimos com coração,

porque ele também é batida de encontro,

de você com você mesmo

na aldeia da Grande Mãe.

Casciano Lopes

Então é morar

Posso querer fazer a chuva subir a ladeira,

assim como posso esperar que o fogo

refrigere a morada.

A tendência das coisas obedece suas leis

e o indivíduo só precisa querer conhecer

seus próprios limites,

assim não carboniza a alma

e nem encharca a rua em que mora;

subida ou descida.

Casciano Lopes

Arranque batentes

Embora a gente bata a porta e bloqueie a entrada às angústias, algumas insistem em usar as brechas, nestes casos recomenda-se inutilizar a passagem.

Um pouco do cimento da força de olhar e nada falar, misturado aos tijolos da resiliência será mais que suficiente para a alegria ficar e tornar a dúvida uma certeza permanente... De que tudo muda o tempo todo; mudará.

Casciano Lopes

Um ponto e um movimento

No populacho...

já fiz avenida;

até dormi em algumas.

Já costurei o trânsito da circulação

e hoje sei

que os carros mudam seus modelos,

mas não modelam o homem em seu asfalto.

Casciano Lopes

A promessa e a graça

Amando quem me ama

foi que entendi

o grande milagre da vida

que só vive aos beijos com o tempo.

Casciano Lopes

O tempo dentro dos braços

Quando a gente se despede do que passou,

o que virá trará o que também passará;

só que teremos aprendido sobre abraços.

Casciano Lopes

Farol de prontidão

Quando um abraço perde o seu aperto,

um cheiro bom tem no vento seu aroma em despedida

e um enccontro deixa de ter relógio pra marcar a hora...
É quando os olhos tomam o pulso

e começam medir a intensidade das sensações

zelando por cada ponteiro do pensamento;

disse o olhar.

Casciano Lopes

Paralelepípedos

Até hoje,

quando dói a calma

e desassossega a paciência minha,

procuro cantos

que saibam falar com meu medo,

vidas que moram sem a pressa

dentro da mesma carruagem que eu e que,

às vezes,

canta assombros com suas rodas rústicas

em minhas costas brutas.

Casciano Lopes

Portinhola de treliça

Foi sempre acreditando na confissão

que me postei confessionário,

ouvinte atento e que sabia confessar,

assim que dei conta das penitências.

Casciano Lopes

Avistada

Quando procuro gigantes ao meu redor,

não é intenção me acomodar em seus ombros...
É poder olhar mais longe,

enxergar mais quintal de mundo

quando o meu tem a pretensa ideia de ser pequeno.

Casciano Lopes

Força rolada

A pedra que nasce na calçada

e muitas vezes morre

numa topada de gente desatenta,

não previu a sina,

nem ensaiou a cena

e tão pouco sonhou seu fim.

São caminhos,

existem os que nascem

ou morrem neles e deles,

brotam bruta pedra,

flor, distraídos,

incomodados e nem tanto...

Porque é caminho

e pra isso serve,

passar pra que outros

por eles passem.

Casciano Lopes