Quando o vento dobra a avenida e seu frio lambe a calçada não me resfrio, coloco a garganta no varal e espeto o coração no meio-fio.
...Sai o sol,
tudo é estendido e aquecido, até o asfalto me molha com seu suor e fica entendido que a lua não parte
e se me parte...
Tem a clave dependurada na fiação, aquecendo as vocais empoleiradas e se acaso chover, brotam vogais das corredeiras nuas, o peito vira jangada onde palavra não é coisa emprestada.
O que lida na lida da vida, que faz do hoje hora medida e do ontem página lida, o que faz da manhã nascida nova partida, nova avenida não passa como folha corrida vira sentido, lápida e contrapartida ...quando a noite é cumprida.
As marcas do colarinho não me deixam mentir, nos desfazemos ao longo dos dias. Células morrem, envelhecem. Dentes afrouxam, caem, saem de si. Neurônios embebedam-se e hormônios... hum, flutuam, desvirtuam-se do eu, perdem a pose. Há uma coisa na contramão de tudo isso, as histórias que vivem dentro e que a cada dia ganham a beleza do rejuvenescimento.
Que o hoje é só o que tenho. Que quando me olho no espelho e ele sorri é porque como o ontem o outro se foi, de novo temos que ser apresentados.
...É apenas um sorriso de boas vindas.
Que o cara de ontem assim como o passado não me pertencem e que por mais que eu tente e por mais que eu queira me livrar da dúvida, ela é a única certeza quanto ao amanhã... Incerto.
Se não puderes me comer de garfo e faca tens minha permissão para lambuzar os dedos prefiro o tanque dos guardanapos melados que a vitrine de exposição (só beleza sem sabor).
Há momentos em que não caminhamos porque não temos sapatos Em outros não corremos chão porque alegamos uma dor nos pés Agora tem aqueles momentos em que faltam estrada ...Nesses momentos geralmente calamos Se falta base para plantar os pés, sobram palavras na boca muda.
A mesma carência de que sofre a árvore Faz agonizar a pedra sem limo Embora o colibri que voou do ninho Deixou recado com a pedra do caminho ...Diga que volto... E a pedra por um segundo percebeu-se arrimo.
Não me bateu à porta a poesia formada de formas e adornada de palavras difíceis, se quer tinha embaixo de seus braços um canudo; porém quando escancarei a porta dei de cara com um amontoado de cacos trazidos pela ventania e embora eu não fosse de olaria, aprendi juntá-los no que dizem ser poesia.
Desde então, exponho os vasos e jarros em prateleiras, quem quiser leia-os e quem não... quebre-os, uso cacos.
Ao amor deve-se a latitude de um coração e a longitude de um olhar comprometido, quanto às cartas de navegação, digo que traçam-se sós e isto não é ônus, é bônus.
Ele desceu correndo a rua de casa Esbarrou na mulher feia Tropeçou no bêbado Rolou por sobre o sem teto Fugiu do cobrador Estapeou o fofoqueiro Até atropelou o motoqueiro ...E continuou desembestado Feito pressa ladeira abaixo Deu de ombros ao ciclista Incomodou o incomodado Escorregou nos ditados e deitados Assustou a calma freira Fez vento ao jornaleiro Até derrubou o quitandeiro ...Quando sentou no estardalhaço Riu feito palhaço... Inspirou coragem e subiu mais devagar ...Bagunçar é descida, consertar é subida.
De tempos em tempos costumo analisar as palmas das mãos,
elas têm por hábito: - Alinhavar partes tecidas... Juntar - Embainhar partes compridas... Encurtar - Alongar braços e pernas... Abraçar Ainda sacoleja a água que dá vida as cores... Colorar.
No balanço da canoa percebo que tenho mais a agradecer que pedir ou reclamar. No espelho percebo marcas do tempo sim, mas delas não posso lamentar; em cada uma das ranhuras compreendo um aprendizado. O que me faz mais maduro hoje ainda me torna imaturo para o amanhã, e é isso que anima e fortalece: o saber do meu caminho evolutivo e o querer percorrê-lo ainda mais outro tanto, para então, quem sabe, poder dividir nesta e noutras tantas vidas o conhecimento, sem perder a capacidade de conhecer. Que venham amanhãs e que em todas as manhãs me levante para a vida como quem nasce com o sol.
Amealhei, ao longo desse pequeno tempo, o afeto de pessoas para a vida toda; gente que sabe cultivar flores, independente de espinhos e pedregulhos; pessoas por quem tenho apreço e devoção. Como costumo dizer: no caminho de volta para casa procuro deixar mais flores que espinhos. Deu certo então, e todo dia aprendo, com cada qual que me escolheu para partilhar da estrada, uma canção nova, uma letra desconhecida, um acorde. Assim, tudo vira poesia. Costumo parabenizar os amigos em aniversário assim: ‘Vida longa, que a estrada seja de poesia e a nova idade reserve paz’. Na minha vez, conto com os amigos para tanto, companheiros de evolução, almas ímpares num mundo tão atrofiado por egoísmo.
Cheguei por aqui em 1970, filho de lavradores dignos. Em plena ditadura militar, mas o ano era o do ‘tri’ e, segundo dizem os contadores, da melhor seleção. Vida de fazenda sabe como é: fruta no pé, cafezal em flor, queijo, pão caseiro e manteiga de garrafa na mesa, moringa e roça, fogão de lenha com panela preta, pilão no terreiro, moinho no alpendre, batedor de roupas e muito anil, grama pra quarar e comadre de papo com cachimbo penso na boca. Cenário perfeito pra se nascer. Depois é que veio missa, novena e terços, baile na casa de dona Terezinha, jogo no campo de fazenda contra fazenda, e eu... como criança espoleta, escondia o cachimbo da comadre, corria da vara de amora da mãe, mas também tinha obrigação com os bichos, levar marmita na roça, buscar leite na mangueira, olhar o caçula... E de tarde era a festa, ‘trim’ no cabelo com mamãe penteando e puxando a orelha pra segurar a cabeça como se essa fosse fugir e o caminho era da casa da benzedeira da colônia – dona Cândida – Ah! se a onomatopeia me ajudasse a dar som para aquele chiado que só as benzedeiras entendem; um dialeto salpicado com ramo de arruda e abençoado na água com pedra de carvão! Eita, que até hoje me dá água na boca aquele gostinho da água benta e abençoada. Desde pequeno era vigiado pra não colocar brasa na boca... digamos que tinha uma atração pelo carvão.
No entardecer dessas palavras só posso ser feliz por ter vindo de pais tão nobres e honrados, heróis incansáveis na diária tarefa de nos impulsionar no amor e compreensão. Sim, tenho mais do que pedi: pais perfeitos, uma família maravilhosa, sobrinhos em castelos; para alguém sem filhos... São Príncipes e Princesas; casado com uma pessoa linda, de caráter ilibado, alguém com quem aprendo todos os dias que continuar é preciso, alguém que me tornou um Ser melhor em todos esses quase vinte anos, com quem entendi que podia ir muito além do que supunha, que me encantou com as palavras me despertando a poesia, meu primeiro leitor desde o primeiro poema, passando por todos os outros que vieram assim que acabavam de ser escritos, meu crítico literário pessoal, incentivador e aconselhador. Me contagiou com gosto por MPB, ah... e como foi bom ter esse contato, cresci tanto desde então! Tem coisa melhor?... Livros, bom papo, poesia, música, enfim, inteligência sempre foi, para mim, um “pega rapaz”. Ao meu Carlos um agradecimento é pouco, penso em dar a ele algumas vidas das que puder vir a viver.
Ainda, como se mais precisasse, vieram amigos. E ao falar de amigos só digo que tive sorte, verdadeiros irmãos, amizades sem culpas ou desculpas, sem meios ou por onde, sem pretextos ou contextos, só textos... sem cobranças e ameaças, perfeitos como coisa de alma. É assim com os queridos, uma ligação sublimada e que não deixa lugar para recursos já que nunca há julgamentos, assim são os amigos, os meus amigos, raros e caros.
Em São Paulo, desde o fim de 1979, descobri a vida da cidade e de como tinha posses o menino da fazenda sem o conhecimento delas. Com 12 anos já era ajudante de jornaleiro, depois de sapateiro no ofício de colar solados de tamancos, uns trocos pra feira, vida “marvada”. Mas como nada é totalmente ruim vieram os personagens do rádio povoando a imaginação. Sim, rádio – ‘turma da maré mansa’ era o programa preferido; a primeira televisão só aos 21 quando fui morar só.
Nesses 45 anos foram 29 mudanças – só com Carlinhos foram 15 em 19 anos. Endereços cheios de histórias, onde deixei também os meus rabiscos, o que me rendeu o título de cigano. ...E não duvidem de que a 30ª já esteja sendo preparada. Vida intensa meus amados... Sou um convicto incomodado, não costumo fincar raízes já que árvore não sou; apesar de ser perfeccionista e metódico, não gosto muito de rotina. Profissionalmente, então, foram inúmeros postos e apostas: de hospital a banco, de contínuo a encarregado, comerciante. Enfim e por fim acabei num curso de cabeleireiro, fui como para terapia de uma depressão e da síndrome de pânico. Acabei gostando, até que um problema de coluna apitou me tirando da ativa.
Pensava ter me encontrado, mas como nada é por acaso, essa intercorrência me levou para outros ventos e nesses novos que sopraram eu descobri o Reiki e aí tudo mudou. De 2012 para cá realmente tenho vivido um novo tempo, dentro do meu Ser, do que é meu território sagrado, o único templo que reconheço é o sagrado de cada território humano, onde o Outro é meu mestre e esta nova energia todo dia me transforma. A visão do todo e de sua parte em mim, assim como a minha nele, tem feito toda a diferença nos meus dias.
Nesse apanhado descubro muito que comemorar: os encontros e até os desencontros, os casos e acasos, as chegadas e partidas, os ganhos e também as perdas, porque nada chega sem sentido e nem se vai sem o dever cumprido. O que é nosso perdura e o que vai embora talvez nunca nosso tenha sido. Na vida luto cada dia por mais verdade e o que seja fruto dela. Não posso reclamar, visto que as facilidades da vida nos ensinam pouco, mas as dificuldades... Essas têm pós, mestrado e doutorado.
Quanto às perdas, deve-se mencionar o que eliminamos... aí é bom, há dois anos estava com quase 100 quilos e consegui, com uma nova postura frente ao prato, somado com outras novas posturas frente ao corpo, eliminar mais de 24 quilos. É uma baita comemoração diária à vida desde então, fiz as pazes com a autoestima e descobri que posso quando quero!
[Isso está quase uma autobiografia e era só um agradecimento de aniversário, bom, bastava dizer que era um homem feliz, mas como dizem que felicidade não se explica resolvi contrariar.]
Também vale dizer ainda que há pouco mais de 5 anos conheci o mar (tardiamente), indizível o sentimento que me assomou e desde então, ouço o barulho das ondas a me chamar, envelhecer ao seu som sei que vou e morrer de amor é promessa junto ao mar.
Tenho encontrado também na poesia um apoio, algo que apareceu em 2004, criou corpo em 2005 e foi parar na rede feito gente grande em 2010, tímida que só! Ainda me lembro de comemorar os primeiros 100 poemas blogados; 5 anos depois são quase 1000! Fui publicado na Romênia, houve exposição em Londres na Semana Internacional de Poesia, livro publicado na Bahia junto com outros poetas e, enfim, não vou ficar aqui discorrendo pelo currículo porque não é o caso. Modéstia à parte, a lista dos eventos está em pleno crescimento. O interessante, no entanto, é dizer que para alguns isso pode ser pouco, mas para o menino da Fazenda Sinhazinha lá de Centenário do Sul, Paraná... É muito, tem horas que penso que aquela lua gigante do pasto me transportou como se fosse um balão. Eu ainda a reconheço quando a vejo daqui e só peço que se ela pode mesmo transportar o menino que ainda vive aqui dentro, que não me deixe para trás, afinal, a viagem tem que continuar.
Se ainda posso querer dizer algo mais, deixo por conta da gratidão: devo tudo aos meus pais amados pela vida rica que me doaram, ao meu marido e amigo Carlos meu eterno compartilhar de mãos juntas, obrigado por todos os caminhos que vencemos e nos que virão continue contando com meu amor, aos amigos que sempre apoiaram me oferecendo abraços, saibam dos meus braços largos à disposição, agora com mais um risquinho nessa reta de existência.
Ao Universo o meu coração disposto ao aprendizado do amor Universal e que a vida seja uma prática de suas leis.
Você pode musicar uma letra minha Inventar uma canção para as palavras que sonhei Coroar de rei quem pari plebeu Mas o que a alma por vezes diz Não cabe dentro de 5 linhas e 4 espaços.
Uns olham o buraco da estrada como atoleiro Outros como um escape para fugir de malfeitores E a protagonista continua sendo estrada... Caminho... Independente do ponto de vista E o buraco... Se cair nele, mantenha a cabeça fora dele Se atoleiro... não se afoga Se escape... poderá ver ir embora o ladrão Em ambos os casos... Não se demore ...É estrada.
Foi despenando meu penoso olhar Que aprendi construir outros bichos de penas Eles sabem voar e então pude acompanhar o voo com o olhar Agora um leve despenar no olhar.
Poesia é oração De despedida canção De doente medicação Poesia é o que salva o mundo Ao menos do poeta e sua população Pra essa gente inundação é recitação Sem ela morre-se por sufocação.
Envelhecer é embebedar-se Diz-se de um tudo Lembra-se de quase nada Ou quase tudo, mas não importa Época em que tudo é ocasião A vista encurta e longa é a visão Quando a boca pensa e a mente fala Em que tudo se cala, menos o coração.
Se por mero ou puro acaso ...Acaso algum houver Não cause descaso Calce botinas, galochas Faça o alicerce sem medo Porque casa boa mesmo É a que mora nele ...No acaso.
O menino de rua A mulher da esquina O sapo do brejo A árvore do parque A bruta pedra da topada O gato deixado na pista O pedinte da praça A mudez da vitrine A nudez do índio A mão da caridade O braço de ferro A cegueira do povo Todos tem um pouco de mim Até do que dizem feio E do que se tem por bonito ...Tem um pouco de mim Estou no canto gregoriano Nos atabaques das 'Áfricas' No tilintar das pedras mensageiras E se posso estar nos rios que correm Ou no silêncio dos mudos... ...Tudo faz parte de mim Disse a poesia em ventania E o poeta confirmou Quando disse... Também faz parte de mim ...Assinou. Casciano Lopes
Eu já tive... Pressa Raiva Medo Angústia Depressão Orgulho Vaidade Poder De todas as temeridades sofri Mas aí vieram amanhãs E hoje o passado levou o desagrado Deixou só um bilhete Disse que era tudo emprestado Desde então O título de propriedade não me pertence O mundo me contém E está contido em mim Só uma questão de amanhãs Que também são emprestados E eu... Presto e me empresto ao que resta. Casciano Lopes
E no partilhar se faz... As mãos e o que dela brotar ...Se prepara o jantar e se põe a mesa ...Se leva à boca e tira dela ...Se indica, aponta e nega ...Se põe nos lençóis e adormece ...Se levanta e faz dia Mãos... traz à vida e se despede dela.
Nem sempre a certidão de nascimento nos mostra a real idade. O homem vive se chocando com o que não pode mais fazer e nessas horas descobre atalhos que nunca deveriam ter sido tomados. O tempo que não volta... Tomara que ainda dê tempo de fazer caminhos do que hoje são estreitas vielas.
A poesia tem suas maneiras Formas que se encaixam nem sempre em métricas perfeitas Porque para ser poesia não se molda necessariamente na norma Mas obrigatoriamente na palavra e em sua forma de dizê-la Dizendo delicado do que nenhuma delicadeza padece Um castigo... e o poeta morre tentando desprender-se.
O que deprecia o dia frio não são os ventos que sopram em direção ao continente e sim a falta de vidraças em algumas janelas fazendo dobrar correntes que aprisionam descobertos.
Das coisas que sei falta tanto para aprender! Imagina das que desconheço... Me acovardo ante o tempo Impalpável, inexpressível se não arde Insolente quando desatina em dor... tempo De modo que preciso fracioná-lo Em busca das migalhas que me encherão o bolso Conhecendo apenas o que me cabe no alforje Já que a vontade do que falta move seus ponteiros.
Na correria da vida percebi que as horas que me restam são maiores do que as que vivi, ao contrário do veredito de que o tempo corre cada vez mais depressa encurtando-se para o que resta.
Nessa corrida, da qual todos fazemos parte, entendi que o que falta é sempre mais e o menos é passado.
Só o que ficou acrescentado foi o que plantei ontem nos corações que amei e a semente que plantaram no meu chão, este mesmo que os minutos araram, terra revolvida onde só sobrevive a amizade sincera, porque esta vai além dos laços de sangue e em todo o tempo tinge o futuro de querer mais um bocado, tornando melhor o que está por vir e o que virá, dará sustança à plantação, fazendo crescer forte o amor sobrevivente e este amor... É o que faz do amanhã um dia com bem mais que 24 horas.
O que destoa naquele homem não são as listras da camisa com o xadrez da calça, e sim a mente confusa entre os passos da missa e os dedos que se lambuzam ora na boca promíscua ora na liberdade submissa.
Minha casa está plantada... Correm ramos em suas paredes Florescem buquês nas copas Copas que fazem telhados E nas raízes que se banham Moram rios com suas Ninfas Que protegem a morada Dando vida ao tronco Para que os galhos cresçam E me ensinem ... O caminho de volta. Casciano Lopes
A casa de onde viemos ...Nossa casa Nos espera de rosa na mão De orquestra no vão De tapete vermelho E na vidraça a expressão: ...Demorou! Casciano Lopes
Não quero falar do cinza que tinge de desesperança o que passa diante de meus olhos, porque estes fados faróis precisam mesmo é do verde que colore a mata, ele dissolve o cinzento morrer da esperança e enche o viver de mais um bocado de cores.
Gosto de ser extenso Embora seja um pequeno compartimento Tento e intento me fazer caber, cabimento Gosto das distâncias Das marcações de estradas De me quilometrar De medir em palmos o que não se pode medir Gosto e continuo querendo em mim as medidas todas Da que liga trópicos a que repara oceanos navegáveis Embora saiba que tantas vezes mal consigo medir meu nome Ainda assim quero medir a imensidão que sei em mim.
Quando açude, quis mar Quando mar, quis navegar Agora a tormenta tem que me ensinar nadar Ou volto pra casa do lago ser Onde barco não precisa se gabar.
Foi calado que olhei e me apaixonei Foi calado que murmurei o primeiro suspiro Foi calado que te vi me olhar como quem aprendia andar Foi num calado beijo que a vida pegou direção rumo ao ar Os pés saíram do chão e até hoje voamos aos pares Num calado voar.
Uma lágrima não é só água salgada Não é só função orgânica ...É também um oceano desconhecido do alcance ...Grão de areia, riacho doce distante ...Letras escaldantes muito perto dos olhos.
Para muitos a noite chega antes Para outros tantos mal chega e vai embora Há fusos horários dentro da rua em que moramos Abandonados que se recolhem cedo e que se levantam tarde Janelas que não se abrem e outras que já perderam trancas Enquanto meninos que não reconhecem a sombra permeiam a madrugada Tudo na rua que dividimos Tudo no sol que rachamos ao meio dia ou na lua que louvamos à meia noite Tudo no mesmo mundo onde a falta não importa se a mesa é farta.
Por vezes a alegria está do outro lado da rua E enquanto procuramos uma faixa de pedestre para a travessia... Ela se muda Talvez fosse o caso de romper o trânsito De burlar o asfalto e pegá-la de assalto.
O cara que mora na escadaria Ajeita a cozinha da sua maneira E até faz a cama de suas manias Abre as vistas na vidraça dos degraus E ajeita o conhecimento na calçada Até seus pensamentos lavados Põem-se a secar no quintal.
Insensível ao que não comunga da mesma opinião Incrédulo ao que não consta em seu livro de cabeceira Incapaz de condoer-se com a dor alheia se esta não lhe reverenciar Irremediavelmente perdido, visto que não há consenso entre suas leis e ações Do mal dos tempos padecia... Fanatismo sem juízo Semente sem terra no campo das humanidades.
A mesma paisagem as casas, as árvores os carros estacionados moleques com bolas pipas bambos no ar portões escancarados e vento... vento que só tudo na mesma rua se descida ou se subida é só uma questão de eixo Ponto de vista... inclinação.
Se não te fizer pensar Se de tão pronto só restar engolir Se o sabor não puder ser antes construído Não leve à boca, não lave aos olhos Não põe na bolsa e não tatue na saliva.
Fui voando batendo asas empoleirando aqui espiando em voo acolá ora plainando ninho ora chocando asas
e foi assim que um céu apareceu
na verdade quando começou achei que andava sobre a terra até que do alto dos picos nevados fui convencido do voo só podia ter voado, impossível caminhar E nos argumentos a montanha me convenceu.