29.4.22

Confessionário

Que nos perdoem a chuva que lava pecados e o vento que carrega ofensas.
Pecamos não quando descumprimos um conjunto de mandamentos erguidos por homens ou quando burlamos seus dogmas.
Pecamos quando as regras que alguém construiu se adonam de nossas metas e comem nossas possibilidades de liberdade e nem percebemos ou preferimos não perceber; que viemos pra exercer o nosso querer e nos sabotamos, pecamos.
Pecamos quando negligenciamos nossa humanidade, quando deixamos passar um fim de tarde sem aplausos, quando rompemos com o nascer do dia em detrimento da preguiça oferecida pelo quarto escuro, quando fugimos de um abraço alegando agenda cheia, quando nos entupimos de 'agora não posso' pra justificar o não conversar com um desconhecido, quando nos negamos ao ócio.
Pecamos quando cerramos os lábios pra não escapar um riso bobo, quando não temos tempo para ter tempo: de ir ao parque, à praia, ao orfanato, ao rio que corta nossa cidade.
Pecamos quando deixamos a vontade passar: de tomar um sorvete, de comer um pão de queijo, de experimentar um novo vinho. Pecamos quando não queremos conhecer o vizinho, quando a criança com fome da rua ganha a frase de nossa consciência: 'É filha de outro'!
Pecamos quando a feira é sempre longe pra justificar nossos enlatados, quando a audição está sempre surda se alguém precisar de ouvidos, quando o colo está sempre ocupado e os ombros com pressa se 'o outro' precisar de abrigo.
Pecamos quando nos esquecemos de que somos divinos, quando perdemos nossa sacralidade em favor da bestialidade, quando deixamos de ser capela que acolhe pra ser viaduto de desabrigados.
Pecamos... Que nos perdoem as árvores que mesmo assim, sombreiam nossa egolatria.

Casciano Lopes

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