27.8.13

A espera

[Nos guardados de 2007]

Vem ver o que mora no meio
Na divisa do eu... ponteiros

Entre e descubra que o tempo
Não passa de um encaixe quieto

Perdoe se aos gritos um afoito milésimo
Correr sem compostura aos teus pés.

Casciano Lopes

Orla

[Guardado desde 12/11/2007]

Ai que já avisto o mar
Já percebo uma cor azulada
Subindo numa maré encharcada

De tanto entardecer olharado
Acastanhou-se a vista
Depois que pus vistas ao mar.

Casciano Lopes

O que a Bahia tem

[Nos guardados de 2007]

A brancura que amorenou
na melanina de Caymmi’s
dançou o corpo e cantou
Nana’s, Dori’s e Danilo’s,
numa nota só
Dorival.

Casciano Lopes

Intempestivo

[Nos guardados de 2007]

Tanta areia restou depois que a água passou!
Vasculho e encontro nas raízes do verbo que comi ontem,
as respostas do que recitarei amanhã,
nas frases que se diz depois de uma tormenta.
Inda que me custe, de novo as ditarei.

Casciano Lopes

Incitamento

[Nos guardados de 2006]

Carcereiro
Detento
Cárcere
Detento
Intento

Tento
Lamento
Detento
Desapontamento 
Julgamento

Aumento
Juramento
Detento
Abafamento
Pensamento

Detento.

Casciano Lopes

Impacto

O triste divide a tela
Não fora assim
Não seria tão bela.

Casciano Lopes

Compacto

[poema encontrado nos guardados de 2010]

Vejo no espelho ainda intacto
Cada pacto que fiz no abstrato
Cada traço que não copiei

Cópias guardadas onde não sei

Vejo no espelho o que aprendi
Dentro e fora do que esqueci
A marca do dia e da partida

Passagem que não é mais refletida

Vejo feito a melodia invernada
Que em minha pele anda internada
Palavras agudas e de um intenso tal

Que trinca e despedaça o eu cristal.

E se corta ou vira arte?
Remonte e pergunte
Ao que não parte.

Casciano Lopes

À capela

Hoje sigo por madrigais
Em busca dos canteiros
Que se escondem lá
Onde já não há quintais

Já conheço os temporais
Ainda assim eu vou partir
Vou pedindo pra ficar
...Mas atendo aos roseirais.

Casciano Lopes

Yvi

16 de agosto/2013
[À bebê que se acalma ao som de: "É isso ai" de Ana Carolina.]

Eu que de pequena
Só a medida
Que de recém
Só a chegada
Que de alegria
Toda a nascida
Que de futuro
Toda a jornada.

Que entre todos e tantos
“Francisco’s e Suellen’s”
Pude escolher meus encantos
Esverdear meus ‘edens ‘.

Que tenho no nome ‘Hera’
De origem britânica
A força da primavera
Uma bela da botânica.

Que de calma só a canção
De preferência só a Ana
Que nina feito oração
O coração que já ama.

Que conheço o vendedor de flores
Peço que reparem na lua
Que ensina escolher seus amores
Porque a vida continua.

Sou Yvi Sato Luna
“É isso ai, eu não vou parar de te olhar”.
Prefiram os milagres que as maldades.

Casciano Lopes

25.8.13

Con[decorada]

Era uma casa pequena de pisos e azulejos antigos, uma porta, uma janela, um vitrô e um basculante alto. Um portão da casa de fundos.
Era sem 'águas', de escada poucos os degraus, de arejado só o pé direito alto da meia parede de azulejos vencidos e do ar nitrogenado.
Era de lembranças cada taco, despregado do tempo já sem cera e costurado ao quadrado de dormir por onde em sanfona se abria o acesso ao cumprido canto de banhar de tão suados azulejos.
Era idosa a campainha, que anunciava vaidosa que na rua alguém parava em frente ao portão, desejando passear por caquinhos de azulejos pregados ao caminho, vulgo corredor que vai ao fundo...
E no fundo, a casinha dita [era], desmonta seus azulejos, faz as malas e faz viagem, no caminho cresce e já dispõe de presente...
Cabe sonhos, novidades, pequenas necessidades e nobres azulejos.

Casciano Lopes



Publicação de nº 600

23.8.13

À dama felina

[Para Soraya Vasconcelos - A pedido]

Os olhos lembram o passeio felino 
e o passear
A sagacidade desbrava as matas
e o desmatar
A astúcia ingênua a difere da fera
e a faz rosnar
Enquanto as unem a beleza astuta
que faz calar.
O caminhar por entre o medo camufla
mas sabe arranhar
E no medo embrulha seu próprio andar
um desfilar
Pintas que pintam o ser que encanta
...encantar
Também amedrontam quem não sabe
...não sabe pintar.
E o silêncio em rugido que faz tudo calar
sem poder controlar
Já sabe gritar...

Casciano Lopes


De sanidade uma beira

Posso fundar minha pedra na ira,
que mira incerta e mirra a oferta
Posso reclamar da tempestade
que à imensidade traz sonoridade
Posso estapear com covardia,
a valentia faz jus à teimosia
Posso apelar ao sagrado,
ao pregado calado elevado
Posso enlouquecer na direção
e se morrer na contramão
que seja de poesia
da vida inteira,
que me fez são.

Casciano Lopes

22.8.13

Agradecimento

Os amigos conhecidos
e tantos desconhecidos
moram nas jóias que conservo.

Guardados no mar que acredito
Escondidos nas conchas
da alma desse poeta que navega.

Casciano Lopes

Ser sonoro

Todo sino
tem seu tempo
todo tempo tem um sino
todo sino sua sina.

Casciano Lopes



Sobejo

De remanescente quero o poético ser
da poesia a razão para viver sem pressa
percorrer sem dor
cada linha
cada tinta
e cada homem.

Casciano Lopes

21.8.13

'Lataço'

Lata cheia não faz barulho
Se há estrondo na cidade
É porque ela está cheia
de vazios.


Casciano Lopes

Sem salvação

O grande pecado do fanatismo
É pensar que encontrou a verdade absoluta.

Casciano Lopes

Pé de quê?

É
um
de
letra,
colha
poesia.


Casciano Lopes

Das escolhas

Escolhi o simples, o trivial, a visão mais holística do mundo e das coisas, o olhar mais atento às pequenas cenas, o carinho ampliado aos seres vivos, que a vida toda estiveram ao meu lado e que tantas vezes passaram despercebidos: os que voam, os que não falam, os que são verdes, enfim, os visíveis e os invisíveis, os que calam à espera de voz.

Escolhi viver mais plenamente o amor que tenho ao lado, a razão de tanto riso e de tanta paz na vida, juntos em mais uma passagem, em mais uma missão, almas gêmeas, mestre e discípulo se alternando. Escolhi a sorte rara.
Escolhi a poesia, como a fonte que mata a sede, minha estrada que guia, que faz da rua sem saída uma larga avenida, onde meu poema é palanque e onde as palavras que nascem, todo dia sufocam a agonia.
Escolhi há tempos e hoje compreendo: as luzes, cores e cheiros. Todo dia descubro que sou rico do que me cerca, os cheiros com suas personalidades marcantes, as luzes com suas certezas vibrantes e as cores com suas vontades impactantes. Todas essas escolhas hoje me definem.
Agora descobri que não precisava de tudo, de tanto, de mais... era demais! Passei a vida criando necessidades e gerando expectativas, quando na verdade, tudo o que necessitava já o possuía desde o primeiro momento, e hoje, só lamento a demora do descobrimento, mas como é dito: tudo a seu tempo.
Escolhi seguir outros caminhos, onde o que é voluntário tem mais de humanidade do que o que é exigido, cobrado, imposto, requerido. Nunca fui a favor das imposições e das contrapartidas, mas percebi tardiamente que muitas vezes cedi aos seus caprichos, não mais! Não quero e não vou tolerar o que não acredito, suportar o que me custa um sorriso hipócrita, aceitar o que me descompõe como homem de bem, permitir a frase: 'você me deve isso'. Não devo nada! Assim quero passar os anos futuros, sem dívidas, sem demagogia, tendo ao lado apenas o que impulsiona a evolução, procurando somente o que vibra o bem, porque o mal... não preciso procurar.
Escolhi a quietude, ela é mais conselheira. Descobri que muitos círculos eram em função do que se proporcionava dentro deles e que tantas vezes, o que mais importava era excluído da circunferência. Hoje eu não posso mais calar uma dor e nem omitir uma insatisfação, porque o que aceitei tantas vezes num silêncio franzino me corroeu dias inteiros e o corpo sempre pagará a conta por [aquilo que se aceita... mas não devia].
Entendi finalmente, que enquanto divertia aos outros minhas expressões engraçadas, ainda mais passageira se tornava minha alegria interna, porque o melhor e o pior de mim, sempre era suprimido.
A franqueza me obriga responder a pergunta:
- Nada será como antes?
- Não, não será.
Vivemos em sociedade, em círculos, seios familiares e outros, porém as escolhas são individuais, cada qual traça seu caminho, sua jornada, pautadas no que acredita.
Eu fiz a minha escolha: a essência do que é de verdade, o que não é passageiro e levo apenas o que necessito, nada além! Nada que me provoque cortes, ao menos sem minha permissão.

Casciano Lopes