31.5.22

Auto das horas

De noite, quando bate em mim o sino da missa,
sou o sacerdote de minha reza,
por vezes me sinto um terço dedilhado
e outras vezes sou os dedos calejados,
mantrando as contas de prece.
Há badaladas tão intensas,
que me sopram do altar
onde estou servindo de vestimenta,
mudam pro chão minhas pétalas
e deslocam o vaso que as amparam
em direção contrária ao lugar que é seguro estar;
e sou o lugar, o vaso e o chão.
Noite tem sempre algo de clamor
e eu me descubro vela e castiçal
de acompanhamento da ladainha...
Ora, o mais importante não é quem sou,
é o que a noite é em mim,
o que ela professa dentro de alguém
que sabe dela como sabe do dia,
importa por quem os sinos dobram.

Casciano Lopes

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