24.10.13

Escrevo

Não sei se chegará ao destino a tal carta
Todavia peço que com todo zelo não a amasse
Procure não colocá-la no bolso para não molhar as letras
Quem sabe assim chegará ao seu destino ainda perfumada
Ao menos da tinta fresca resguardada
E meu gosto caligrafado sentirá perfumada as mãos do receptor

Não sei se o encontrará em bom estado e conservado
Mas ainda peço que apresse os passos
Que se possível antecipe a entrega
E se ao bater palmas a porta não se abrir
Tem minha permissão para rasgar o portão

E em posse do presente
Apresente ao passado minhas letras
Espere para que leia antes que morra
E me traga notícias enquanto vivo.

Casciano Lopes

Maltratado sem fala

Não posso fingir que não vi
Porque senti o grito
Não sabia falar e falou por mim.

Casciano Lopes

Crista do choro

Sim eu choro,
sou como o galo.
Ah!
Ele não chora?
Mas juro que já o vi soluçar.


Casciano Lopes

Não é permitido parar

Beira de estrada
Não é lugar

Nem caminho é

Nem é mar
O que se forma sem salgar.

Casciano Lopes

Cir[senso]

O circo é o mundo como deveria ser.
Na verdade,
um protótipo que nunca foi levado a sério.


Casciano Lopes

Paraná


Claridade no breu


Anjos


Riscando-se do mapa


Interplanetário


Atavie


Pressa da hora


Poesia na estrada


Inda assim


Ainda trago comigo


Foco


Espacial vontade


Costumeiro sabor


15.10.13

O que posso é meu dever

Eu posso abster-me da maldade, da equívoca lealdade que estipula parâmetros. Posso renegar a existência do mal embora o contemple de minha janela. Posso avistar o caos e impedi-lo de fazer morada em minha casa.
Creio não poder ignorar a convivência forçada, ainda assim, posso tentar.

Casciano Lopes

Estações não findas

Um dia
o trem que mira as estações,
encerra seu percurso e guarda seu sacolejo.
Enquanto isso,
ainda esquenta os trilhos e rebola feito vedete
seu corpo longo entre uma e outra paragem,
trazendo dentro de suas portas um tanto de homens passados
e quando pára, engole outro tanto de homens presentes.
A vida segue com o trem, de tudo...
só ficam as estações.

Casciano Lopes

Terminais

Quando o guarda já não guarda coisa alguma
O dependurado relógio não registra passagem, nem passageiro
E a mulher sentada das escadas envelheceu e virou lembrança
Será que enterraram o tempo ou demoliram o observador?

Casciano Lopes

13.10.13

Sou do século passado

Quando a cadeira se movia para receber a dama
Quando a porta se abria no automático da mão gentil
Quando um 'com licença' não tinha nome de 'empurrão'
No século passado...
Os carros paravam sem pressa para passar o caminhante
Carteiros aos montes empregavam-se... notícias em envelopes
Declarações, pedidos de namoro e notas em tinta fresca
Sou do século passado...
Quando os laços eram fortalecidos no pedido de benção
E abençoados... acreditem! Conhecia-se a força da palavra
Onde mãos dadas e um olhar sem dizer... dizia tudo
No século passado...
Tão pertinho de hoje embora tão distante na lembrança
As canções roucas das vitrolas embargavam a voz na emoção
Porque falavam da pureza e simplicidade, que ficaram lá...

No século passado.

Casciano Lopes

10.10.13

Quisera eu

Impregnar-me entre as linhas brancas de uma folha
Depois dobrá-la e despachar-me... despachá-la...
Rumo aos anéis em um avião monomotor
Piloto automático, sem recado ou tinta fria
Quisera... senão pouso, decolagem.

Casciano Lopes

8.10.13

Vésperas de um homem

Uns dias mais velho
Uns cabelos mais brancos
Uns motivos a mais para continuar...
O mesmo homem que não pode parar.

Casciano Lopes

Nunca é tarde para:

Impedir uma pedrada
Recusar a força bruta
Desviar-se da hipocrisia
Zombar do egoísmo
Descartar a prepotência
Afastar-se do fanatismo
Repelir a indiferença
Abominar a avareza
... Fazer-se humano

Já é tarde se não acreditar.

Casciano Lopes

Esboço

O que me define é só o que falta
indefinido
O que foi feito definiu
tempo passado
E sou feito de futuro
De amanhãs.

Casciano Lopes

Ontem

Eu pensei que podia suprir do mundo a necessidade
Pensei que podia suprimir da terra a carestia
E até pensei poder dar ao cativo a anistia
Hoje mais violentado pela densa e tortuosa cidade
Penso em rebeldia
E que é a teimosia que finca meus pés na ventania
E que o que pensei faz a diferença no custo de minha idade.

Casciano Lopes

Recusa à forma

Eu não vou pedir em súplica
tão pouco desenhar em métrica
o que me pertence e me rubrica
e que concede a ética de minha
estética.

Casciano Lopes

Em juízo

O pensamento toma o tempo
O tempo se empresta ao pensamento
E eu nem discuto.
Um justifica o outro
E se existo...
Devo ao tempo
Assim penso enquanto penso.

Casciano Lopes

Amanheça

E se eu dormir chovendo
E acordar anoitecendo
Não fique entardecendo...
Junte-se ao meu dia
Que já vem amanhecendo.

Casciano Lopes

Amor elevado ao quinto elemento

E se um dia meus picos se dissolverem aos teus pés,
a minha sarça arder e vulcanizar tua terra
e meu mar se converter em praia por tuas passagens,
será só mais uma manifestação do grande motivo de ventar
aos quatros cantos, intempestivas formas de falar de meu amor.

Casciano Lopes

Lúcida vida em mundo de fanáticos

Enquanto muitos dormem em uma verdade analfabeta,
a luta continua por manter olhos abertos em busca do desconhecido.

Casciano Lopes

Minha exata lei

Exceto na matemática, todas as fórmulas são fajutas.

Casciano Lopes

Acabrunhou-se?

Por onde anda a coragem do homem de bem?
Estaria envergada atrás da corcunda do medo
ou fundiu-se à covardia do mal?

Casciano Lopes