26.2.14

Ribonucleico

Quando os ossos desconfiguram-se
Desmontam-se e de esqueleto perde a forma
E já não mais sustentam carne, nervos e veias
Se guardando em caixa, mesmo que em cinzas
Ainda distingue-se o DNA
Por alguma razão a eternidade afirma-se
Assim como o sentir que o fogo não lambe.

Casciano Lopes

Como se possível fosse

Vou ali...
Disfarçar com goles de canções antigas
Uma dor que a falta constrói
E já volto... quando tiver aprendido
Desconstruir ausências edificando a mim mesmo.

Casciano Lopes

Na minha gaveta

Mora uma estrela, grandezas
Vive um mar, pérolas
Brotam açudes e rios
...E guardo dobradas
A calma da floresta
E a cantiga da chuva
Tudo em meu silêncio sem grito
Ou nos uivos de meus ventos contidos...
Engavetados.

Casciano Lopes

Proferir

A espingarda com seus tiros, acerta o alvo visto
A palavra com seu fio de corte, sangra o que não se avista...
Um indefeso
O menino que todo homem possui.

Casciano Lopes

19.2.14

O menino que conheceu terreiro

Lá em casa chamava-se terreiro
Nele, era a paineira que fazia a sombra
E de barro era o forno plantado nele

Pão caseiro, folha de bananeira
Pé de urucum, goiaba e amora
Torrador de café, pilão
Moinho, rastelo e vassoura de palha

Burquinha correndo na terra, pião
Cavalo de pau, sabugo de milho
Bola de meia, pega-pega
Esconde-esconde e passa-anel

Lata fervendo, batedor de roupas
Comadres de prosa no poço, cachimbo babando
Quiboa que alveja, a grama que quara
Cerca farpando os remendos que secam

Cigarra esganiçada, bambuzal que não quebra
Feixe de lenha, poleiro, galo cantador
Porco na lama, ovo no ninho
Moleque esperto e frango gordinho, disputando a vida

Fogueira, sanfona e cantoria
Sapo que desafina, cigarro de palha
Lamparina, toco de vela
Grilos combinados e pirilampos desocupados

Borrachudos atrevidos, tapas e pegada de mão
Donzela de vestido de missa, rapazote de chapéu panamá
O pai que vigia, a mãe que cochicha o caso que conta
Dedo de pinga e lua no pasto... num cheiro de dama da noite

Tudo coisa de terreiro
Meus quintais o tempo inteiro.

Casciano Lopes

11.2.14

Compactante

Um instante, é tudo que temos
Nele, cabe horas e todo o tempo
Cabe naufrágios e sobreviventes
Ele, instante que é, dita o sentido
Nele, cabe a estrada que sabe caminhos
E quem por um instante se empresta
Cabe todo.

Casciano Lopes

6.2.14

Humanoide

Todavia para ser humano
Deverás lutar todos os dias
Contra a própria humanidade
Para fazer valer tua condição humana
Porque esta, é desconhecida de teu grupo.

Casciano Lopes

Aos que Divinos são

Meus Divinos são de carne e osso como se não os fossem
Sofrem, sem banhar em lágrimas a estrada alheia
Plantam mudas, que em silêncio transformam-se em grandes árvores
Onde se abriga o pedinte e o que não balbucia nem mais uma palavra

E quando, Divinos que são, sorriem ou abraçam, cabem em seus motivos
Uma multidão de carências e outro tanto de gratidão
Aos que Divinos são.

Casciano Lopes

5.2.14

Espaço, velocidade e seu homem

O tamanho da ladeira é proporcional ao da canseira do homem
E a velocidade com que ele caminha está intimamente ligada
Com a vontade do que busca ou com a recusa do que foge.

Casciano Lopes

Eu queria saber voar

Não sei...
Sempre achei que além
Das impuras correntes de ar
Vivesse outra parte de mim
Enquanto aqui só mora
O que me faz aquém
Eu sei...
Hoje que busco o que sabe planar
Eu sei.

Casciano Lopes

O pior trânsito

Não são carros enfileirados na horizontal
São mágoas engarrafadas na vertical
E o motorista podendo ser alado, viver calado.

Casciano Lopes

Fim do findo

Finda o homem
Se finda a liberdade
E o fim do mar
Faz finda a estrada
De quem não sabe nadar.

Casciano Lopes