O que me atravessa, que me cruza fora da faixa de pedestres, que buzina às vezes antes do horário de pico, às vezes depois das horas cansadas, não são pessoas ou carros, nem bichos ou carroças da carga suada...
São as avenidas que asfaltaram sobre minhas costas, impermeabilizando meus poros, impedindo tantas vezes o arrepio, quando cai uma gota no meu chão... de suor ou lágrima.
A melhor fase da vida não é aquela em que a conta bancária está saudável, em que a saúde do corpo preocupado agita uma postura de passarela, nem aquela em que o luxo embala a diversão, muito menos, a que as relações custam o destaque das tais posições sociais...
Bom mesmo é a fase em que, independente de tudo isso, em que apesar das fragilidades impostas ou conquistadas, das mazelas e infortúnios, ou das aparentes irregularidades do tempo... Não se perde a capacidade de ser feliz.
Um ser despreocupado com 'o ter', conseguirá aprender e entender que o bem precisa encontrar morada no íntimo da vontade e, antes de tudo, saber que o mal existe e pode acontecer, ele não deve ser planejado.. Essa é a melhor fase, onde entender os processos da vida, está além de manter um corpo e sua aparência, está na evidência de saber o tempo como o bem mais caro e que nós humanos passamos por ele pra reverência, aprendendo e ensinando sem cobrar um lugar de chegada, porque somos lugares e a entrada precisa ser franca.
Do caminho rude, aprendi que tudo é caminhada e quando a estrada se mostrou amigável, fiz amizade com ela e no trecho íngreme, ela própria, com sua experiência de lembrar, me ofereceu chão, e eu pude então, com maior resiliência aceitar os seus aclives e declives, sabendo todo o trajeto que vim pra cumprir, pois não há destino em meia jornada e se o caminho começar em mim, eu me encontrarei no percurso e ficará mais fácil ceder os pés pra encontrar.
Eu precisei entender minha mesa interior, aprender do sagrado momento, compreender de arranjos e enfeitar o ambiente interno como quem decora um espaço de templo, pra só depois, colocar flores em minha casa e servir vasos em sua mesa.
Do lado de dentro, naquele interior desconhecido, naquela montanha cobiçada pelos alpinistas, existe um apelo, feito jarro pedindo arranjo, feito chão querendo brotar.
Existe uma história querendo ser contada, querendo contar além de batidas na porta dos fundos.
...um segredo querendo ser sabido, um espremido desejo procurando ser sentido. Ser explicação na combustão da vida pra que não se perca o destino nas mãos, pra que entre pela porta da frente, a emoção em forma de coração.
Eu preciso, todo dia, me espantar com quem acorda dentro do meu corpo, careço andar por minha rua como numa primeira vez, sofro necessidade de água, alegria e até melancolia... e só entendo as janelas inertes, porque são elas que busco pra saber que amanheci.