9.10.12

A vida na praça

O que me diz da sorte esse encanto verde?
Qual será o bilhete picado a ser bicado?
Qual será a canção do acompanhamento?
Será num pio só o destino como por lampejo
Ou a manivela esticará a corda feito realejo?

Casciano Lopes

Eu e o meu tanto

Tanto tudo!
Que tudo dói,
E que tanto!
E que tudo!
Tudo tanto dói.
O meu tudo,
E o meu tanto...
Flui.

Casciano Lopes

Rota de fuga

Os atalhos podem ser perigosos
O que não os torna menos interessantes
Essa estrada só tem de certo o que ninguem quer pra si
No entanto,
Quantas vezes nos escondemos nos becos
À espera de uma nave que nos faça transpor
Tanto estrada quanto atalhos
Tanto o certo quanto o duvidoso
Tanto a vida quanto a sentença.

Casciano Lopes

Ledo emprestar

De tanto emprestar-se, corre-se o risco de perder-se
A calma pode ser duradoura
O que não equivale a eterna
Assim como tudo finda quando se cansa da espera.

Casciano Lopes

Botão de vida

Assim como as estações, a vida é cíclica
É necessário que o chão se esparrame em folhas
E que o botão de rosa caia
Para que adiante a beleza de outros
Nos calem a contemplação
Nos embebedem com seus perfumes
E a vida segue... num eterno girar da roda,
As estações.

Casciano Lopes

Em tecido xadrez

Quando vi minha mãe lavar pela primeira vez minha camisa xadrez
Tamanho pp de costura caseira e cor de festa,
Olhei ferver, depois quarar e estender na cerca farpada
Esperei secar e a vi passar no ferro de brasas...
Entendi para toda a vida que era um privilegiado,
Pela mãe, pela grama que quarou, pela cerca que secou,
Pela brasa que primeiro ferveu e depois passou
E pela camisa fazendeira que ainda hoje veste meu peito de orgulho
E protege minhas costas de esquecer o passado.

Casciano Lopes

Nas oitavas de uma saudade

Aquele cafezal... Ah, aquele cafezal!
Os carreadores não saem jamais da lembrança,
Com sua gente no derrice,
E seus cigarros de palha atrás das orelhas.
Não me abandona a saudade da mulherada das peneiras,
Com suas cantigas oitavadas,
Não foge a delicadeza das moringas,
Descansando frias embaixo dos pés carregados.
Não desaparece no túnel do tempo,
O ronco dos tratores e nem o trotar dos cavalos,
Ah, os picuás e embornais de um cru tão interiorano,
Que tinha o poder de dar gosto de costela na polenta.
Posso sentir o cheiro de capim tenro,
Da terra fofa e de toda aquela minha gente,
Que ainda vive na memória,
Embora tantos tenham se apressado na partida.
Digo assim para a saudade:
Que ainda vive aqui um Paraná
E sei,
Que vive lá um menino do interior.

Casciano Lopes


Afinando as posições

Os ternos do passado foram enterrados com a arrogância juvenil
Hoje só quero a pele descoberta, mostrando o que pulsa nas veias
Quero ruas peladas para deitar o corpo escancarado
E que a brisa leve aos quatro cantos
O cheiro que trago marcado pela liberdade de ser destoante.

Casciano Lopes

Entre páginas

Nem sempre tem tinta para o diário
Por vezes as páginas ficam em branco
Com o tempo até amarelam!
Com o tempo a esferográfica nega sua cor
Esgota-se...
Mas vale lembrar, que há sempre aquela que estoura
Neste momento as páginas devem estar abertas
Nem que seja para borrar seu branco.

Casciano Lopes

Tens que saber

Quando o horizonte fica escuro

É sinal que a chuva vem chegando

Vem de manso, de pancada,

De rebento ou trovoada

Não importa se tens guarda chuva

E sim corpo para o banho.

Casciano Lopes

Simples assim

Eu sempre vou querer a loucura de ficar mais um pouquinho,
Preferir do que ser preferido,
Escolher antes, mesmo que seja para reclamar depois,
Fugir da covardia antes que ela faça com que a coragem fuja de mim.
Eu gosto da insensatez comedida,
Aquela que desperta o extremo diante do pequeno caminho,
Aquela que apazígua esse crime doido de viver sem cabresto,
Assim que quero a vida...
Essa declaração de morte divertida e sem padrões.

Casciano Lopes

A solidão...ser inanimado

A minha cidade hoje está vazia
Mudou-se de latas vazias a última moradora
Está tudo vazio
Os meninos brincantes já não mais adornam a praça
Os moradores da esquina sem dono despediram-se das ruas
Só deixaram velhos jornais
A andorinha que morava no poste de luz mercúrio
Sequer despediu-se
E o último casal que passou por aqui
Já não perfuma mais o caminho
Eu, banco que sou
Branco assentado
Não pude ir e temo o frio da cidade... vazia.










Casciano Lopes

A garça de 2012

Essa menina de pernas longas, bailarina que é,
Percebe-se pelos pés sofridos nas sapatilhas de ponta,
Aprontou-se um dia desses,
Colocou seu tutu branco,
E em meio a uma réstia clara de água do mar,
Pôs-se a exibir seu número,
Por sorte eu e meu marido passávamos em plateia
E o balé ficou completo.
O palco mar, o amor ensolarado e a brancura
Da que não negou seus passos largos.

A bailarina que deu o tom do verão passado.

Casciano Lopes

Parreira

As taças que descobrem seu ardor
Descem... prostram-se...
Emprestam-se à cor
Tingem o esmaecido cristal
Escorre seu verniz avermelhado
Seu púrpura acetinado
Fazem esquecer a dor
Sob parreiras, costuram ideias
Enquanto escorre seu vinho revigorador.

Casciano Lopes

Reverência à leveza

Quando na minha sala estiveres
Desvestes teus pés
Quando à minha soleira chegares
Descobres tua cabeça
Quando pela casa andares
Te ponhas nu
E se em minha cama deitares
Arranques tua maldade...
Porque gosto dos leves passos
Dos quietos ventos
Dos espelhos lúcidos
E dos livres homens.

Casciano Lopes

Veste de quintais

Quando vestimos de branco nossa terra negra
E cobrimos de manto nosso chão sangrado
Lembramos da luta e nos instrumentos suamos o passado.
Já nas cores compassadas de nossos trajes
Declaramos a essência de nossos quintais.

Casciano Lopes

Tempo maduro

Hoje,
A cadeira que balançava compassadamente o cansado,
descansa
A rede que embalava feito mar o corpo náufrago,
repousa dobrada
Os chinelos que carregavam os pés empoeirados,
são guardados
A vida é um tanto saudade e outro tanto também
Sente-se em todos os tempos verbais
Até mesmo no imperfeito morrer.

Casciano Lopes

Maestrina da cadência

Há um passarinho em pleno voo
Há um ninho em pleno galho
Há um tempo em plena execução
Há uma partitura a ser decifrada,
Nessa plenitude que corre em minhas veias
Com todos os seus bemóis e sustenidos
Pautados em linhas e espaços que o coração
Divide em compassos e executa plenamente.

Casciano Lopes

Sem palavras

Aprender a dividir o que possuímos
E não teimar em ajuntar o que não cabe nos bolsos
Talvez seja o maior segredo desta passagem por aqui.
Só lamento que tantos partam
Levando só a amargura de não terem vivido
Porque a ganância, sufoca o riso e a vida
Deixando o tempo sem verbo.

Casciano Lopes

Estado em percepção

A fria alma que descansa
Incapaz de mover-se pela amplitude
Ou de comover-se com solicitude
É a mesma que paira 'sobre'
E que caminha por 'entre'
As almas quentes e gentis,
Porém essa distinção
Só é conseguida pelos febris.

Casciano Lopes

Veias em dutos

Quando é de verdade a gente sabe, a gente sente
Quando é honesto não passa pelo filtro do coração sem deixar marcas
Agora, quando é desleal ou dissimulado torna-se feio e passageiro
O 'ser passageiro' a gente só aprende com o tempo
Quando a gente automaticamente constrói desvios
Para que nem passe pelo filtro do coração.

Casciano Lopes

Breve hospedagem

Deve ser redonda,
Para que o homem sempre volte e nunca se perca.
Deve ficar suspensa,
Para que o homem nunca finque raiz funda demais.
Deve se movimentar em rotação e translação,
Para que o homem não se sinta na direção.
Deve a cada ciclo esconder seu sol
E em outros ciclos mostrar sua lua,
Para que definitivamente o homem entenda
Que ela o possui e não o contrário...
A terra e seu hóspede.

Casciano Lopes

Origem e necessidade

Vem das aldeias do passado
De uma terra distante
De montanhas não mapeadas
Vem dos símbolos da história
Das divindades do tempo
E das canções inéditas das tribos
Vem das horas africanas
Da utopia dos monges
Dos casebres e seus filhos
A necessidade de viver todas as vidas
Que puder dividir e de só possuir
As telas que puder colorir.

Casciano Lopes

De minha preferência

Por vezes a juventude grita exuberância
E dilacera por onde passa os encantados.
Eu ainda prefiro a maturidade,
Não só a dos fios brancos
Mas aquela que a vida teceu como aranha,
E que todo dia ainda me acanha,
Quando amanhece um sentimento de humano,
Maduro.

Casciano Lopes

O dizer da poesia

Na estrada da poesia o verso é pedra sentada
É cerca farpada e araucária plantada
A poesia faz do homem sua própria estrada
Aquele que souber achá-la encontra caminhos.

Casciano Lopes

Reflexo e refletido

Quando um homem olha o espelho
E o mesmo espelho não reconhece o homem
Ou a moldura está gasta
Ou lhe falta o que basta.

Casciano Lopes

A paridade

A vida vem aos pares...
Duas pessoas dão início ao ciclo
Duas mãos à trazem ao mundo
Duas vezes todos gostariam de repeti-la
Mas todos os dias...
Com dois pés caminhamos
Para seu fim.

Casciano Lopes

A graça e o palhaço

Não raras vezes,
Quando termina o espetáculo
O palhaço borra suas tintas
Numa lágrima nada engraçada,
Perde as cores de rir
E, numa lona nada protegida,
Encosta sua vontade de sonhar.
No dia seguinte...
Em outros campos...
Volta a fazer risos
E outros voltam a sonhar,
Inclusive o palhaço.

Casciano Lopes

Entre a carne e a alma

Há dias em que parece que os botões
Despem-se antes da camisa
E o zíper teimoso
Abre-se antes do quarto escuro.
Assim como a mente que não se cala
E a pobre lágrima que não se contém
Nestes dias o corpo quer liberdade
Tanto quanto a alma nudez.

Casciano Lopes

Dias

Ah!
Tem dias que passo em azul
Outros negros me atemorizam
Mas quando amanhece
Sempre colho rosas e assim então
Meus dias em branco não ficam.

Casciano Lopes

Passado de samba

Quando a vitrola lá de casa
Descamba pelo samba
É como se descessem todos os mestres
Não os vejo, mas os sinto
E meus ouvidos podem ouvir o arrastar das cadeiras
E o pandeiro da história conta no couro
O que escondo no meu musicado viver.

Casciano Lopes

Caminhão de latinhas

Saudade do tempo, em que colocava a chave na fechadura e tinha meu espaço preservado, minha dignidade respeitada e que era livre o caminho de minha competência... Saudade do tempo, em que aquela casa de madeira da fazenda, me abrigava do capitalismo selvagem da cidade grande, onde minha única preocupação, era se meu caminhão de latinhas, caberia a próxima carga trazida pelo 'doutor'. Saudade de um ontem, que cada dia mais ontem, me apequena comprimindo a vontade.

Casciano Lopes

10.7.12

Arranha... Me acanha

Ah! As vozes roucas...
Elas me abalam, deslocam as vertentes
E vertem sem dó a minha alma quente.
As divas americanas, os roucos tão 'lords',
Todo o mundo e todos os roucos, afinam-me,
Enrouquecem a partitura de viver.
As vozes tão capazes de quebrar minhas louças,
Ao mesmo tempo em que dá brilho à prataria,
A rouquidão que amansa meus tempos brasileiros,
A vastidão do que hei de querer e do que já quis,
Passa pelo acompanhamento dos loucos sérios,
Das cordas roucas e das vozes inquebráveis.
Que quando encostam em minhas lembranças,
Afloram a rouquidão que tenho lá nas minhas nascentes,
Quebrantando o que não se conseguiu benzer,
Afastando para o longe o que não pode descer nas correntes,
As margens desse rio rouco que corta minhas pedras,
Que passa pelas gargantas de poucos que ouço em minhas vitrolas sofridas,
Que dão fôlego às minhas pick-ups antigas,
Mesmo que elas ganhem vida em tempo de blue-ray,
Vivem...
Somente na imaginação iludida de um acompanhamento tenso,
Pela aspereza calma da rouquidão sem pressa que arranha...
O que não posso ver,
Que acompanha meus sentidos enquanto sinto a lucidez destes acordes,
Tocando o céu que não acredito e morando no inferno que não sei criar...
As minhas divas,
As minhas noites,
A minha infidelidade,
Comigo mesmo... penso,
Penso rouco por assim entender
Que meu mundo afina com eles, com o deles
No timbre... Ele se afina,
Nas vozes que não calam e nos versos livres que se movem
Na rouca música,
Na dissonância de fazer ver a concordância
Entre 'Divas" e meu ouvido rouco atrevido e louco.


Casciano Lopes.







3.7.12

Mais um bocadinho

Livre anda como se voasse a andorinha
Arranca como se plantasse a que colhe margaridas
Desfolha como se fechasse o leitor da lida
Desfere como se curasse a que não cicatriza
Colore como se borrasse o fingido papel
Desafina como se entoasse o pedinte
E pede...
Pede
Que não se acabe a vida.


Casciano Lopes

Exclusivo - O tal pensar

Querer pensar pelo outro
É o mesmo que sair do banho sem poder secar-se
É dormir salgado e molhado saído do mar
É chuva no inverno sem capa e guarda chuva
É o dia longo, tão longo quanto longe o armário
A difícil troca pelo seco e o úmido sofre
Tanto quanto trocar a forma de pensar
Pela cabeça do vizinho.


Casciano Lopes

23.6.12

Poeira nos lençóis

Deitei nos lençóis como estrada empoeirada
Pasmei minhas costas para cavalgada
As patas puro sangue com suas passadas longas
Firmes e campeãs marcavam a terra de minha pele
A poeira levantou num gemido
Em solo de trotar
De quem estrada gosta de ser...
Eram de punhos... Era de jóquei...
Costas para passeio,
Mãos para passear.
E o prazer...
Ah... esse deixa para as apostas
De quem conseguir imaginar...
Ousar apostar...


Casciano Lopes

Poesia azulada

Não sei...
Eu gosto dos azuis,
Gosto dos azuis das roupas,
Daquele azul anil do [anil] que mamãe usava,
Gosto do azul dos olhos,
Gosto do azul do céu,
Do azul do mar,
E quando esses azuis se encontram então...
Então gosto dos azuis,
Azuis dos mantos,
Azuis das festas,
Azuis das luzes,
Sempre achei que a alegria era azul,
Os pássaros tem seus azuis,
Os lápis de cor me tingiram de azul,
A chuva da infância molhava-me em azul,
E a alma [se existe]...
A minha seria azul da cor da alegria,
Que hoje sei que existe.


Casciano Lopes

19.6.12

Mangueira

A vaca robusta e estática
Remoía seus pensamentos
Enquanto despejava seu branco.


O retireiro em pose posto
Dilacerava seus sentimentos
Enquanto corria por dedos o branco.


A leiteira de alumínio fingindo silêncio
Contava a medida do abastecimento
Enquanto a gordura se afastava do branco.


O menino pequeno e sambudo esperando
Olhava de perto o acontecimento
Enquanto de cores se enchia o branco.


...
Ali dividindo com o retireiro o seu banco.
...


A leiteira
A vaca
A cor matinal
O futuro em branco
Do menino do banco.


Casciano Lopes

17.6.12

Mundo em reunião

À cabeceira da mesa sentou-se
O oportunismo.
As horas avançaram
E a reunião tardava ter início,
Pois todos haviam chegado,

A deslealdade
A ira
A intolerância
A mentira
A hipocrisia
A demagogia
A incompetência
A ironia
A covardia
A cobiça.

Menos...
A preguiça,
Que lá pelas tantas da noite
Chegou descompromissada,
Toda senhora dos passos,
Sentou-se em frente ao oportunismo
E assim iniciaram as discussões,
Regadas a muito vinho e queijos.


O que parecia um cerimonial
Com tanta pompa e circunstância,
Adentrou pela madrugada fria,
E vencidos pelo inverno daquela mesa,
Encerraram os trabalhos dando início
A uma calorosa troca de ofensas:


Ninguém queria arcar sozinho
Com a conta alta demais,
Pois dividir ficou difícil.
Eram egoístas demais para isso.
O consenso impossível, desistiu
E o bom senso nem sentou-se à mesa.


Sentados na mesa ao lado,
Um casal em silêncio observava tudo.
Cansados daquela algazarra,
Liberdade e Honestidade
Puseram fim aquela quizumba...


Pagaram a conta.


Casciano Lopes

14.6.12

Moenda

Toda luz que brilha forte
Encontra um caminho escuro
E neste,
Um homem se orienta.
Todo mar que se movimenta
Encontra um barco à deriva
E neste,
Um homem deixa a tormenta.
Toda manhã que se inventa
Encontra leito desfeito
E neste,
Um homem que enfrenta.
Não tem que ser benta a vida
Mesmo que o homem seja o Bento.


Casciano Lopes

7.6.12

Equívoco

Há coisa mais pernóstica que
Uma criatura
Desejar arduamente vender sua


Ideia,
Crença,
Conceitos

A outra?

Talvez por isso o mundo tenha se tornado
Um lugar insípido e sem identidade.

Casciano Lopes

Depois de amanhã

Não é que não tenha fé
Que deixei de acreditar nas pessoas
Que seja auto-suficiente
Ou que esqueci o passado.


É que aprendi separar verdades e mentiras
Isolar ilusão e ficção do que a realidade me deixa apalpar
E ignorar o que não traz construção
Por fim entendi que o presente só depende disso tudo.


E que o futuro é mais de sonho que de fantasia.


Casciano Lopes

Lua

Quando ela está iluminando,


Tenho certezas.


Quando não está,


A certeza de que ela volta,


De novo me enche de certezas.




Casciano Lopes

24.5.12

Qualquer infância

10, 20, 30, 40 anos...
Não importa!
Quando a alegria
Bate à porta
Todos temos
Qualquer idade
Entre 2 e 8 anos.

Casciano Lopes

Suspensa

Tão intensa cena,
quanto tensa moça
que pensa.

Casciano Lopes


No reverso da vontade

Se de fato toda a força for colocada
No empenho da vontade
O impossível das utopias
Se tornarão edifícios plantados nas calçadas
Margeando as ruas por onde passarão
Tanto a preguiça descabida
Quanto a coragem construída.


Casciano Lopes

Peito quilha

O coração é um sujeito muito estranho:
Desconhece a razão
E discorda da lógica.
Quando a bússola aponta para o impossível
Ele insiste que é possível ajustar velas.
Individualista e corajoso como é
Muda até os ventos
Dando conta da nova direção
Tratando dos próprios arranhões
Quando ancora no porto.


Casciano Lopes

Posto que é chama

Trançado
Amarrado
Entrelaçado...


Divide combustível e chama
Separa o ardor
Provoca calor
Ilumina o negro
Apaga o breu
Se espalha em luz
Enquanto em combustão
Desfaz-se até morrer.


Como o homem passa...
Fazendo clarão do perigo
Dissipando-se em luz
Até que um dia...


O pavio se apaga.


Casciano Lopes

28.4.12

Secreto tempo e seu sentimento.

Era um tempo sem medida
Como hora sem partida
Como dor feito ferida
Era de febre percorrida


A latente que não ia
A serpente que mordia
A tristeza que doía
A mala que não se abria


Via
Corria
Pedia


Fugia
Subia
Descia


Fria
Profecia
Pontaria


A vontade é impedida
Por licença concedida
Da saudade impelida
A dizer da dor contida.


Casciano Lopes

10.4.12

Morte precoce

O homem nasce sabendo amar
O amor...
O gesto é carregado dele
O choro é brotado dele
O olhar é inundado por ele
O sono é embalado por ele
Com o passar do tempo
...Vem
A educação
A sociedade
A religião
...Fica
A mais valia
A limitação
A intolerância
...Perpetua-se
A indiferença
A autoridade
A alienação
...Vai
A solidariedade
A partilha
A humanidade
E quando a morte bate no peito
O mesmo homem já o desconhece...
O amor que morreu muito antes.


Casciano Lopes

29.3.12

Lenha

Lá no fim da curva da estrada de morar,
Bem colocada na paisagem de admirar,
Uma fumaça branca encantava a vista
Colorindo o céu e do galo a crista.
Subia e se espalhava na plantação
Cobria de interior toda a criação
Enquanto o pomar verde esfumaçava,
A jabuticabeira pretinha branqueava.
A cerca que proibia, envelhecida, sumia
E só se ouvia do outro lado o gado que mugia,
A charrete que descia com cavalo apressado
Na terra fofa escondia o barulho do trotado.

...E lá dentro, na casinha sertaneja de madeira,
Um fogão de lenha com chaminé e chaleira
Com mania de grandeza que parecia caldeira
Cozinhava o jantar da vida fazendeira.

Casciano Lopes

Sete... Pode ser...

Terço
Pode ser a terça parte...
Pode ser o caminho da cruz
Quarta
Pode ser a quarta parte...
Pode ser a quarta feira
Quinta
Pode ser a quinta parte...
Pode ser a da Boa Vista
Sexta
Pode ser a sexta parte...
Pode ser a sexta maravilha do mundo
Sábado
Sabatina
Santo
Sagrado
Desejo dominical
Deitado
Dividido em sete
Descansos
Subtraindo a segunda
Com segundas intenções.

Casciano Lopes

26.3.12

À flor

Ela é vista por entre distâncias
Cavalga elos
Semeia ou colhe
Nua, a noite fria aquece.


Põe mesa
Apara o vaso
Acolhe as flores
Mesmo que não existam.


Decalca entre paredes
A cama grande
Estampa seus lençóis
E imprime corpo mesmo ausente.


Faz da terra um acaso
Do deserto um habitado
Elabora a paisagem
E decora a sequidão com seus jardins.


Do peito faz palco
Do céu um rio
Da pele calafrio
E do caos a imensidão...


...A poesia.


Casciano Lopes

22.3.12

Anjo



Não há barreiras em minha terra
A serra transponho
Na lua rodopio
No sol sinto frio
Nas águas adormeço
Meu berço é onda
Minha santa me sonda
Tomba seu azul
Me embala...
Me guia...

Eu já guio o que sei
O que tive e terei
Já tenho o que guardo
Já guardo o que é meu
Eu sei.

Casciano Lopes

21.3.12

Todo dia

Eu preciso...
De alguém com coração caloroso
E que de bom grado divida-o comigo
Que tenha nas mãos os calos de solidão
Para nunca querer estar ou deixar só
Que goste de contar meus fios de cabelos brancos
Antes que se tornem incontáveis
E que conte mais de uma vez
Tantas quantas eu adormeça antes do resultado
Eu preciso de um bom dia todo dia
Eu preciso...
Retribuir o aprendizado
Enquanto aprendo existindo.

Casciano Lopes

Compromisso

Chegou ao portão apressada como atrasada
Aos poucos começou caminhar de pouco
Divagando pelos passos por um tempo
Antigo quem sabe ou de recente passado
Emocionada demais para se conduzir
Parava apoiada nas esculturas de esquinas
Descansava nos passeios estreitos dos guardados
Nas frases de outros passados e nos buquês...
Alguns frescos recém visitados
E outros murchos de passado sem gente
Levantou os olhos e contemplou o silêncio
Algo como um livro de memórias
Discorreu pelas páginas e seus capítulos
Fechava e abria o livro
Leu o prefácio e seu autor
Assoprou algumas empoeiradas palavras
Sem visitas ou desperdiçadas leituras
Voltou para entender histórias
E leu quantas vezes precisou ler...
Lembrou-se do porque estar ali e apressou-se
Agitou as pernas pelos passeios da cidade vazia
Assim como os dedos pelas páginas do livro
Chegou ao título que buscava, mesmo sobrenome
O mais que conhecido...
O presente ausente que insistia em não ser passado
Sentou-se na grama verde e bem cuidada
Depositou um lindo arranjo de cravos
E chorou por ter sido deixada para trás
Registrou na lápide mais um risco de saudade
Contabilizando os anos que separam vida e morte
E a distância entre amando e amado...

Casciano Lopes

13.3.12

Distante

Vive só e distante
O que dista o corpo do toque
Vaga moribundo um olhar
Perdido em qualquer imensidão
Nada no aquário desprovido de peixes
As perguntas borbulhantes que não calam
De longe os uivos de animais quase extintos
Feito sentimentos ainda clamam por eles
Precisa-se de uma jaula habitada
Só, está enjaulado sem grades ou cadeado
Sem trancas e não foge
Quer só a mesma jaula habitada
Por eles... Os sentidos e seus corpos
Antes de ser extinta... A paixão pela vida.

Casciano Lopes

9.3.12

Solo em grito

O pranto que lamenta a morte
Ecoa em dor balbuciada palavra
A que acolhe e protege
Agora apela à lágrima
Salgando a procura de seu quinhão
Seu pedaço tirado à força
Sua carne rasgada a cru
Bruta força, desfalece a alma


Roubadas... Como as da Sé
Das guerras
Afanadas... Como as das drogas
Do crime
Esquecidas... Como as de Maio
Da Candelária
Desprotegidas... Como as da seca
Carandirus.


Suas perdas...
O inodoro e insípido
O sem sentido viver 
Seus leites petrificados
Seus ausentes
Presentes nos adornos
Lembranças desejadas
No partir e repartir.


Mãe...


O lugar onde a inocência é interpretada antes da pedrada
Onde a consciência vem acompanhada do bom juízo
Onde a medida é com justiça colocada na balança
Onde a divisão é feita desde que não reparta o filho
Onde se doa para longe desde que permaneça a vida
Onde não se perdem princípios em troca de mentiras
Onde no lamento da espada por amor se empresta à dor.


Para que viva o filho...


Casciano Lopes

8.3.12

Vestido estampado

Cai como uma luva as estampas tecidas em curvas
Desce como santo, o tecido agora vestido
Destila seu tom azul que misturado ao bege
Junta-se ao roxo riscado de preto, transpassando o branco
E assim desfila vestido florido, estampado, ramado
O que acompanha o jogo das ancas e a cadência da cor

Como da mesma forma a terra vestindo azuis, brancos, verdes
Se enche de cores e jeitos, põe seu estampado e rodopia
Se mostra em elipse, eclipse e mistura os tons
Na soma dos credos, das etnias e classes se ergue e se mostra
Faz um colorido que sustenta na gravidade a esfera
Assim como o tal vestido, vestindo-se de estampado se despe...

Dos preconceitos

Casciano Lopes

5.3.12

Paisagem cercada

As cercas separam e farpam
Os chifres e os que eles afagam
Mandam na grama
Na que forma a lama
Divide a varanda e a cana
Destoa a tarde no fim de quem ama
Entoa o sol que já não reclama
Elas testemunham camisas que rasgam
Prendem os cós e despem os que lutam
Cercas... Aquelas que cercam
Animosidade e os que tocos fincam
Os que vão e os que ficam
As telas e os que pintam
As farpadas que separam.


Casciano Lopes