17.10.10

Pergunta ao mundo

Quem é essa pressa
Que atinge os dias?
Quem é a febre
Que deixa acamado os seus meninos?
De que é feita a carne
Que nasce feroz dos mesmos úteros calmos gerados as madres?
Quem é a cor marginalizada
Que bate e apanha para sobreviver?
O que corre nas linhas imaginárias
Que dividem os países que alguém imaginou?
Quem é essa guerra santa
Que trucida um olhar refugiado indefeso?
Quem manda que o pão nasça crescido além do rio
E que a massa seja diminuída sem qualquer fermento do lado contrário?
Na contramão de que sonho?
Que medo é esse
Que dorme e acorda falante aos nervos do que já não repousa?
Quem é essa dor
Que conduz os poemas dos poucos leitores?
O que manda
Que façam apaixonadamente o mal os que se elegem pelo bem?
Por que vivem calados os calvos e grisalhos nos balanços das varandas?
O que se perdeu na construção?
Será que foi nas reformas?
Nas demolições?
Quem é esse dia que me aflige?
- Socorro...
Gritou um aspirante a cidadão
Agora um expirante... expirou.


Casciano Lopes

Quando ele chega

Ontem... Quando a noite passou
Deixou na minha janela um frescor
Aroma desconhecido do olfato
Sabido apenas por meus pensamentos secretos
Por meu desejo escondido
Veio fagueiro no peito um bate-bate calado
Um inquieto pulsar
Na mente um cheiro deitado
Acomodado na vontade de tudo mudar
Veio de mansinho feito anjo
De voz doce acoplando aos ouvidos
A curiosidade das verdades
Da pele tocar, de lábios encontrar
De olhos ficarem juntos
Contando e cantando seus mistérios
Veio musicando minhas letras
Bailando meus salões
Restituindo minhas obras
Veio todo poeta como poesia
Escrevendo como há muito não se via
Dilacerando e levando pra longe
A dor que tanto doía
O coração já largado
Ditou as receitas da graça
Todo iluminado deixou o corpo guardado
Já se vai a saudade
Pintando de claro as horas
Tornando-se em alegria
Chegando em vôo a carta
Do pássaro em tom raro
Quase extinto
Quão doce
A voz cara do amor
Teu gosto em ninho
Tua colméia em flor.


Casciano Lopes

Persona Conquista

A conquista é aquela pessoa
Que quando chega muda tudo de lugar
Arranca a peneira da visão
Modifica o inverno
Aquece as estações
Patina a mobília
Deixa arte nos portões
Candelabros seculares
Peça mais cara da exposição
Composição de um hino
Bandeira do telhado
Que faz do dia
Um eterno memorável.


Casciano Lopes

Que se componha

Que mude a casa de lugar
Mas que o cruzeiro aponte sempre a direção
Que vire homem a mulher
Mas que permaneça a liberdade do amor
Que soprem as brasas do fogão
Para que se mantenha o calor do semelhante
Que a reza esquente os desprovidos de fé
E que o mantimento reparta o riso
Que a vida venha como foi feita
Simples e espontânea
Que nasça das mãos como veio de Deus
Com perfume de anjo, com travessuras
Que os dias tenham o descanso necessário
Que venham estrelas nos travesseiros da noite
Que nas manhãs brote firme um coração
Apaixonado pela vida
Que por tão simples...
Tão preciosa ressurge.


Casciano Lopes

Face dele

E todo meu orgulho no teu corpo se perdeu
Toda minha raiva em teus cabelos se escondeu
Busquei e não encontrei... Perdi as sobras do meu eu
Farelos eu juntei, não deu receita e doeu
Quem sou já me esqueci, perdi a fé e virei ateu
Sorriso se desfez, mudou a face, sentimento ensurdeceu
As pernas ralentaram, o cabelo embranqueceu
Joguei... Perdi aposta e a lembrança feneceu
Eu
Eu
Passado que não cura
Já morreu.


Casciano Lopes

14.10.10

Mais um dia

Amanheceu ensolarado
Estendido no sol ainda frio
Numa cama largada ao espaço
Abandonado às correntes de ar
Matinais... o frio, o café e o homem
Adormecido querendo acordar
Levantar enquanto esquenta
O tempo, as idéias e o motor de sonhar.


Casciano Lopes

11.10.10

Santana de Parnaíba



Tuas ruas e casinhas
Coloridas como em guache
Céu azul e praças
Em cores não há quem ache

Coreto e artesanatos
Pintando o sonho da gente
Bandinhas e a matriz
Rezando o tempo corrente

O Bartolomeu e teus bares
Teus tapetes e museu
Drama da Paixão, teu teatro
De um Cristo que não morreu

Os bonecos gigantes alegres
Teu carnaval de rua brincante
Corre por caminhos de Tietê
Não leva teu natal cantante

Coloridos em movimento
Tua gente guardada em mosaico
De história toda embalada
De passado sem ser arcaico

Vão-se os anos de teus mapas
Permanece calma a beleza
Que se avista lá da ponte
Dos alpendres da realeza

Dos telhados avermelhados
Avista-se tua planta
Uma Sant'Ana de Parnaíba
Feita com coração de Santa.

Casciano Lopes

6.10.10

Um quarentão


Passaram-se os anos...
Ficaram adolescentes...
Os anos
Jovens
Adultos
Maduros
Os anos...
Enquanto crescia
Não via
Não podia
Enquanto crescia
Os anos...
Eu já amadurecia
Rápido demais
Aos quarenta hoje
Tento ser a criança
Que não podia
O adolescente
Que sempre fugia
O jovem
Que inerte dormia
Lutando
Para que aos cinquenta
Me lembre dos quarenta e poucos
Com delicada memória
De um tempo sem fugas
Sem rabiscos com riscos
De arriscados telhados
Atiro-me hoje
Amanhã nadarei
Nada sei
Ainda saberei
Que saibam todos
Nasci ontem
Aos quarenta
Se morro...
Não sei.


Casciano Lopes