21.11.24

Qual sua altura e peso?

Nós moramos em tantos lugares ao longo da vida; improváveis, impensados, insuspeitáveis moradias que mais parecem esconderijos.
Nascemos e nos mudaremos algumas ou inúmeras vezes durante o tempo que viemos para gastar.
Da primeira a última chave, os lugares inimagináveis nos proporcionam pessoas e histórias, vistas privilegiadas compactadas em janelas ou espremidas e apagadas em muros de divisas.
Moramos...
Talvez numa vivência de hóspedes, de emprestados ou titulares, não importa... moramos.
Importa viver no endereço mais caro, no mais intransferível direito de posse por usucapião, sem o título de propriedade definitivo; possuir sem ter, e mesmo assim, não querer se mudar de onde nascemos.
Que nos custe apenas a descoberta, o reconhecimento diário de cada cômodo, de cada paisagem e, que seja larga a fotografia, que haja fartura de luz e que os corredores nos apresentem todo dia um motivo para zelar da casa que levamos para mudar de mundo, o nosso mundo que viemos para construir e mudar. E que quando não ficar a permanência do domicílio que não era fixo, fique a certeza do zelo e que as paredes gastas sejam tintas para contar as cores que fizeram nossas mudanças.
E que mesmo sendo transitório o nosso tempo, provisório o nosso corpo e irremediável a nossa estadia curta, que sejamos um bom lugar de morar.

Casciano Lopes

20.11.24

Memórias que sei

Sempre fui bendito.
Ainda bebê, nos finais de tarde,
meu avô me balançava nos braços,
cantarolando canções
que hoje sei que me valseiam na vida.

Casciano Lopes

Calado incomodado

Coisa barulhenta é o silêncio...
Arrasta os móveis da sala do meu peito,
arranha meus discos antigos da saudade,
passa a noite revirando o sótão da memória,
vive de tamancos caminhando por meus olhos,
e ainda, se atreve a encher meus lábios de psiu.

Casciano Lopes

Nós e eles

Todos podemos cruzar as distâncias
que nos separam dos ideais;
mesmo que em distintas velocidades
e particulares sentimentos de lonjuras.

Casciano Lopes

Movimento

Eu posso voltar, posso mudar.
Não sou uma coisa estática.
não posso endurecer jamais.

Casciano Lopes

19.11.24

Do que me devolve

Prezo as andorinhas que me aparecem no peitoril da janela do 10° andar sem aviso prévio para cantar, elas me permitem lembrar do que não previ e, ganham prioridade porque me roubam de mim.

Casciano Lopes

Canteiro de obras

Cresce em mim uma espécie de paisagem, um Boulevard.
Construções nascem nos corredores do meu pensamento e raízes juntam-se aos meus pés formando canteiros.
Nasce todo dia um pedaço de mim, cresce ainda minha obra.

Casciano Lopes

18.11.24

E me nega

Só sabe de mim o rio que atravesso.
Aquilo que me nego, não me vê passar.

Casciano Lopes

Palavras... palavras

Sou a notícia que corre e o segredo guardado,
a garrafa e o mar,
a letra aprendida e as linhas comprimidas entre pautas...
sou o papel que veio pra dizer, calado ou falante...
só um homem lido.

Casciano Lopes


O espaço que existe em mim

Tenho me gastado voando...
Pensando em asas que substituem pés,
vou à lugares nunca imaginados, num voo possível.
Porque o pensamento tem o poder de compor alados refúgios;
se eu souber administrar a falta de chão.
O que produz a transmutação do caos,
não é a possibilidade do cenário,
mas a minha capacidade de criar céu
antes de crescerem nas costas as envergaduras planadoras.

Casciano Lopes

14.11.24

Do outro lado

Eu tenho um verso,
dito às vezes,
escrito,
lido ou não...
Meu lado inverso,
o avesso de minha exposição,
de tudo aquilo que guardo
entre as linhas por onde
me escrevo feito verso.

Casciano Lopes

13.11.24

Outro dia

Independente... se tapas ou carinhos, se sutis olhares ou borradas espiadas, se tintas discretas ou pincéis agressivos lambuzam a face numa indiscrição desmedida... Que vigore o entendimento de que só é capaz de fazer rir o que sabe rir. Chorar, nascemos sabendo, o riso não, ele é aprendido.

Casciano Lopes

Daquilo que eu sei

Eu amei passar por cada casa que visitei, me causou mudança saber que não eram minhas... e amar o tempo curto de cada passagem.
Tudo na vida é assim, a gente aprende e passa, e porque passa entende a razão, mesmo que doam as idas para distante das portas.
As coisas mudam de rua, pessoas inspiradoras da minha autoria escolhem o tempo todo outro endereço, porque precisam e eu preciso seguir cumprindo moradias e compondo janelas para que outros se debrucem nelas.
Sei que também mudo e, porque refaço meus lugares, construo outros motivos de continuar vivendo, sem perder nada do que senti e vivi em cada pessoa que passou por mim e em cada gesto que fizeram os portões, quando se abriram.

Casciano Lopes

11.11.24

Programação

Penso muita coisa para o ano que vem...
dentre as coisas que almejo,
a prioridade é ter sorrisos inexplicáveis.
A vida veio até aqui e irá até onde for,
porque aprendeu a sorrir,
e isso, dispensa explicação.

Casciano Lopes

Sinto, então vejo

Um teatro cheio,
música clássica,
uma ópera,
um balé,
uma gentileza gratuita,
uma flor oferecida
para quem desconhece jardim,
uma boa música que toca a porção divina
num corpo material e pequeno,
um sopro num gesto de vento
que toca a areia da praia...
Coisas que marejam o olhar.
A dor não merece o choro.
O que os olhos ainda podem sentir;
eles podem ver.

Casciano Lopes

8.11.24

Consequências em evidência

Também é caminho... sentar um pouco, dormir se for preciso, criar novas portas, passar por elas e cruzar outras pra descobrir que não tem fim e nem retrocesso a estrada separada pra nossa jornada, incluindo o descanso que ela nos pede.
Está tudo bem pausar o acelerador que cobra velocidade; reduzir a marcha não quer dizer desistência, assim como mudar de opinião ou de direção não significa dúvida, às vezes é só certeza mesmo... de que chegamos e partimos sozinhos e de que quando saímos da vida precisaremos seguir com as escolhas, apenas isso levaremos da vida... as que fizemos ou deixamos de fazer.

Casciano Lopes

Cura o viver

Um xamã medicou uma tribo inteira
quando aprendeu a ouvir o canto da floresta.

Quem escuta, aprendeu e entendeu a vida...
E sabe sarar a aldeia em que vive.

Casciano Lopes

5.11.24

Um quarto de insistência

Alguns sentimentos não passam nunca, algumas memórias desconhecem o tempo, tal qual o ontem que insiste em existir num espaço pequeno que mal cabe o hoje cheio de mim; um fragmento de tempo.
A saudade, dentre todos os hóspedes que carrego em minha pensão, talvez seja a mais perspicaz, vive criando motivos pra esticar sua estadia... chega arrastar móveis nos aposentos meus, planejando se instalar e se acomodar nos anos que acontecem num só dia dentro de minha sensação de não passar nunca.

Casciano Lopes


3.11.24

Ensaiei meu samba

sozinho... Sim, eu choro às vezes, principalmente quando preciso e não posso mais dançar... No passado eu sambava e diziam que muito bem.
A lágrima me rasga quando vejo que o possível trocou de lugar com o impossível sem que eu percebesse.
Eu não tolero os maus tratos de meu riscado o tempo todo, embora pensem as pessoas, que sim. Mas, não tolero a fraqueza em mim e, talvez por isso, a maioria acha que vendo uma positividade tóxica, quando, na verdade, ainda sou o mesmo do passo de samba, das longas caminhadas, das leituras, da escrita que dispensava revisão, da caligrafia bonita que se esqueceu de como segurar a pena.
Pena... tantas camadas em uma só palavra, e eu só sigo achando uma pena gastar o tempo que me sobra chorando a dança que não posso compor. Acho um desperdício desaprender tudo que o sorriso me ensinou em detrimento do esquecimento que a amargura provoca.

Casciano Lopes

1.11.24

Café da manhã

Ele arrumou a mesa com a delicadeza de quem preparava uma cama de núpcias. Nada extravagante nos valores, louças modestas e aptas, talheres simples e capazes, toalha até um tanto gasta, que amparava uma jarra de suco, um pequeno vaso de flores, copos dispostos de forma ensaiada que mais parecia uma 'ordem unida', uma cesta de pães quentes e outra de frutas frescas que acenavam um desjejum.
O apetite, que primeiro sentou-se à mesa, flertou com os coloridos provocadores da fome aguçada. O capricho, que estava na cabeceira da mesa, encheu os olhos de vontade e o perfume sedutor vindo da xícara de café seduziu os amantes que debruçaram-se diante de galanteadora proposta, como quem desnuda o outro. Foram destampados os potes de geleia e manteiga, o queijo como mestre de cerimônia postou-se pronto para a celebração. Foi repartida sem pudores a saliva provocada pelo desejo, degustaram-se os apaixonados... Eles e a mesa de pernas fortes, bem posta feito cama, num deleite despudorado.

Casciano Lopes

Um apoio, um braço

Eu estou caminhando...
Com as tartarugas, mas caminhando.
Não mais com os coelhos, caminhando.
Mas caminhando estou.
Hoje importa o passo lento que faço,
mais que o embaraço
de quando me reclamam agilidade nas ruas,
porque agora, quando nelas caminho,
é como se do mundo eu ganhasse um abraço e isso,
por si só, afasta qualquer cansaço.

Casciano Lopes

Vivi depressa

A consciência do tempo pediu pressa e cresci ainda menino, amadureci jovem e agora, a fluência pela mesma consciência, pede calma para a tal maturidade do tempo para que eu possa refazer alguns caminhos quase antigos, afim de, sem aceleração alguma, vivê-los tão somente, sem experiência alguma.

Casciano Lopes

Quem seremos

O sol que reflete em nossos segredos,
como quando entra em casa,
esclarece quem de fato fomos
e que não deixamos de ser.

Casciano Lopes

Esquecimento

Embora busquemos o tempo todo memórias inesquecíveis,
há tanto que gostaríamos de esquecer!
Vivemos remendando retalhos,
buscando o que nos vista de memorável.

Casciano Lopes

Febril

Quando a febre aquecer o mar dos olhos e neles houverem mais mares do que suportem as marés, talvez rasgue-se a praia do rosto para caber tanto sal. É preciso que se rompam algumas comportas para que a gente não desapareça afogado em tanta água salgada.

Casciano Lopes

O que não e o que passa

Eu não vou esquecer que a vida é algo provisório e que, assim sendo, tudo passa e passará... não posso sofrer de eternidade aqui, não aqui; embora batam à minha porta, todo dia, vendedores da tal perenidade.
É fundamental manter saudável a pessoa que vive em mim, a que mora no corpo falível.
Não creio que o corpo afetado possa ferir a pessoa que vive nele, não sem minha permissão.
Preciso defender minha integridade.
E disso, quero morrer capaz.
Preciso querer.

Casciano Lopes

30.10.24

Invenção de verbo... 'Vidar'

Onde a vida fique de bem com o espelho,
onde ela possa sentar-se com a verdade
sem vergonha do passado,
onde na dança das cadeiras;
a mentira fique em pé.
A vida... onde ela saiba contar histórias,
que saiba rir mais de si que dos outros,
que goste mais de ser remetente
que destinatária. Onde há vida...
É lá que quero estar.

Casciano Lopes

Bilhete tarde

Eu não pude chegar mais cedo,
o relógio bem que gritou,
mas o pulso fingiu-se de surdo...
Eu não pude.
Quis correr, e quando quis,
já era tarde
no horizonte das minhas pernas.
Você e eu um dia entenderemos
porque meus pés dormiram tão cedo.
Talvez você queira saber...
que eu não pude.

Casciano Lopes

Poema duro

Talvez a dor cesse da noite para o dia.
Talvez do dia para a noite, cesse o desatino.
Talvez a força bruta da dor perca a força.
Talvez vire fraca a dor forte de ontem.
Talvez o amanhã venha brando, ou não.
Talvez nunca.
Talvez...
Certo é o verso que me faz candura
e me provoca brandura apesar de doer;
o que vejo passar sem saber
se verei ou passarei.

Casciano Lopes

28.10.24

Agenda ocupada

Eu estive sempre ocupado com o que podia fazer, talvez por isso, tenha me faltado tempo para a amargura... ela se ocupa demais contabilizando vontades e, displicente, vive aborrecida. O cálculo do que falta tem resultado sempre menor do que o que sobra.
Me consumiu tudo o que me fartava, de modo que jamais faltou ou falta alguma coisa.
Já me gasta o que tenho, me basta.

Casciano Lopes

Direito ao belo

Nada pode ofuscar a beleza se há um sol na nossa vida, os invernos de nossa alma se derretem e nossos campos de acreditar retomam sempre a jornada que o calor promete, quando cedemos ao mundo nossa paisagem.

Casciano Lopes

27.10.24

Parto

Passava por ali sem ser notada,
todo dia passava.
Sentava-se nos degraus dos dias,
descansava semanas.
Prometia e cumpria...
Anos e estações,
sujeita a passos,
mas também cama
e berçário de sonhos.
Parecia incubadora,
merecia o título da terra gestante...
gestação.
E de repente eclodia;
num viajante,
num passante,
num olhar atento
que vigiava seu estado de admiração...
A vida.

Casciano Lopes

Embarque de vivências

Há portais em nossa experiência humana,
passagens que nos exigem inteiros...
nossa viagem não é interrompida
pra que possamos ensaiar o novo cenário.
Metades não cruzam pontes,
porque nesta passagem não se paga meia.

Casciano Lopes

25.10.24

Porque somos lugares

Não tenho dúvidas que habitamos os lugares na mesma proporção que eles nos habitam... Pessoas são lugares, caminhos na multidão são lugares, silêncio e banco de espera são lugares... o outro que me continua e a minha ida na sua direção são lugares.
Moramos todos no mesmo encontro; no abraço que damos em tudo que sentimos entre chegadas e partidas.

Casciano Lopes

Era uma casa...

Há cidades inteiras morando no quintal do mundo e, se moramos no mundo, somos também a casa dele... somos formados de múltiplos endereços. Se sem muros, compreendermos essa geografia, mais que destinos, nos tornaremos cartões postais da vida.

Casciano Lopes

A viagem e o observador

Na viagem que a vida me propõe, meus pés tocam as folhas do caminho com a mesma reverência dos meus olhos, quando olham as mesmas folhas nas árvores antes de caírem.

Casciano Lopes

22.10.24

Ajuste de asas

No fundo,
vou experimentando os voos...
se rasos, altos ou profundos,
tento aprender;
o vento das alturas,
sua direção no tempo de solo
ou a sua liberdade
provocada em minhas funduras.

Casciano Lopes

Aos poetas

Que as pedras
continuem no caminho
de Drummond.

Casciano Lopes

19.10.24

Aos que gritam calados e sabem ler silêncios

Sempre fui exagerado... até hoje gosto de abraço demorado, de beijo que sabe prometer, de gente que não vai embora, de sorriso largo e espontâneo. Aprecio o muito das coisas.
Mesmo do silêncio eu tiro a contemplação que ele permite, e gosto de quem sabe calar do meu lado pra assistir a meditação na tempestade.
O café quente, a cerveja gelada e o sentimento... sem anestesia, por favor.

Casciano Lopes

18.10.24

Feito sem adeus

A gente não é treinado para os finais... somos preparados o tempo todo para a eternidade das coisas e pessoas.
A gente sabe que tudo acaba, mas finge não saber para que o mundo nos caiba e caiba em nós.
A gente brinca de 'para sempre', para não levar tão a sério a dureza das partidas e das horas não mais divididas.
A gente não possui, mas quer ser possuidor... seja da alegria provocada em riso alto ou daquela presença calada... possuir; momentos e suas frações de perenidade, e que não padeça jamais de fins.
A gente acaba como as coisas, volta pra gaveta ou troca de armário.
E porque a gente é humano, talvez pareça uma espécie de santo, só que andamos todos carentes de um pouco do devaneio de que dure o milagre de partilhar.

Casciano Lopes

Ganha-se com o tempo

Quando perdi, e perco todo dia, algo no processo dessa vida; quando esqueci minha audição em falas passadas, em mesas de reuniões e em discursos inflamados, não voltei para buscá-los... ouvidos.
Me adaptei e só hoje compreendo que no mundo das perdas ganhei o silêncio. Fui treinado para apreciá-lo e descobri que no fim da tarde, da lida, da noite, das semanas idas... o que a gente quer é não ouvir gritos e nem pautas de exigências.
A gente quer mesmo é o descompromisso calado, a inteligência sem palanque.
Aprovar o silêncio é o que a gente aprende, apesar do tempo que, de quando em quando, faz barulho.

Casciano Lopes

Fundo de olho

O olhar delicado
permite a dor,
mas inibe seu grito.

Casciano Lopes

15.10.24

Meu povo em meu Tempo

Procuro o tempo nas escavações que faço e nas expedições que organizo... pequenas pás me auxiliam na busca; pra não machucar segundos e nem ferir de pressa os minutos achados. Pincéis limpam horas passadas pra que saibam contar com ponteiros no papel da minha alma, feito caneta; depois de limpar a poeira de forma protegida, pra que o vento não carregue, e pra não virar pó tudo o que meus ancestrais disseram sobre os dias.
... E é só assim que os anos se acalmarão em meus séculos, depois de saberem ouvir o tempo deles.

Casciano Lopes

Por isso cavo

Foi cavando o que eu acreditava abrigo que enterrei tudo o que me colocava na chuva, tudo o que me fazia alvo dos bombardeios...
Agora procuro me molhar. O telhado já não faz tanta falta e as bombas em minas terrestres não amputam mais; não omitem a vontade da descoberta, do interesse por mim e por tudo que guardei, mas não devia.
Meu refúgio, hoje, é exposto no tempo da exposição, escancarado nas cercas de arames farpados, assim, não peco com a ausência do esconderijo num mundo que exige presença pra remissão... onde há perdão pro tempo descoberto.

Casciano Lopes

13.10.24

Estações

Eu sei que andei distraído...
Muitas folhas de árvores caíram no passeio e eu nem observei o outono que se deitou na estrada.
Caído no banco da praça, um botão de rosa quase gritou a primavera e eu, ocupado com o ajuste dos óculos, nem notei.
Eu sei...
Que enquanto tremia de inverno: ele passava dentro de casacos baratos e caros diante dos meus olhos que esperavam o verão.
Eu...
Verão e tantos verões arderam nos meus quintais e eu poupei a pele, escondi a sombra nas mãos pra, como lenço, banir o suor da minha febre.
Sei...
Que a fuga que me fez caça, hoje me faz caçador...
E às vezes me encontro.

Casciano Lopes

11.10.24

Do tempo que fica, desapegar

O tempo
que me faz passar
diante de tudo aquilo
que não passa...
o que ensina?

Casciano Lopes

Rosto em brilho

Não pude ver a chuva
que lavou a rua que moro,
porque estava ocupado,
encerando a casa que vivo.
... disse o sorriso pra lágrima.

Casciano Lopes

8.10.24

Tristes tempos

Vivemos tempos em que antes de qualquer pessoa, se apresenta: uma bandeira, uma militância, um fanatismo, uma pauta, um 'lugar de fala', um radicalismo estrutural, uma visão política egoísta, uma religião excludente, uma razão sem consideração pela emoção da massa, um devaneio vendido como sonho, uma mentira travestida de verdade absoluta...
Tempos difíceis, em que o amor e a solidariedade são pessoas no fim da fila, atrás da arrogância e da ignorância... dificilmente apresentadas e convidadas a entrar pra ensinar a nossa casa de como é divino ser despojado de rótulos equivocados. Somos humanos e não outdoors publicitários.
Não estamos aqui pra convencer ninguém, estamos para compreender o outro e a nós mesmos, e voltar pra casa.

Casciano Lopes

Sabor

Aprendi ainda pequeno, o amor pela cozinha... em fogão de lenha e forno de barro. Vi minha mãe dando conta de pão, pamonha, curau, queijo, requeijão, manteiga de garrafa, doce de leite, doce de abóbora, arroz doce, canjica, galinhada, pirão, polenta, bolo e o plural das coisas que se faz a partir do fogo, da boa vontade e do amor por dividir sabores... fui observador do giro do torrador de café sobre as brasas, do moinho de alpendre preparando o pó e do pilão do terreiro socando o colorau. É, tive provas de que é construído o que se leva à mesa. ...E o amor é construção, que se serve em abundância como tudo que não pode faltar.
Fui apurado feito doce no tacho.
Cresci assistindo minha mãe em fogão e mesa, servindo risadas e bom humor, bom papo e conselhos em torno dos pratos que fazia, com o gosto de quem sabia que o tempero da vida pede o preparo da dedicação pelo outro e que o amor servido mata a fome e fortalece o crescimento humano... A sabedoria de quem serve é o bem que jamais esvazia o celeiro e registra pra sempre a saciedade no livro de receitas da experiência sagrada que é dividir amor.

Casciano Lopes

Não localizado

Como ruas desconhecidas cortando a cidade, sigo como passante, objeto do imponderável que me transpassa e faz de mim, apenas um cidadão qualquer... um endereço na multidão.

Casciano Lopes

5.10.24

Contratando

É preciso alma boa pra morar nos prédios danificados pelos arranhões da guerra com o passado.
Que esteja intacta essa alma diante das marcas que causam paredes gastas... os combates da desesperança com a esperança.
Admite-se em qualquer tempo criaturas que possuam cores e, que elas saibam colorir sem omitir a velha tinta de contar o tempo.

Casciano Lopes

4.10.24

Amanhã, hoje não dói

Rio meus 54 anos,
porque é assim
que encontro sempre a dor
chorando sem lugar
na minha idade.

Casciano Lopes
03 de Outubro

Tudo bem? Muito bem, bem, bem!

Sobretudo, a alegria encaminha os encontros da vida, embora ela ocorra entre tantos outros sentimentos, simultânea ou isoladamente, eventual e até esporadicamente. Ela responde pelos embalos da coragem enfeitados com os laços do recomeço...
A alegria é simples.
Está na casa do palhaço, feita de lona e mudança, recomeça sempre; numa outra noite ou numa nova cidade... Não impede a legitimidade da lágrima, mas não proíbe a serenidade da graça. A alegria encontra o que o espanto esconde e ri quando descobre o pranto indo embora porque não sabe sorrir.
O rosto disposto ao riso é como o circo que não fica sem motivo, sempre haverá uma plateia esperando o abraço da alegria.
...E o choro sempre cede quando encontra um coração celebrador em festa.
Feliz vida sem a preocupação da idade, só de viver!

Casciano Lopes
03 de Outubro

2.10.24

Alegre esforçado

A alegria sabe fazer rir o cansaço,
porque o descanso
é por demais enfadonho e preguiçoso pra sorrir.

Casciano Lopes

Onde o sagrado mora

Ainda posso acreditar em mim...
o pior lugar é aquele de quem perdeu-se
dentro do próprio vazio.

Casciano Lopes

Procurando bem...

Alguns eventos trazem mais que mesa posta,
trazem a vontade e o olhar posto nos achados
dentre tantos escondidos.

Casciano Lopes

28.9.24

A velhice é qualquer tempo antes da morte

Não gaste a credibilidade que nasce limpa, com atitudes que gastam as idades e empobrecem a velhice antes da morte...
Acima de tudo, não seja mesquinho com o sorriso, gaste os abraços, abuse da generosidade, distribua afetos e, neste quesito, não economize; um olhar comprometido multiplicará os bens... os seus e os do outro.
Por fim, guarde apenas aquilo que não precisa de bolso, afinal, no fim de tudo, as roupas são desnecessárias e pra ir embora daqui, a gente precisa gastar a vida.

Casciano Lopes

24.9.24

Paleoantropomorfia

Vivemos situações que nos calam, imponderáveis decisões que assaltam nossa capacidade de celebrar a vida... Há tempos marcados de gritos mudos, onde muros com isolante acústico comprimem nossas vontades gigantes num mundo pequeno, onde medos murados nos fazem cativos da pouca coragem, outrora sem cerca e atrevida.
Há dias em que o plano caminho traçado por nós, rabisca falácias no discurso dos pés pelados ou calçados de estrada e que as falésias pervertem o planejado, arrancando suspiros molhados dos mesmos olhos que desenharam o retilíneo sorriso.
Sim... aprendemos a sorrir e, quando a lágrima quer provocar erosão nas nossas encostas, furtando a geografia da gargalhada ou o discreto objeto de riso do canto dos lábios, tapamos um canto de olho pra estancar a chuva barulhenta em troca daquela que lava a face da vida sem consumir com as rugas... só lavando mesmo o silêncio, pra depois secar as palavras nelas encravadas, quando o bom vento soprar e fizer varal dos vincos estirados feito pontes nas nossas idades... porque somos todos cidades em busca de mapas, destinos e pousadas em que descansam abrigos...
E que jamais mintam as intempéries, mas que também professem uma intempestiva calmaria, com a verdade brotada na nossa mania de provocar escavações, só pra provar que há embaixo das ruinas, motivos pra história contar nossos lugares.

Casciano Lopes

23.9.24

Certidão de tempo e vida

Se dormimos 8 horas por noite, ao final da vida teremos dormido 1/3 dela, ou seja, 10 anos de cada 30... pense nisso! Não é sobre dormir menos, é sobre estar acordado no tempo de chão, afinal, estrada não é cama e, a ação dos atestados pede o pulso dos olhos abertos.

Casciano Lopes


Viver enquanto vive

Penso que caminho no campo minado da vida, não pra evitar as explosões, mas pra aprender sarar as amputações sem deixar de caminhar... e no bombardeio, saber que as trincheiras também matam.

Casciano Lopes

18.9.24

Que seja um aperto de mão

Nada do que já me fortaleceu
pode ser esquecido...
de um sorriso de mãe,
do acaso de um sim ao caso de um não,
nada pode ficar sem abraço.

Casciano Lopes


Encantamento do não sabido

É o desconhecido que detém a mágica da vontade, que levanta antes de mim pela manhã e que me espera no fim da tarde, acreditando na minha curiosidade munida de audácia...
Porque desde a infância sabe-se que a velhice só é promessa para os penitentes audazes que alternam conhecimento e desconhecimento, como se ambos fossem iguais, a diferença está na magia que um tem e o outro não.

Casciano Lopes

Estado de céu

Do menino, guardo principalmente o cavalinho de pau, transporte que sabia o caminho do céu. Talvez por isso, hoje divido meu tempo entre aqui e lá, onde sou amigo das estrelas que me deixam guardar meu cavalinho.

Casciano Lopes

16.9.24

Compulsória pacatez

Eu não tenho mais a pressa, desde que fui submetido ao desleixo que ela, a pressa, me causou... a pressa de saber tudo, a de responder até antes da pergunta, a do compromisso que marquei com pressa... a pressa que me fez presa da calma imposta que, sem nenhuma pressa, hoje me agenda noites de sono, responde antes que eu seja questionado pelos curiosos que querem saber quem, do que fui, ainda sou... Quem sou? Só um homem sem pressa quitando antigos prejuízos.

Casciano Lopes

14.9.24

Perda de tempo

Quando a agenda dos dias pede a pressa que você nem tem mais, quando a demora se muda pra dentro dos olhos e você já nem sabe esperar tanto... é preciso contar o tempo sem ponteiros, só com o pulso mesmo, com o que ainda faz pulsar tudo que não precisa de relógio.

Casciano Lopes

Enquanto vivo

A minha decisão de viver,
nada
tem a ver com vida ou morte.

Casciano Lopes

Haras particular

Eu queria que doessem menos as ferraduras cunhadas nas solas de meus pés... eu quis, quis muito!
Ainda quero caminhar, marchar talvez, talvez trotar... e os terrenos pedregosos pedem mais cavalos na minha potência, enquanto eu, continuo querendo estrada, mesmo sem a sensibilidade das solas.

Casciano Lopes

8.9.24

Primavera

Duvidei chegar até aqui inúmeras vezes,
mas jamais me omiti de querer.
Importa saber que o 'porquê' pergunta pois não sabe,
e eu não preciso responder se cumprir a vida,
tão somente, satisfazendo o seu 'para que'.

Casciano Lopes

7.9.24

Promessas

As juras duram até que as limitações te limitem,
até que teus faróis sinalizem parada.
Duram as falas até que tua pauta concorde verbos,
até que o discurso não cometa o descalabro
de perder as margens.

Casciano Lopes

Por onde anda?

Aquele amor capaz
de dobrar as esquinas da cidade desconhecida
e guardar no bolso as avenidas vazias de calor,
aquela flor sem vaso...
capaz de dar perfume no mais solitário jardim.
Por onde anda?

Casciano Lopes

6.9.24

Na labuta e no cochilo

Chegar até aqui me custou a solidão dos meus sonhos e, por mais que tenha sonhado, precisei dormir tantas vezes pra que eles despertassem... Porque o que adormece na lida é o cansaço, não o sonho; esse padece só, e ainda assim, sabe acordar pra não morrer.

Casciano Lopes

Impressão

A gente deixa digitais em tudo que toca, numa arma de por fim ou num lenço que embala começo, a gente deixa digitais, numa taça de brinde ou no sangue vertido na lágrima, no copo dos olhos, a gente deixa digitais.
No corpo da gente e nos corpos dos outros, quando a gente lava os pequenos ou grandes, nascidos ou mortos, a gente deixa digitais.
Numa cama estendida, numa roupa alvejada, numa palavra amarrotada, passada ou não, no ferro com ou sem vapor, a gente deixa digitais, naquela camisa branca ou naquele casaco preto, a gente deixa digitais.
Na roupa nova ou velha, nas de núpcias ou de luto, da luta... a gente deixa.
Digitais.
Naquele bolo de festa, naquela rua da pressa, naquele quarto da calma, naquele banho de chuva, naquelas mãos com ou sem flores, a gente deixa digitais.
Na água que resta, na gana pouca, suada ou não, ou na fé da cana que promete, tanto a sobriedade do doce quanto o bêbado cálice da cachaça. Cale-se! A gente é só digital...
Na boca calada da face de expressão, no alarde feito com ou sem razão, naquele pão dividido ou negado, na passada que a vontade dá ou na covardia dos pés quietos, a gente deixa digitais...
E vira culpado do que fez e do que não fez, vira procurado porque marcou presença ou lonjura... e se assim é, que seja encontrado o motivo que justifique os dedos que ficam ou que partem sem mais tocarem.
Porque digital é coisa 'quase crime', que se a gente não comete, já cometeu ausência e, só por isso... é criminoso.

Casciano Lopes

3.9.24

Psiquê

Um corpo doente consegue ser orientado por uma mente saudável, já uma mente adoecida deixa sem valia um corpo são, confundindo qualquer brejo com oceano.

Casciano Lopes

2.9.24

Porque somos casa

Todos temos dias de cozinha,
de área de serviço,
de quarto
e da varanda que nem temos...
gosto dos dias de sala,
onde faltam assentos pra prosa
e onde,
nos dias de pensamentos,
eles se esquecem cochilando
na poltrona.

Casciano Lopes

Sossega

Silencia a mente
quando o barulho
da vida
bagunçar teu olhar.

Casciano Lopes

26.8.24

Rosto em palco

Todos temos silêncios guardados, segredos contidos e dores reprimidas... Mas nem todos sabem guardar lágrimas pra não borrar o lado da vida que pede face pintada, de capacidade de fazer calar o grito do outro lado calado.

Casciano Lopes

Pose de altar

Os milagres esperam,
a todo momento,
um clique sem filtro, 
sem lente especial
ou olhar profissional,
apenas um atento
e humano registro.

Casciano Lopes

Ainda que

Ainda assim, apesar do dia lá fora, do sol que ilumina o calçamento e do julgamento que a luz comete sobre tudo que se expõe... ainda assim, dentro de mim, a vida se mostra, mesmo que na sombra de guardar e de aguardar a sentença.

Casciano Lopes

A vida é um dia

Fui surpreendido com essa alegria de entender a vida como algo que encanta apesar dos pesares; um passarinho beliscando a rosa numa manhã despretensiosa, ou um sol, que se deita num fim de grama de uma tarde, sem intenção alguma de ser cama, viram motivo pra descansar a vista... e os olhos que doem, porque passa, entendem a dor feito o passarinho que sente penas e voa; porque o mais incrível não é fugir das transições do tempo, é cantar durante a viagem e olhar com olhos de quem vê o tempo todo voar...
o Tempo.

Casciano Lopes

Ontem de inverno

Dizem que está chegando a primavera; a árvore do quintal de casa, até ontem ressequida, hoje amanheceu em estado de brotos, e as plantas do passeio, ressentidas pelo frio, já ensaiam passos largos para o desfile dos apaixonados... Dizem até que será permitido o abuso de passear pela tarde, descalça, a elegância de braços dados com o desalinho, desprovidos das pantufas que fazem silêncio no assoalho lá de casa.

Casciano Lopes

O portão e o bilhete

Pensei ter chegado,
mas era uma partida
que fazia doer
meus pneus no asfalto,
por achar entrada
o que era saída.

Casciano Lopes

Passadas

Nem sempre o caminho é a fera...
Às vezes é o caminhante.

Casciano Lopes


Tudo exposto

Ainda há tempo de fazer florir um sol nas raízes que acreditam.

Casciano Lopes


Era uma casa

A casa precisa sim estar arrumada, as gavetas organizadas e, se possível, um vasinho de flores na mesinha de centro à espera de cheiro... Disse o corpo ao seu morador.

Casciano Lopes

Alar resiliente

Assim como os pássaros sejamos
capazes das estações suportar,
sem deixar as asas sofrerem
de pena.

Casciano Lopes

Objeto em foco

Bem mais que o sol que se dispõe a iluminar,
precisamos de corpo para oferecer ao milagre da luz.

Casciano Lopes

Lótus

Qualquer cenário exige dignidade na apresentação. É preciso flutuar sobre tudo o que nos desafia, caso contrário, não veremos flores, não seremos primavera depois de qualquer inverno e nem veremos o rio assentado para que possamos exibir nossas cores.
Vez ou outra teremos deficiências no caminho das águas, porém, delas faremos substratos para nossas raízes e quando o olhar pedir, teremos o que ofertar... Bem mais que a vergonha de não florir.

Casciano Lopes

Anu-branco

Deixa eu encerar tua passagem,
deixa eu brilhar tua porta de entrada
e iluminar tua saída...
Disse a coragem aos duros pés do medo.

Casciano Lopes

No fundo do raso

Na superfície de tudo aquilo que desconheço,
existem profundezas que me sabem todo.

Casciano Lopes

Faixa de areia

Eu sempre soube apanhar conchas na praia, elas vinham lavadas pelo mar... Sabiam muito mais que eu do oceano, entoavam nos meus ouvidos tudo o que ouviram e dos segredos, eu soube.
Me diziam das tormentas, trazidas histórias que caladas na areia ganhavam fala em minhas mãos... Também me contavam de calmaria, de veleiros em águas vestidas de imensidão e me diziam: cante e ajude soprar as ondas, tua praia pequena ainda cabe o mar que não sabes.
Soube.

Casciano Lopes

A própria travessia

Tudo o que nos conduz ao sacrifício, antes nos coloca na ponte de nós mesmos, nos confronta e nos enfrenta...
Não existe dor sem que nos atravesse a sua intensidade e durante os 'ais', costumamos encontrar, além da cura, nós mesmos.

Casciano Lopes

Pano zodiacal

O que desata o destino não é a compra da passagem, não é o embarque... é a paciência com que se manuseia o nó, enquanto descobre-se o velho mundo a espera de um novo olhar...
E aí, de repente, se desfaz em mãos o emaranhado de fios, formando sem magia as linhas que permitem pés munidos de vontade.

Casciano Lopes

Acordado o sonho

O que dá forma aos meus sonhos, não são os detalhes do capricho sonhado, é o quanto acredito neles acordado e quanto de disposição invisto na organização das paredes dentro de mim, pra que eu possa acomodá-los antes mesmo que se tornem reais.

Casciano Lopes

Instrua, reconstrua

Hoje eu vi um menino e uma rua
Um céu com lua e a crua casa...
Vi.
Casa da rua, tintas gastas
Clarão refletindo paredes nuas
Vi...
e pensei cores, o tempo delas
O pincel dado ao que espanta
E que possa em fuga, fugir o velho...
Vi.
O velho medo de ver menino
No olho da rua.

Casciano Lopes

Assim finalmente

A gente é só um começo sem fim,
um fim que dá sumiço pra começar outro enredo,
pra se enredar no meio de tudo que começa
pra nunca mais se acabar assim.

Casciano Lopes

9.8.24

Poças d'água

Tenho nuvens em mim
Carregadas nuvens, sopradas
Ventos que levam e trazem
Trovejadas, rajadas que se rasgam
Nuvens...
Águas armazenadas em mim
Em olhos de passar céu
Onde moram nuvens olhadas
Molhadas, encharcadas
Nuvens...
Quem me dera, chuvas
Que logo chovessem as nuvens
Que estancassem as previsões
Que fossem lavadas as permissões
Nuvens.

Casciano Lopes

8.8.24

Passaporte em mãos... Embarque

Ainda quero viajar e conhecer lugares de minha terra,
mas é dentro de meus interiores,
em meus sentimentos guardados,
no profundo Ser de quem sou,
que quero correr pra me abraçar em cada desembarque.

Casciano Lopes

Assim é

Eu sou só um rezador
que deita e acorda
encontrando prece
em cada motivo de descrença.

Casciano Lopes

6.8.24

Diversos naufragados

A vida é um eterno 'deixar ir', desde as nossas idades que partem sem se despedirem, até nossa convicção que vira pergunta na resposta do tempo... a gente se despede.
... Da roupa porque cresce, depois porque encolhe, depois... A gente se esquece.
... Porque o mundo corre, e a gente quase nunca acompanha, a gente se deixa ir.
... Um pedaço aqui, outro ali, um acolá e porque tudo passa; passa a vontade e fica a saudade de tudo que partiu, dos trechos da gente que se perderam enquanto partia o 'deixar ir'.
... Parte todo dia: aquele amor, aquela certeza, aquele porto seguro.
Fica sem cais nosso barco até que um dia se parte.

Casciano Lopes

Há que haver

Não é simplesmente do nascer do sol que minhas horas contam a espera, é da luz que sabe esperar dentro de mim, calada feito madrugada de silêncio, que elas dividem em minutos pra ficar mais fácil de contar a noite apesar do dia e vice-versa.

Casciano Lopes

Do que consigo e me faz poder

Então não posso mais...
O que dizem é contestado.
Aprendi assim e foi questionando o 'não' que me lavraram, que eu me disse 'sim'. Beirei os limites do 'demais' tantas vezes, por acreditar que o 'pouco' me tira o que sobra de força e desenha linhas proibitivas que abomino, não por rebeldia apenas, mas por necessidade de empregar ao tempo o que ele espera de mim... Coragem.

Casciano Lopes

5.8.24

Cooperativa

Cooperação e não competição... Ou nos enquadramos na dimensão que expande nossos limites ou passamos a vida em maratona sem chegar a lugar nenhum e sem premiação alguma. Muitas vezes encerramos a carreira sem ter visto o dia da largada, sem ter dividido a noite do percurso e absolutamente a sós na linha de chegada... sem crescimento e empobrecidos no sabor que requer mesa dividida e não competida.
Que sejamos como um dia, com inúmeras fisionomias ao longo de suas horas, cheio de nuances e imagens distintas, a depender da luz, do clima, da paisagem ou da ventania... Mas sem perder sua essência, sem deixar de ser dia que espera a noite chegar.

Casciano Lopes

4.8.24

Não há quem possa mais que todos em um

Quando o humano entender que está de hóspede nesta Terra que um dia precisará devolvê-la em bom estado para que outros a possam utilizar com dignidade, sarará suas imperfeições.
Cessarão todas as dores quando ficar claro que se está neste planeta mais que para ajuntar, vieram todos para trocar, doar e somar recursos, com todas as formas de vida, inclusive com a Terra que é um Ser pulsante e, que generosamente hospeda os habitantes com resiliência; porque não há quem veio para ficar.
Absolutamente todas as afirmações e negações ocorridas no tempo de qualquer vida, estão intimamente ligadas ao processo evolutivo dela, e ditarão benefícios ou malefícios para seu emissor. O descomprometimento sempre gera dívidas que, infelizmente, precisarão ser pagas por um grupo e isto, por si só, também não será desconsiderado entre as ações, de quem quer seja, na ocasião da balança que quantifica o bem e o mal produzidos por um indivíduo.
Nada custa entender e respeitar o outro (tudo e todos do caminho). No entanto, em todo o tempo, é escolhido o preço alto da individualidade.
A Terra, assim como o Universo, não é um organismo independente e não tolera mais o descaso humano de pensar acima da régua da igualdade.

Xamã Cacique
Nivaldo Casciano de Almeida Lopes

3.8.24

Quero assistir

Em cada trecho do meu filme vejo a intenção de um longa metragem, em cada 'take' uma retomada de direção e, nas pausas pra ajuste do figurino e roteiro, vejo que algumas filmagens se tornaram 'curtas', nem por isso menos importantes e que, tanto quando dirigi, quanto quando fui dirigido, a intenção era a da tela grande, a da plateia lotada... e a intenção importa tanto quanto uma noite de estreia, uma sala de autógrafos ou um camarim disputado.
Quando aos 53 anos, assisto e me transporto pra cada locação, visitando os cenários, como por exemplo: os 36 endereços por onde passei morando nas 'tomadas' desse filme, entendo as edições e retomadas de cenas como pontos de partida da criação, começo de fato a colaborar com o sucesso, que muitas vezes nem está no cartaz da porta do cinema, está numa única poltrona ocupada na sala de exibição... a cadeira que ocupo como numa academia... onde sou imagem e som do filme que vim pra rodar, ator e diretor da obra e, que por fim, me descubro sentado como espectador numa cadeira numerada de uma fila qualquer.

Casciano Lopes

Sem cerimônia

É preciso estar casado com ela, estar causado de seus efeitos colaterais, avariado pelo riso que ela esboça; independente de rosto cansado, quero estar malhado até que a tristeza emagreça por descaso e, calçado da alegria, seguir pro cartório pra fazer divórcio da angústia que cala quando ela fala... Ela, a felicidade com quem ando de caso.
Indiferente aos motivos que tenho pra molhar os olhos, opto apenas em mantê-los entre aspas numa gargalhada.

Casciano Lopes

2.8.24

Renasço

Ter nascido e ainda nascer todo dia da semente que acredita no seu fruto, vale a pena, vale sim e, o quanto cresço no sol ou diminuo pra caber na sombra da casca que se empresta ao broto, não importa... interessa lembrar que uma árvore toda dorme em mim em qualquer estágio e, que renasce a cada poda, a cada florada e a cada gesto de fim... Um começo...

Casciano Lopes

Solto... soltar... Sopro... Sopr(ar)

Focado no olhar mais complacente, buscando o lado bom daquela versão não contada, dispondo acolhida ao que eleva mesmo em dor e agradecendo a paciência por saber esperar acalmar o bravio desafio que é me ver passar... sigo no espelho que a vida me deu em troca, quando me colonizou como terra nova, poeira que não envelhece e apenas passa.

Casciano Lopes

Era um açoite não ver nascer o sol do mar

O barulho das ondas me acordou, desde então, durmo pouco pra não perder o mar, deixando que ele leve as mágoas enquanto deixa molhado o casco da minha embarcação e, quando durmo, açoito a dormência pra não perder o sol que antes dormia em mim e que agora conserta acordado meu barco lavado.

Casciano Lopes

31.7.24

30.7.24

Terra em cinzas

Para a liberdade foram
inventadas asas,
para as distâncias
foram desenhados céus
que coloriram de azuis
para que pudéssemos suportar
o cinza que encurta
o voo livre.

Casciano Lopes

29.7.24

Medicado

Quando acordo e olho o dia,
não espero que ele me renda saúde,
mas que me cure de mim.

Casciano Lopes

Eu em 3x4

Há uma reserva em mim, nem sabia e não conhecia, há em mim.
Tenho praias, varandas e redes, campos e verdes margeando riachos onde cantam uirapurus.
Em mim, tenho matas virgens e outras com trilhas e aldeias, há picos altos e cachoeiras de encostas com carpas enfeitando lagos depois da queda.
Há lagos em mim e talvez por isso, suporto a dureza do concreto, o cinza que tinge os prédios que moro e o deserto da cidade que me ronda sem achar lugar de fazer retrato em mim.

Casciano Lopes

Compreendendo a marcha

Quando corri nas calçadas, buscando passagem entre a multidão, reclamando do fluxo obstruído e chamando de agilidade o que era pressa... Era só um homem confundindo o tempo substantivo com o verbo alcançar... metas que estabeleci e que me cobrei; como se pagar a conta fosse viver e daí, gastei o tempo, deixando de passear por ele e apenas passei.
Hoje, que nas ruas e acostamentos do caminho, me empurram porque não posso me apressar e, eles esperarem, passeio feito verbo pelos tempos da conjugação, flexiono a ação de ansiar... porque agora a minha meta não é mais a de chegar no palanque dos grandes discursos, é alcançar a minha tribuna interna, onde nem preciso falar, porque minha audição está ocupada ouvindo o vento passar.

Casciano Lopes

24.7.24

Suspiro

Tem certas coisas que não sei dizer, faço tal qual o silêncio da flor que não sabe chorar seus espinhos, tal qual a madrugada que parte calada pro dia chegar... Na falta do que dizer, sinto em volume alto e ouço acima do que a vista alcança, pra arrancar de mim nem que seja um espanto mudo do que me mostra tudo e todos os que como eu, não podem ou sabem dizer.

Casciano Lopes

Protagonista

O desafio muitas vezes é o desafiante, que olha pro oponente como quem vê um inimigo a ser derrotado, quando deveria olhar nele um trajeto aliado; onde não existe podium pro melhor, apenas uma plataforma pra parceria; onde vencer é bem mais que medalha no peito... é sendo desafiado, não deixar ninguém pelo caminho, nem mesmo o antagonista da história.

Casciano Lopes

Lar

É comum se sentir desconfortável fora de casa, talvez por isso, vez ou outra nos sintamos apertados no mundo... A agonia pode ser um antídoto da permanência, pra que a gente não goste demais de ficar e um dia, aceite voltar pra casa.

Casciano Lopes

Encandeia

O brilho atuante na vida do vivente deve exceder o da chama de uma vela que tem curta duração, deve ter a força dos potentes geradores de uma usina, deve ter excedentes pra não faltar, fornecer pra ser farol que guia e distribuir iluminação pra ser o que ampara a luz, caso contrário, o que professa vida se torna apenas uma casa de máquinas desativada.

Casciano Lopes

23.7.24

Clara evidência ocupada

O que nos move está além da luz que brilha lá fora,
não está passivo no banco da praça...
Está ativo nas veias de nosso sentimento,
circulando pela importância de iluminar
nosso breu interior enquanto há vida.

Casciano Lopes

A gente abre mão

Do que dói porque fica rouco, do que não chega porque deixa louco, de tudo o que nos faz pouco, num mundo onde a demora nos torna uma espera do tudo e pirraça a alegria... A gente abre mão dos danos, da tristeza em nome de tudo o que pode ser, e pode!
A gente pode fazer dos anos uma chegada, uma estadia dentro da gente... A gente pode polir os arranhões da nossa mobília enquanto descobre aquilo que nunca deixa de dar voz, nem tão pouco de lustrar nossa durável esperança do que não se abre mão; nossa capacidade de ser, de morar na gente; não na vontade, mas na possibilidade da descoberta do quanto vale o que se gasta, do que nos gasta... Tempo não se abre mão.

Casciano Lopes

22.7.24

Somos quando em exposição

A chuva que molha o que está exposto, não tira a beleza exibida, converte em lavada a poeira e escorre na calçada sua função cumprida.
Obra escondida não encontra sua missão, assim como a água que sem garganta não encontra a sede pra saciação.

Casciano Lopes

Absolutamente

Tudo o que puder ser visto com a lente da contemplação, terá a ação de filtragem, retendo resíduos e deixando menos turva a visão, gerando um humano em sua ocasião.

Casciano Lopes

20.7.24

Ouvido pra penas

De todos os motivos pra gostar da viagem, ouvir passarinhos ainda é o que mais faz valer a passagem.
Acho uma pena viajar sem o linguajar desses guias que sabem solfejar como ninguém, tanto as partidas, quanto as chegadas...
Marejar, mas cantar.

Casciano Lopes

Bolso, sei remendar

Como qualquer pessoa tive vontades, desejos que viraram passado e outros que se mudaram pro futuro com a alcunha de sonhos...
De todos que deixaram em mim a permanência do sabor de suas virtudes, guardo a degustação da força que, embora impermanente a depender das circunstâncias, tem me levado adiante, apesar da fragilidade do esgarçado bolso, onde os guardo todos... os sonhos que, quando não se realizam por descaso ou acaso do que não controlo, mudam e me ensinam a adaptação, a resiliência e a resignação, não demais, apenas o suficiente pra continuar a vida, com vontade.

Casciano Lopes

Segundos escritores

Vibro afim de escrever cada minuto
depois que descobri páginas em branco
no livro das horas passadas...
Instantes que, se riram, não vi.

Casciano Lopes

19.7.24

Ponto zero

Nas madrugadas
o silêncio sabe se explicar e,
por ser ouvido,
cala quando acordam os pensamentos,
ensaiando cochilos
entre a fala e o que dizer.

Casciano Lopes

Laço de duas pontas

A resistência enfeita a vida
do presente que é viver.

Casciano Lopes

E chorei

Quando pedi clemência,
era dos meus equívocos que falava;
porque toda vez que me vi grande,
precisei da minha criança...
Menino pequeno demais.

Casciano Lopes

Uno estar

Quando a gente caiu e ainda cai... porque a vida ensina tombar e não se prostrar, a gente levantou e se levanta todo dia, nem sempre só, nos apoiamos um no outro pra sustentar aquilo em que acreditamos... O amor que não pede nada em troca, só a presença mesmo.

Casciano Lopes

18.7.24

Ato de resistência

O que testemunhei foi a receita pra minha dor, calei o sofrimento com o lenitivo do medicamento da alegria.
Os diagnósticos que a vida me lavrou, eu não contestei e ainda não revogo qualquer decisão; o que faço é apelar pra tudo que vi pra que me ampare. Rogo pelo vigor mais que a prece roga pelo favor. Isso me faz acreditar que a sentença da tristeza é bem mais fatal que o placebo. Ser alegre é meu remédio e a cura não é a ausência do desconforto, é saber lidar com ele pra que jamais tome o meu lugar de testemunhar o riso.

Casciano Lopes

16.7.24

Pés no chão

O chão se estendeu diante dos meus pés e eu o percebi na pisada, mais duro que de costume. Senti nas passadas um incômodo nos calcanhares, um desconforto entre os pododáctilos gerou mais dureza na viagem.
De maneira que caminhei metros e sentei pra repousar intervalos de profunda vontade de voltar, não fosse extensa a estrada de volta, teria voltado, mas dos quilômetros que faltavam não sabia e os percorridos conhecia... segui.
Ainda sigo na empreitada dos passos, precisei e ainda preciso aliviar o peso da bagagem em cada pausa que faço, embora a poeira do caminho tenha encerado meus olhos há milhas, por acreditar nas varandas sombreadas de guardar corpo cansado, sigo.
E acreditando em milagres e outros acasos, costuro meus casos em cada palmo da linha que liga meu homem passado ao do futuro, do que pensei de mim e no que me tornei, do que caminhou as descrenças da paisagem e que, agora, busca a crença debaixo das árvores onde sua o repouso dos viajantes.

Casciano Lopes

O amor em vidência

Na conjunção do amor, naquele amplo e irrestrito que tateia os casais que se unem para sempre, há bem mais que pontos ligados na terra, há laços enfeitados nos céus, estabelecendo a expansão aqui, e lá, a comunicação dos astros.

Casciano Lopes

15.7.24

Ego projetado

O ego deslocado faz você olhar o outro sem o filtro da autocrítica, culpabilzando suas deficiências em causas fora de si e agindo assim, como se o mundo tivesse que agir no seu acordo... O ego em desequilíbrio, tem dificuldade de reconhecer a proporção que separa a falha do acerto, a falta da sobra, especialmente quando está em nós o déficit desse equilíbrio.

Casciano Lopes

14.7.24

Sinto muito

Não sei se por zodíaco, astral ou coisa assim, sou emocionado. Um fugitivo da apatia e, por empatia, vivo no esconderijo do exacerbado.
Sou de distância curta entre o sorriso e a lágrima, embora curta um longo e a outra curta, sou emocionado com as duas pontas que fazem pontes pra que tudo me atravesse, enquanto eu sigo como cidade exposta, sem muros de contenção, visitado, porque sou emocionado.

Casciano Lopes