30.12.15

Nunca contam

Na vida só o que conta é o que esqueceram de contar pra gente.

Casciano Lopes

Poesia do compasso aberto

Do suor que pinga ao que respinga entre pernas
Só os poetas sabem dizer
Tantas vezes colocam-se palavras
De outras tantas tiram-se frases inteiras
Não há versos nas ideias fechadas.

Casciano Lopes



Na calada da noite

Por vezes o travesseiro me conta mais sobre o mundo em um segundo
do que os dias foram capazes de me dizer o dia todo.

Casciano Lopes

Ao precipício... sei voar

Gosto dos venenos mais lentos
Dos cafés mais amargos
Das bebidas mais fortes
Dos delírios mais soltos e dos gestos mais loucos.

Casciano Lopes

Ao novo

Dedico a letra
O cheiro da tinta fresca
O manuseio da pena
A virgindade da folha
A brochura das lembranças
O sutil pensar de memórias
O sentar do eu nos papéis
Uma folha da minha mata
Um alfabeto de meus ladrilhos
Um corpo de minhas figuras
A caixa aberta de meu peito
A herança que veio cedo...
Que prepara o caminho e o pergaminho
Que alfabetiza meus dedos
Travessia das mãos por vezes cegas
Os ponteiros que regem os títulos
A todos quanto herdei...
Um quente, um frio
Uma sensação
Um pouco de muito
Um muito de pouco
Uma vida vestida de nudez
Na alma e no sorriso.

Casciano Lopes

Fim... ocaso

Tão lâmina quanto barba
Tão feroz quanto fera
Tão mordida quanto cão
Tão morno quanto vivo
Tão frio quanto morto
Tão quente quanto parto
Tão grande quanto mato
Tão forte quanto Brutus
Tão bruto quanto garimpo
Tão joia quanto fortuna
Tão pedra quanto asfalto
Tão rua quanto passagem
Tão ônibus quanto passageiro
Tão dívida quanto cartório
Tão belo quanto espelho
Tão iluminado quanto noite
Tão dia quanto vida
Tão calmo quanto ponteiro
Tão limpo quanto prato
Tão ódio quanto febre
Tão sarna quanto lixo
Tão sempre quanto eterno
Tão doce quanto melado
Tão sujo quanto manchado
Tão pele quanto orfanato
Tão hebreu quanto hebreia
Tão santo quanto manto
Tão pranto quanto canto
Tão amor quanto o branco
Tão mar quanto homem
Tão vida de acasos
De ocaso finito
De vida e morte
Saturados infinitos
...Mares e marés
Infelizes homens tão felizes.
Acaso... acaso

Casciano Lopes

A corrida e o barro

Todos precisamos quebrar a moringa
pra aprender correr atrás da água escorrida.

Casciano Lopes

OftalmoLógica

Para o olhar cabisbaixo a estrada é vesga.

Casciano Lopes

Caminho de terra

Tudo que é ferro pode enferrujar
O ouro cria sujidade e esquece o brilho
A prata escurece e perde seu prata
De tudo saber...
que a chuva cai independente e o dia acontece assim
que se tudo fosse simples nasceriam só de 'Marias'
que se as noites fossem dias sem teto não via estrela
que a estrada do outro é tão doída quanto a rua que corta meu peito
que o coração é de terra batida, esmagada ou sambada.
...Eu escolho.

Casciano Lopes

Ébano e marfim em voo

Não se sabe se a ventania levou ou a chuva lavou
Vê-se apenas um piano órfão
E a correr um compositor endoidecido
Solfejando, a procura, no espaço aberto, a nota perdida.

Casciano Lopes



E as mãos só obedecem

Bocas que trancam palpites trançam fúria
enquanto pernas que traçam verbos sabem conjugá-los
...E as mãos só obedecem.

Casciano Lopes

Tremeluzir

O sopro no candelabro
mantém acesa a mesa posta
e o frio que beira o portão
e que espreita meu muro
foge da sala iluminada.

Casciano Lopes

A poesia de cada um

Na mancha de carvão
borrada na derme
esfregando com a alma se lê.

Casciano Lopes

Não há pobreza sem poesia

Chão pobre de pobre teto
Quem mora carrega na vista a pobreza
De uma poesia rica
De versos constantes
De inconstantes tempos
E se lágrima cai é caldo pra molhos poéticos
Adocica e salga a fartura das linhas.

Casciano Lopes

28.12.15

Ser em balanço

De tudo que pensei que tinha
restou apenas a intolerância comigo mesmo.

Casciano Lopes

Do não... aspirar, respirar

Eu quis muito ter um filho,
por muitos anos pensei que pudesse deixar em suas palmas alguma linha escrita.
Com o passar dos anos minhas linhas desapareceram juntamente com as palavras,
a trans/piração sem texto causou dor e as mãos perderam-se no caminho,
aí entendi a ausência...
Filhos precisam de mãos.

Casciano Lopes

21.12.15

Veio de calçada

Quando o vento dobra a avenida
e seu frio lambe a calçada
não me resfrio,
coloco a garganta no varal
e espeto o coração no meio-fio.

...Sai o sol,

tudo é estendido e aquecido,
até o asfalto me molha com seu suor
e fica entendido que a lua não parte

e se me parte...

Tem a clave dependurada na fiação,
aquecendo as vocais empoleiradas
e se acaso chover,
brotam vogais das corredeiras nuas,
o peito vira jangada
onde palavra não é coisa emprestada.

Casciano Lopes

Capacidade do verso

Encontrei numa vitrine,
trouxe pra casa,
ajustei os botões,
alvejei o tecido,
costurei os bolsos
enquanto ditava versos.

...Era manequim
e eu... poesia.

Casciano Lopes

27.11.15

Dita e feita a palavra

Palavra...
dita,
bendita,
maldita,
desdita.

Palavra...
pensada,
calada,
uivada
armada.

Velada
ou
cavada,
levada
ou
tomada...
palavra.

Palavrear
palavrório
palavrar
palavrinha
palavrejar

Grita
palavra
mesmo
escrita,
bonita
ou
troglodita,
Grita!

Poesia é palavra e não precisa ser dita.

Casciano Lopes

Ida

O que lida na lida da vida,
que faz do hoje hora medida
e do ontem página lida,
o que faz da manhã nascida
nova partida, nova avenida
não passa como folha corrida
vira sentido, lápida e contrapartida
...quando a noite é cumprida.

Casciano Lopes

Numa tempestade

Na tumba de meu tempo,
escrito...
Soprou-me o vento,
Poeira fui.

Casciano Lopes

Fonte da juventude

As marcas do colarinho não me deixam mentir,
nos desfazemos ao longo dos dias.
Células morrem, envelhecem.
Dentes afrouxam, caem, saem de si.
Neurônios embebedam-se e hormônios... hum,
flutuam, desvirtuam-se do eu, perdem a pose.
Há uma coisa na contramão de tudo isso,
as histórias que vivem dentro e que a cada dia
ganham a beleza do rejuvenescimento.

Casciano Lopes

Despossuidor

O que vi
O que ouvi
O que aprendi

...Da vida.

Que o hoje é só o que tenho.
Que quando me olho no espelho e ele sorri
é porque como o ontem o outro se foi,
de novo temos que ser apresentados.

...É apenas um sorriso de boas vindas.

Que o cara de ontem assim como o passado
não me pertencem e que por mais que eu tente
e por mais que eu queira me livrar da dúvida,
ela é a única certeza quanto ao amanhã... Incerto.

Casciano Lopes

19.11.15

Eu, vento e ventania

Sinta a leveza do vento,
seja tão leve quanto ele e ao tocá-lo,
reverencie-o,
pois ele leva o que tem que ir e deixa enraizado o que te pertence.

Casciano Lopes

Leveza em alto mar

O mar leva o que não levitar
Se eu não puder ter leve olhar
Que então me lave a água do mar.

Casciano Lopes

Devore-me

Se não puderes me comer de garfo e faca
tens minha permissão para lambuzar os dedos
prefiro o tanque dos guardanapos melados
que a vitrine de exposição (só beleza sem sabor).

Casciano Lopes

Portas

No dia em que enxergares a saída descobrirás que ela sempre esteve ali.

Casciano Lopes


Coração tateando

O que cega não são olhos cerrados
São punhos fechados e mãos apertadas.

Casciano Lopes

Em tempo

Quantas vezes esqueci de mim
para acudir, ouvir... mesmo que sempre as mesmas palavras
e tantas foram as vezes em que me senti desrespeitado
foram tantos gestos, olhares e frases desprovidas de atenção.

Mas ainda bem que sempre podemos estancar o sangramento
barragens se rompem... podemos romper com padrões
é sempre tempo de bastar abusos emocionais
de recomeçar e seguir o fluxo do rio... com vazamentos estancados.

Casciano Lopes

10.11.15

Em conserva

O mar nasceu longe de mim
de lonjuras sofre a audição...
sem canção de ondas
...já o coração sempre perto,
vive molhado, salgando esperas.

Casciano Lopes

Contração

Já fui menino e velho
até descobrir que o segredo
era não ser... nascer
desde então todos os dias
...parto.

Casciano Lopes

Absoluto

Astuto é o silêncio
que comete descalabro sem grito.

Casciano Lopes

27.10.15

O discurso e a falta dele

Há momentos em que não caminhamos porque não temos sapatos
Em outros não corremos chão porque alegamos uma dor nos pés
Agora tem aqueles momentos em que faltam estrada
...Nesses momentos geralmente calamos
Se falta base para plantar os pés, sobram palavras na boca muda.

Casciano Lopes

Desocupada saudade e a importância de uma pedra

A mesma carência de que sofre a árvore
Faz agonizar a pedra sem limo
Embora o colibri que voou do ninho
Deixou recado com a pedra do caminho
...Diga que volto...
E a pedra por um segundo percebeu-se arrimo.

Casciano Lopes

Palavra de barro

Não me bateu à porta a poesia formada de formas e adornada de palavras difíceis, se quer tinha embaixo de seus braços um canudo; porém quando escancarei a porta dei de cara com um amontoado de cacos trazidos pela ventania e embora eu não fosse de olaria, aprendi juntá-los no que dizem ser poesia.
Desde então, exponho os vasos e jarros em prateleiras, quem quiser leia-os e quem não... quebre-os, uso cacos.

Casciano Lopes

Seiva de imensidão

Em terra de gigantes
Homens crescem mais que sequoia
Um fino veio alimenta a selva...
Em parques de gratidão não crescem pequenos.

Casciano Lopes

Traça[mar]

Ao amor deve-se
a latitude de um coração
e a longitude de um olhar comprometido,
quanto às cartas de navegação,
digo que traçam-se sós
e isto não é ônus, é bônus.

Casciano Lopes

Palavra lápide

Até
quando
puder
dizer
poderei
viver.


Sepultura
é
lugar
calado.

Casciano Lopes

21.10.15

Rua do sem juízo

Ele desceu correndo a rua de casa
Esbarrou na mulher feia
Tropeçou no bêbado
Rolou por sobre o sem teto
Fugiu do cobrador
Estapeou o fofoqueiro
Até atropelou o motoqueiro
...E continuou desembestado
Feito pressa ladeira abaixo
Deu de ombros ao ciclista
Incomodou o incomodado
Escorregou nos ditados e deitados
Assustou a calma freira
Fez vento ao jornaleiro
Até derrubou o quitandeiro
...Quando sentou no estardalhaço
Riu feito palhaço...
Inspirou coragem e subiu mais devagar
...Bagunçar é descida, consertar é subida.


Casciano Lopes

Poesia posada

Quando tem poesia
não é o modelo que posa para fotografia...
é a câmera.

Casciano Lopes

19.10.15

À pele dura

Dado à espessura
A sordidez da mistura
Causando tristura.

Carece ventura
...À figura
Deve-se a cura.

Casciano Lopes

Cabo de guerra

A força que me falta... sob a mesa
A força que me sobra... sobre a mesa
E eu... vezes mesa sobre o chão
Outras chão sob a mesa.

Casciano Lopes

Um pulso iludido

O tempo tão ilusório mentiu
Disse-me que era dono do relógio
Eu comprei e ele fugiu
...Foi o ponteiro quem o desmentiu.

Casciano Lopes

Poesia em caixa alta

Um verso nunca é pequeno
Não há minúscula forma de sentir
Já que verso não é palavra
Poeta não versa... MAIÚSCULA.

Casciano Lopes

15.10.15

Pano e palma das mãos

De tempos em tempos costumo analisar as palmas das mãos,

elas têm por hábito:
- Alinhavar partes tecidas... Juntar
- Embainhar partes compridas... Encurtar
- Alongar braços e pernas... Abraçar
Ainda sacoleja a água que dá vida as cores... Colorar.

Casciano Lopes

Alarde


14.10.15

(Re)talho

O corte é sempre ferida exposta
que o outro decide proferir
...O outro... homem ou momento.
Só que a profundidade do talho,
sou eu que decido.

Casciano Lopes

6.10.15

Carta à vida

No balanço da canoa percebo que tenho mais a agradecer que pedir ou reclamar. No espelho percebo marcas do tempo sim, mas delas não posso lamentar; em cada uma das ranhuras compreendo um aprendizado. O que me faz mais maduro hoje ainda me torna imaturo para o amanhã, e é isso que anima e fortalece: o saber do meu caminho evolutivo e o querer percorrê-lo ainda mais outro tanto, para então, quem sabe, poder dividir nesta e noutras tantas vidas o conhecimento, sem perder a capacidade de conhecer. Que venham amanhãs e que em todas as manhãs me levante para a vida como quem nasce com o sol.

Amealhei, ao longo desse pequeno tempo, o afeto de pessoas para a vida toda; gente que sabe cultivar flores, independente de espinhos e pedregulhos; pessoas por quem tenho apreço e devoção. Como costumo dizer: no caminho de volta para casa procuro deixar mais flores que espinhos. Deu certo então, e todo dia aprendo, com cada qual que me escolheu para partilhar da estrada, uma canção nova, uma letra desconhecida, um acorde. Assim, tudo vira poesia. Costumo parabenizar os amigos em aniversário assim: ‘Vida longa, que a estrada seja de poesia e a nova idade reserve paz’. Na minha vez, conto com os amigos para tanto, companheiros de evolução, almas ímpares num mundo tão atrofiado por egoísmo.

Cheguei por aqui em 1970, filho de lavradores dignos. Em plena ditadura militar, mas o ano era o do ‘tri’ e, segundo dizem os contadores, da melhor seleção. Vida de fazenda sabe como é: fruta no pé, cafezal em flor, queijo, pão caseiro e manteiga de garrafa na mesa, moringa e roça, fogão de lenha com panela preta, pilão no terreiro, moinho no alpendre, batedor de roupas e muito anil, grama pra quarar e comadre de papo com cachimbo penso na boca. Cenário perfeito pra se nascer. Depois é que veio missa, novena e terços, baile na casa de dona Terezinha, jogo no campo de fazenda contra fazenda, e eu... como criança espoleta, escondia o cachimbo da comadre, corria da vara de amora da mãe, mas também tinha obrigação com os bichos, levar marmita na roça, buscar leite na mangueira, olhar o caçula... E de tarde era a festa, ‘trim’ no cabelo com mamãe penteando e puxando a orelha pra segurar a cabeça como se essa fosse fugir e o caminho era da casa da benzedeira da colônia – dona Cândida – Ah! se a onomatopeia me ajudasse a dar som para aquele chiado que só as benzedeiras entendem; um dialeto salpicado com ramo de arruda e abençoado na água com pedra de carvão! Eita, que até hoje me dá água na boca aquele gostinho da água benta e abençoada. Desde pequeno era vigiado pra não colocar brasa na boca... digamos que tinha uma atração pelo carvão.

No entardecer dessas palavras só posso ser feliz por ter vindo de pais tão nobres e honrados, heróis incansáveis na diária tarefa de nos impulsionar no amor e compreensão. Sim, tenho mais do que pedi: pais perfeitos, uma família maravilhosa, sobrinhos em castelos; para alguém sem filhos... São Príncipes e Princesas; casado com uma pessoa linda, de caráter ilibado, alguém com quem aprendo todos os dias que continuar é preciso, alguém que me tornou um Ser melhor em todos esses quase vinte anos, com quem entendi que podia ir muito além do que supunha, que me encantou com as palavras me despertando a poesia, meu primeiro leitor desde o primeiro poema, passando por todos os outros que vieram assim que acabavam de ser escritos, meu crítico literário pessoal, incentivador e aconselhador. Me contagiou com gosto por MPB, ah... e como foi bom ter esse contato, cresci tanto desde então! Tem coisa melhor?... Livros, bom papo, poesia, música, enfim, inteligência sempre foi, para mim, um “pega rapaz”. Ao meu Carlos um agradecimento é pouco, penso em dar a ele algumas vidas das que puder vir a viver.

Ainda, como se mais precisasse, vieram amigos. E ao falar de amigos só digo que tive sorte, verdadeiros irmãos, amizades sem culpas ou desculpas, sem meios ou por onde, sem pretextos ou contextos, só textos... sem cobranças e ameaças, perfeitos como coisa de alma. É assim com os queridos, uma ligação sublimada e que não deixa lugar para recursos já que nunca há julgamentos, assim são os amigos, os meus amigos, raros e caros.

Em São Paulo, desde o fim de 1979, descobri a vida da cidade e de como tinha posses o menino da fazenda sem o conhecimento delas. Com 12 anos já era ajudante de jornaleiro, depois de sapateiro no ofício de colar solados de tamancos, uns trocos pra feira, vida “marvada”. Mas como nada é totalmente ruim vieram os personagens do rádio povoando a imaginação. Sim, rádio – ‘turma da maré mansa’ era o programa preferido; a primeira televisão só aos 21 quando fui morar só.

Nesses 45 anos foram 29 mudanças – só com Carlinhos foram 15 em 19 anos. Endereços cheios de histórias, onde deixei também os meus rabiscos, o que me rendeu o título de cigano. ...E não duvidem de que a 30ª já esteja sendo preparada. Vida intensa meus amados... Sou um convicto incomodado, não costumo fincar raízes já que árvore não sou; apesar de ser perfeccionista e metódico, não gosto muito de rotina. Profissionalmente, então, foram inúmeros postos e apostas: de hospital a banco, de contínuo a encarregado, comerciante. Enfim e por fim acabei num curso de cabeleireiro, fui como para terapia de uma depressão e da síndrome de pânico. Acabei gostando, até que um problema de coluna apitou me tirando da ativa.

Pensava ter me encontrado, mas como nada é por acaso, essa intercorrência me levou para outros ventos e nesses novos que sopraram eu descobri o Reiki e aí tudo mudou. De 2012 para cá realmente tenho vivido um novo tempo, dentro do meu Ser, do que é meu território sagrado, o único templo que reconheço é o sagrado de cada território humano, onde o Outro é meu mestre e esta nova energia todo dia me transforma. A visão do todo e de sua parte em mim, assim como a minha nele, tem feito toda a diferença nos meus dias.

Nesse apanhado descubro muito que comemorar: os encontros e até os desencontros, os casos e acasos, as chegadas e partidas, os ganhos e também as perdas, porque nada chega sem sentido e nem se vai sem o dever cumprido. O que é nosso perdura e o que vai embora talvez nunca nosso tenha sido. Na vida luto cada dia por mais verdade e o que seja fruto dela. Não posso reclamar, visto que as facilidades da vida nos ensinam pouco, mas as dificuldades... Essas têm pós, mestrado e doutorado.

Quanto às perdas, deve-se mencionar o que eliminamos... aí é bom, há dois anos estava com quase 100 quilos e consegui, com uma nova postura frente ao prato, somado com outras novas posturas frente ao corpo, eliminar mais de 24 quilos. É uma baita comemoração diária à vida desde então, fiz as pazes com a autoestima e descobri que posso quando quero!

[Isso está quase uma autobiografia e era só um agradecimento de aniversário, bom, bastava dizer que era um homem feliz, mas como dizem que felicidade não se explica resolvi contrariar.]

Também vale dizer ainda que há pouco mais de 5 anos conheci o mar (tardiamente), indizível o sentimento que me assomou e desde então, ouço o barulho das ondas a me chamar, envelhecer ao seu som sei que vou e morrer de amor é promessa junto ao mar.

Tenho encontrado também na poesia um apoio, algo que apareceu em 2004, criou corpo em 2005 e foi parar na rede feito gente grande em 2010, tímida que só! Ainda me lembro de comemorar os primeiros 100 poemas blogados; 5 anos depois são quase 1000! Fui publicado na Romênia, houve exposição em Londres na Semana Internacional de Poesia, livro publicado na Bahia junto com outros poetas e, enfim, não vou ficar aqui discorrendo pelo currículo porque não é o caso. Modéstia à parte, a lista dos eventos está em pleno crescimento. O interessante, no entanto, é dizer que para alguns isso pode ser pouco, mas para o menino da Fazenda Sinhazinha lá de Centenário do Sul, Paraná... É muito, tem horas que penso que aquela lua gigante do pasto me transportou como se fosse um balão. Eu ainda a reconheço quando a vejo daqui e só peço que se ela pode mesmo transportar o menino que ainda vive aqui dentro, que não me deixe para trás, afinal, a viagem tem que continuar.

Se ainda posso querer dizer algo mais, deixo por conta da gratidão: devo tudo aos meus pais amados pela vida rica que me doaram, ao meu marido e amigo Carlos meu eterno compartilhar de mãos juntas, obrigado por todos os caminhos que vencemos e nos que virão continue contando com meu amor, aos amigos que sempre apoiaram me oferecendo abraços, saibam dos meus braços largos à disposição, agora com mais um risquinho nessa reta de existência.

Ao Universo o meu coração disposto ao aprendizado do amor Universal e que a vida seja uma prática de suas leis.

Namastê

Casciano Lopes
Outubro-2015

22.9.15

Pentagrama

Você pode musicar uma letra minha
Inventar uma canção para as palavras que sonhei
Coroar de rei quem pari plebeu
Mas o que a alma por vezes diz
Não cabe dentro de 5 linhas e 4 espaços.

Casciano Lopes

8.9.15

Negativo

Nem sempre os abraços dizem tudo...
Muita coisa fica por conta do não.

Casciano Lopes

Leve

Chega um momento em que perdemos o referencial de chão
Nele compreendemos a função dos pássaros.

Casciano Lopes

O que nos rodeia na função rotear

Até para atravessarmos o mar
Precisamos da carta de navegação dos peixes
Nos indicam mais o destino do que o leme.

Casciano Lopes

Um atento por caminhos sutis

Os pés podem estar amarrados
...Se o ouvido estiver aberto
Com a alma receptiva por perto
Os caminhos se encarregam de desatar os nós.

Casciano Lopes

Sobre[vida] e estradar

Uns olham o buraco da estrada como atoleiro
Outros como um escape para fugir de malfeitores
E a protagonista continua sendo estrada...
Caminho... Independente do ponto de vista
E o buraco...
Se cair nele, mantenha a cabeça fora dele
Se atoleiro... não se afoga
Se escape... poderá ver ir embora o ladrão
Em ambos os casos... Não se demore
...É estrada.

Casciano Lopes

Apenar

Foi despenando meu penoso olhar
Que aprendi construir outros bichos de penas
Eles sabem voar e então pude acompanhar o voo com o olhar
Agora um leve despenar no olhar.

Casciano Lopes

O amanhã ao horizonte pertence

Quando miramos o horizonte e confrontamos suas cores e texturas
É de amanhãs que falamos.

Casciano Lopes

Direito autoral

Podem até tirar os créditos de minhas palavras, não ligo
Mas morreria se me tirassem o encanto com que as digo.

Casciano Lopes

Entre eu e o medo, o medo é dele.

Na lentidão dos meus medos é que aprendo preparar a coragem
E cada vez que os supero descubro novas formas de matá-los.

Casciano Lopes

Do que se tem por certo

Quando o homem pensa que descobriu a verdade absoluta
Só há uma certeza contida nela...
É a de que se faz necessário morrer para que nasça um homem.

Casciano Lopes

Passeio e passadas

O caminho pode ser a estrada
Ou pode ser o próprio caminhante
Porque andante que se preza
Também se empresta à caminhada.

Casciano Lopes

Cerca-se... não o Ser

A cerca não tem apenas a serventia do isolamento
Ela possui a estranha mania de nos fazer caber entre vãos.

Casciano Lopes


Poesia em ação

Poesia é oração
De despedida canção
De doente medicação
Poesia é o que salva o mundo
Ao menos do poeta e sua população
Pra essa gente inundação é recitação
Sem ela morre-se por sufocação.

Casciano Lopes

Verso curador

Se um verso me arranha
Não me acanho
Deixo a carne sangrar nua
Verso que esvai-se
Vira cura.

Casciano Lopes

Álcool dos anos

Envelhecer é embebedar-se
Diz-se de um tudo
Lembra-se de quase nada
Ou quase tudo, mas não importa
Época em que tudo é ocasião
A vista encurta e longa é a visão
Quando a boca pensa e a mente fala
Em que tudo se cala, menos o coração.

Casciano Lopes

20.7.15

Para o caso

Se por mero ou puro acaso
...Acaso algum houver
Não cause descaso
Calce botinas, galochas
Faça o alicerce sem medo
Porque casa boa mesmo
É a que mora nele
...No acaso.

Casciano Lopes

16.7.15

Vento calmo e ventania

O menino de rua
A mulher da esquina
O sapo do brejo

A árvore do parque
A bruta pedra da topada
O gato deixado na pista

O pedinte da praça
A mudez da vitrine
A nudez do índio

A mão da caridade
O braço de ferro
A cegueira do povo

Todos tem um pouco de mim
Até do que dizem feio
E do que se tem por bonito
...Tem um pouco de mim

Estou no canto gregoriano
Nos atabaques das 'Áfricas'
No tilintar das pedras mensageiras
E se posso estar nos rios que correm
Ou no silêncio dos mudos...

...Tudo faz parte de mim

Disse a poesia em ventania
E o poeta confirmou
Quando disse...
Também faz parte de mim
...Assinou.

Casciano Lopes

Ando devagar

Eu já tive...

Pressa
Raiva
Medo
Angústia
Depressão
Orgulho
Vaidade
Poder

De todas as temeridades sofri
Mas aí vieram amanhãs
E hoje o passado levou o desagrado
Deixou só um bilhete
Disse que era tudo emprestado

Desde então
O título de propriedade não me pertence
O mundo me contém
E está contido em mim

Só uma questão de amanhãs
Que também são emprestados
E eu...
Presto e me empresto ao que resta.

Casciano Lopes

13.7.15

Contradita

Não há o que me difere da virgem
Nem o que me destoa do meretrício
Não há castidade se esta me vinga
Nem liberdade quando ela me cobra

Como um aspirante a vivente
Tudo me cabe...
Das ruas alegres aos portões cerrados
Viver ultrapassa as grades

Morrer não ganha asfalto

E por dentro do que inspira a vida
Estão contradições...

Casciano Lopes

Das posses

De tudo o que tivemos
De tudo o que possamos vir a ter
De tudo findo...
Só nos resta o finito
O fim é tudo que alcançamos
Com o nascimento.

Casciano Lopes

Um nascente em poente

Até para levantarmos ao amanhecer precisamos entendê-lo como último...
Somos últimos e únicos exemplares de um único amanhecer
Já que o vindouro é dúvida e o passado nada mais do que um irremediável esquecido.

Casciano Lopes

Em negro despido


E porque era alma... fez-se


Aceno

E no partilhar se faz...
As mãos e o que dela brotar
...Se prepara o jantar e se põe a mesa
...Se leva à boca e tira dela
...Se indica, aponta e nega
...Se põe nos lençóis e adormece
...Se levanta e faz dia
Mãos... traz à vida e se despede dela.

Casciano Lopes

Segregação de perfume

Quem fere o dedo em espinhos acaba se afastando de rosas
...Não devia.

Casciano Lopes

Idade, o meu nome

Nem sempre a certidão de nascimento nos mostra a real idade.
O homem vive se chocando com o que não pode mais fazer e nessas horas descobre atalhos que nunca deveriam ter sido tomados.
O tempo que não volta... Tomara que ainda dê tempo de fazer caminhos do que hoje são estreitas vielas.

Casciano Lopes

Ofensa delicada

A poesia tem suas maneiras
Formas que se encaixam nem sempre em métricas perfeitas
Porque para ser poesia não se molda necessariamente na norma
Mas obrigatoriamente na palavra e em sua forma de dizê-la
Dizendo delicado do que nenhuma delicadeza padece
Um castigo... e o poeta morre tentando desprender-se.

Casciano Lopes

Sensação térmica

O que deprecia o dia frio não são os ventos que sopram em direção ao continente e sim a falta de vidraças em algumas janelas fazendo dobrar correntes que aprisionam descobertos.

Casciano Lopes

Poesia... uma palavra de opinião

Há coisas que eu gostaria de ter dito
Outras de ter escrito
Essas coisas costumam viver em bocas de poetas
E em mãos que ensaiam pra dizer.

Casciano Lopes

Pretensão

Entre o texto e o contexto, não se despreza o pretexto.

Casciano Lopes

Lustro

Nem sempre se constrói um número de sapateado sem lamentar sobre os sapatos
O tablado é só pauta e a melodia surge via de regra do jogo de cintura
O calçado é só pretexto.

Casciano Lopes

Em tempo e fora dele

Das coisas que sei falta tanto para aprender!
Imagina das que desconheço...
Me acovardo ante o tempo
Impalpável, inexpressível se não arde
Insolente quando desatina em dor... tempo
De modo que preciso fracioná-lo
Em busca das migalhas que me encherão o bolso
Conhecendo apenas o que me cabe no alforje
Já que a vontade do que falta move seus ponteiros.

Casciano Lopes

3.7.15

Do que virá

Na correria da vida percebi que as horas que me restam são maiores do que as que vivi, ao contrário do veredito de que o tempo corre cada vez mais depressa encurtando-se para o que resta.
Nessa corrida, da qual todos fazemos parte, entendi que o que falta é sempre mais e o menos é passado.
Só o que ficou acrescentado foi o que plantei ontem nos corações que amei e a semente que plantaram no meu chão, este mesmo que os minutos araram, terra revolvida onde só sobrevive a amizade sincera, porque esta vai além dos laços de sangue e em todo o tempo tinge o futuro de querer mais um bocado, tornando melhor o que está por vir e o que virá, dará sustança à plantação, fazendo crescer forte o amor sobrevivente e este amor... É o que faz do amanhã um dia com bem mais que 24 horas.

Casciano Lopes

21.6.15

Palavra surda

Se não for pra dizer a verdade, não diga nada
A mentira é uma velha senhora que emite som
No entanto, desconhece a palavra.

Casciano Lopes

Entre nexo e desconexo

O que destoa naquele homem
não são as listras da camisa
com o xadrez da calça,
e sim a mente confusa
entre os passos da missa
e os dedos que se lambuzam
ora na boca promíscua
ora na liberdade submissa.

Casciano Lopes

Minha casa na árvore

Minha casa está plantada...
Correm ramos em suas paredes
Florescem buquês nas copas
Copas que fazem telhados
E nas raízes que se banham
Moram rios com suas Ninfas
Que protegem a morada
Dando vida ao tronco
Para que os galhos cresçam
E me ensinem
... O caminho de volta.

Casciano Lopes


11.6.15

Depois da missão

A casa de onde viemos
...Nossa casa
Nos espera de rosa na mão
De orquestra no vão
De tapete vermelho
E na vidraça a expressão:
...Demorou!

Casciano Lopes 


29.5.15

Da fada vista à fada da vista

Não quero falar do cinza que tinge de desesperança o que passa diante de meus olhos, porque estes fados faróis precisam mesmo é do verde que colore a mata, ele dissolve o cinzento morrer da esperança e enche o viver de mais um bocado de cores.

Casciano Lopes

Salivar a cura

O que sara no dicionário não são os verbetes e suas multidões de palavras
E sim a imensidão dos povos aglomerada em suas páginas, com suas vertentes, seus sons e histórias de línguas que salvam quem prova saberes.

Casciano Lopes

Se acaso for

Não gosto de formas e normas
Prefiro o acaso que melhor se encaixa
Em um homem sem princípio... e fim.

Casciano Lopes

Milimetrar

Gosto de ser extenso
Embora seja um pequeno compartimento
Tento e intento me fazer caber, cabimento
Gosto das distâncias
Das marcações de estradas
De me quilometrar
De medir em palmos o que não se pode medir
Gosto e continuo querendo em mim as medidas todas
Da que liga trópicos a que repara oceanos navegáveis
Embora saiba que tantas vezes mal consigo medir meu nome
Ainda assim quero medir a imensidão que sei em mim.

Casciano Lopes

Mania de querer

Quando açude, quis mar
Quando mar, quis navegar
Agora a tormenta tem que me ensinar nadar
Ou volto pra casa do lago ser
Onde barco não precisa se gabar.

Casciano Lopes

Num par de asas

Foi calado que olhei e me apaixonei
Foi calado que murmurei o primeiro suspiro
Foi calado que te vi me olhar como quem aprendia andar
Foi num calado beijo que a vida pegou direção rumo ao ar
Os pés saíram do chão e até hoje voamos aos pares
Num calado voar.

Casciano Lopes


26.5.15

Vista de maré alta

Uma lágrima não é só água salgada
Não é só função orgânica
...É também um oceano desconhecido do alcance
...Grão de areia, riacho doce distante
...Letras escaldantes muito perto dos olhos.

Casciano Lopes

Farta falta

Para muitos a noite chega antes
Para outros tantos mal chega e vai embora
Há fusos horários dentro da rua em que moramos
Abandonados que se recolhem cedo e que se levantam tarde
Janelas que não se abrem e outras que já perderam trancas
Enquanto meninos que não reconhecem a sombra permeiam a madrugada
Tudo na rua que dividimos
Tudo no sol que rachamos ao meio dia ou na lua que louvamos à meia noite
Tudo no mesmo mundo onde a falta não importa se a mesa é farta.

Casciano Lopes

14.5.15

Lado a lado

Por vezes a alegria está do outro lado da rua
E enquanto procuramos uma faixa de pedestre para a travessia...
Ela se muda
Talvez fosse o caso de romper o trânsito
De burlar o asfalto e pegá-la de assalto.

Casciano Lopes

Ciência plena

Só saberei quando, sabendo,
Puder fazer saber aos outros.

Casciano Lopes

Posse essencial

A correnteza levou o que sobrava
Mas lavou por dentro como quem escava
E o que restou de mim é bem mais do que possuía antes.

Casciano Lopes

Unidade de medida

Quando aponto o indicador rumo ao cume
Nem sempre tenho certeza do destino
Medir distância também é tarefa de meus dedos.

Casciano Lopes

Procura do Eu


Loucura(r)

Se a loucura me queria, deveria ter dito antes
Costumo ser cavalheiro, como não sabia
A escolhi primeiro.

Casciano Lopes

7.5.15

Sem passos

Somos um país sem divisas e fronteiras
Somos uma terra inexplorada embora pensamos o contrário

...No dia em que for conhecida nossa extensão
Pularemos nossos muros que nunca foram vistos
Em busca de vizinhas cartografias.

Casciano Lopes

17.4.15

Dos que habitam

O cara que mora na escadaria
Ajeita a cozinha da sua maneira
E até faz a cama de suas manias
Abre as vistas na vidraça dos degraus
E ajeita o conhecimento na calçada
Até seus pensamentos lavados
Põem-se a secar no quintal.

Casciano Lopes

Pardalesca

Da delicadeza tenho a dizer que foi vista de papo com o pardal
Era de manhã, o sol rastreava os farelos do chão e ele os perseguia.

Casciano Lopes

Padecia do mal

Insensível ao que não comunga da mesma opinião
Incrédulo ao que não consta em seu livro de cabeceira
Incapaz de condoer-se com a dor alheia se esta não lhe reverenciar
Irremediavelmente perdido, visto que não há consenso entre suas leis e ações
Do mal dos tempos padecia...
Fanatismo sem juízo
Semente sem terra no campo das humanidades.

Casciano Lopes

Eco ecoa

O silêncio grita sozinho e calado o grito, calam os dias...
Restando apenas o que mora dentro da espera.

Casciano Lopes

Clara e sombra

A montanha
Objeto

Um jogo de luz e sombra

Enquanto se despe em luz... um lado
O outro... se despede em lua

Assombra... se breu.

Casciano Lopes

Nivelar

A mesma paisagem
as casas, as árvores
os carros estacionados
moleques com bolas
pipas bambos no ar
portões escancarados
e vento... vento que só
tudo na mesma rua
se descida ou se subida
é só uma questão de eixo
Ponto de vista... inclinação.

Casciano Lopes

Não

Se não te fizer pensar
Se de tão pronto só restar engolir
Se o sabor não puder ser antes construído
Não leve à boca, não lave aos olhos
Não põe na bolsa e não tatue na saliva.

Casciano Lopes

Descobridor de asas

Fui voando
batendo asas
empoleirando aqui
espiando em voo acolá
ora plainando ninho
ora chocando asas

e foi assim
que um céu apareceu

na verdade quando começou
achei que andava sobre a terra
até que do alto dos picos nevados
fui convencido do voo
só podia ter voado, impossível caminhar
E nos argumentos a montanha me convenceu.

Casciano Lopes

Passante

Eu não preciso que me entendas
Não te exijo chancelas e carimbos
Jamais me empresto aos teus vistos

Eu, enquanto fração de tempo
E que de tempo sou feito, fortuito como o tal
Só preciso passar, só necessito ser pulso

Um relógio ou um fio
E entre o segundo e o ponteiro
...Passar

Casciano Lopes

Autenticação

Se imprimo abaixo ou acima da linha de minha cintura
É só uma questão de assinatura
Sua opinião, ainda que me leia, não me desventura.

Casciano Lopes

Rumo das nascentes

O peixe talvez seja um poeta
Na piracema ele faz poesia
Estou convencido disso.

Casciano Lopes

17.3.15

Arrelia

Era...
Só uma gaveta que não se abria
Só uma fenda que não se bulia
Só uma página de todavia
Era...
Quase ontem com quase hoje
Quase noite mas ainda dia
...
Tempo guardado é assim
Uma quase romaria.

Casciano Lopes

Revide ao peso

Se o peso do mundo me subestimar
Desaforado que sou
Cruzo as margens de seu planisfério
E do outro lado da lua o deixo flutuar.

Casciano Lopes

17.2.15

Depois da poesia não será o mesmo homem

Como rio e peixe
...poesia e homem
navegam o mesmo curso
no intuito de não ser fisgado
embora seja destino.

Casciano Lopes

14.2.15

Tablado

Fingindo ser teatro pôs-se palco no meio da caminho
Fingindo ser tinta pôs-se circo e pintou palhaço na velha praça
Quando na verdade era só uma gaiola de tristura
...Fingindo metal, tinindo madeira.

Casciano Lopes

13.2.15

Lágrima lavadeira

Ela transforma lábios em altar de súplica
Adormece o olhar
Sem piedade enxuga a secura dos vincos esfacelados
Por face enlameada corre sem dó
Toda a reza vai lavando
As escadarias ficam deitadas e ela escorre...
É feito chuva de dormir.

Casciano Lopes

Se não for lar... é silêncio

As telhas trincam um gemido debaixo do sol
...Tudo é sonoro quando casa
Se não for abrigo... calam as estações
Até a andorinha apressada recolhe seu ninho
E o vento passa longe para não fazer ruído.

Casciano Lopes

Quarto enfeitado

Na maçaneta da porta um bilhete
Na penteadeira um ramalhete
E na cabeceira de amores
Um cravo à espreita, enfeite
Um fugitivo talvez
Ou quem sabe tenha aprendido o caminho
Entre o espelho faminto e a cama satisfeita.

Casciano Lopes

10.2.15

Hidrografia humana

O homem e seu fluxo correspondem ao sentido do rio e suas pedras,
tudo interligado numa teia de destinos e margeado de desconfianças.

Casciano Lopes

Preponderando

Um soldado entrincheirado... ainda é guerra
Um barraco voador... ainda é tempestade

Um menino adormecido... ainda é colo
Uma centelha... ainda é brasa

Então... uma ideia ainda é possível.

Casciano Lopes

Demores em mim

Entre e procure cá dentro o que ainda restar
Mas se nada encontrar fique e me complete.

Casciano Lopes

Buquê sem dolo

Dolorosa não devia ser uma palavra que incluísse a rosa
...Apesar de seus espinhos.

Casciano Lopes

Inocente saber

Muitas viagens perdem destino
Porque na partida deixamos o menino.
A viagem é um diálogo
Uma conversa entre dois tempos
E o primeiro é quem sabe o caminho.

Casciano Lopes

Chão de cores

Na parede do meu céu... tinta
E no hemisfério de minha pouca convicção... mais tinta
Nas rachaduras da inteligência... tinta
Na plenitude do que ainda não sei... mais tinta
Agora com tanta tinta é só começar a pintar!

Casciano Lopes

5.2.15

Cálice aberto

A falta que me mede e a medida do que me falta
Me cala a busca e o horizonte
Me cala a guerra e seu fronte
Me cala o peso sem balança
Me cala os segundos sem andança
...Calado por um grito que faz falta.

Casciano Lopes

4.2.15

Azulina

E se a arte nos faltar...
Que os azuis nos invadam
Eles podem voejar nossas cores e naufragar nossos medos.

Casciano Lopes

Paterno dia em noite materna

De modo que nasço todos os dias como fazem os nascentes
... O sol inclusive
E quando este vira poente
De novo entro em processo de gestação
Os ossos se aprumam para acomodar a nova carne e a pele se recompõe
Na madrugada têm início as contrações...
O coração altera seus batimentos em cada "dar.se à luz"
E quando os olhos se abrem, de novo o encanto neonatal
Percebo que se pôs entre os dormentes um poente homem
Enquanto um novo vivente adia o ser morrente.

Casciano Lopes

3.2.15

Águas de Ondinas

Se puder me juntar ao fogo
Vulcano, se ao mar
...Oceano.

Casciano Lopes



Acostume-se

Rezadeira boa é a que tem fé na reza, não no terço
A água que corre nos pés é sempre mais fresca que a do rio
E a que rola garganta matando a sede
Mais eficaz do que a que lava a procissão.

Casciano Lopes

Aos que me atravessam

Se de cores for meu colar
E por elas trilhar meus passos
...Nas cores

Encontrarei todos os perfumes
Todos de que preciso, necessito
...Emanar

Do lima ao carmim
Da Pérsia ao cedro oriente
Todos passando por mim

Com notas suaves...
Claves em cheiros
Dos que adornam olfatos.

Casciano Lopes

Homem altar e seu contínuo passar

Um homem feito é feito templo
Tem dourado nas paredes
O teto todo azulado
E o chão de marfim forrado
Feito de telha branca
Pra refletir toda luz
Olhos faróis de milha
Portais que levam à trilha
Homem é coisa séria
Sagrado feito devoção
Semelhança da imagem
Tempo mosaico de passagem.

Casciano Lopes

Das voltas que a palavra dá

Numa roda de poesia
A pedra canta afinada
A rua versa apaixonada
E a calçada não fica deitada
Numa roda de poesia
O brejo vira riacho
Cachorro usa penacho
E letras nascem em cacho
Numa roda de poesia
É onde o Divino se senta
Vento vira vestimenta
E toda a conversa é benta.

Casciano Lopes

Partida das águas

No gesto fel da face cruel
A abelha já não faz mel
A árvore não cresce
João não faz barro
Sem balanços no galho
A criança não tem copa
E então já não tem bola
E por não ter nada
Nada se avista, nem vista
E no fim a grama seca
Deixa de compor cordel.

Casciano Lopes

Das andanças no passeio

Quando caminhar procure tocar o menos possível o chão que te passeia
Afinal dele dependem outros caminhantes e os que já nele descansam
Dependem histórias...

As que plantaram no chão e as que em você se plantou.

Casciano Lopes

31.1.15

Infanto sumidouro das cidades

Na calada da noite quase nua
Na calçada com a lua, quase rua
Uma crua criança recua
Calada insinua fome, não era mútua
De posses só a ausência era sua.

Casciano Lopes 


30.1.15

Entre lobos

Quando desço a ladeira do mundo
Sou terra dividida, poeira soprada
Pedra rebolada sem quina para estancar
Água sem rumo certo fugindo de lobos e suas bocas

Quando subo a ladeira do mundo
Sou o próprio céu, estrela vira alimento
O bruto pedregulho assento e a terra
Cabe na palma da mão calando os uivos.

Casciano Lopes

Colônia poesia

É a poesia que me convence
Sua letra que me investiga
Sua pele sempre nua que me veste
É achar que não posso tê-la
Que faz de mim um perseguido
Pelas ruas brancas, sem rabiscos
Que ela insiste em povoar
Com gritaria de criançada
Com marmotas na calçada
E eu colono, obedeço.

Casciano Lopes

29.1.15

Cordas em caps lock

Quando um buraco de agulha
Me alargo para passar o fio
Se arco da porta da cidade
Me abaixo para estancar o rio
E assim vou dizendo em maiúsculas
O que calaram os minúsculos.

Casciano Lopes 

Repercussão


O esculacho da lavadeira

Casciano Lopes

Sou a tábua ensaboada do riacho
Sou o surrado da roupa no agacho 
Sou a cantoria fervendo no tacho
A grama e o farpado escracho.


Que todo mundo lia


No buraco da fechadura


Rua de explicação

Se na esquina da menina houver bancos
Sente-se e espere chegar a mulher
Retas perguntadas, rotatórias duvidadas
Respostas em intersecções
...E então entenderá onde se esconderam as paralelas
Antes que em curvas de pedradas se perdesse.

Casciano Lopes



Meados da poesia e minha metade

Em meio aos meus meios
Emendo-me de seus inteiros
Remendo-me dos seus meios
E de sua mania de inteirezas...

Casciano Lopes