3.12.24

Trocamos olhares

Acho que fiz o curso de cabeleireiro só pra cuidar dos cabelos dela.
Me formei em 2010 e foram 10 anos cuidando daqueles cabelos...
Ela nunca tinha ido a um salão, feito um penteado ou coisa assim.
Por uma década, pintei, hidratei, cortei, escovei, fiz penteados que nós dois amávamos os resultados.
Tivemos muita prosa naquela cadeira, no tempo das colorações. Muita troca.
Em 2020, quando já não mais pintava seus prateados fios, fiz seu último corte... me permitiu cortar bastante além dos poucos centímetros de sempre. Concordamos em fazer um 'batidinho na nuca', vulgo 'escovinha', pra não precisar raspar por conta do processo quimioterápico; ela e eu nos doeríamos sem medida e além da causa, dado o estado dela, acordamos manter toda a nossa cumplicidade naquele último corte.
Dessa vez não trocamos uma única palavra, apenas consentimentos.
Fiz com ela ali uma viagem ao passado, devolvi aquela imagem da mãe de minha infância, de cabelos curtinhos e vaidosa... quando terminei o corte, levei a cadeira de rodas dela diante do espelho e, ali, nos olhamos profundamente nos olhos refletidos e nos entendemos mais uma vez. Depois disso tivemos poucos últimos olhares de um pro outro.
Mãe... de lá pra cá, nunca mais cortei um cabelo.

Casciano Lopes

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