4.8.10

Ser destoante

Parou... Pensou poder
Jurou... Negou partindo
Ficou... Mentiu pra si
Compôs sem compreender
Um verso e um lamento
Economizando suor
Se descobriu úmido
Um negligente quem sabe
Talvez um dia...
Pobre
Sem letra
E poesia
Mas...
Ao direito
Ao desfrute
Ao delírio
Se permitiu
De acreditar e duvidar
Sonhar e acordar
Concordar e acusar
Ser homem e bicho
Somente
Em
Dissonância.

Casciano Lopes

Mundo meu

O circo tem que estar
Em cada esquina
Em cada canto descoberto
Em cada menino que passa
Em cada homem que nasce
Para risos brotar feito tulipas de campo.
Tem que estar no peito de cada vivente
Para saber a gargalhadas destronar
Os petulantes e miseráveis de sonhos
Tem que correr no sangue
Para montar e levantar acampamento
Quando a aventura se espreita
Para brincar no parque da vila
Morar no vizinho, na rua da ponte.
Não...
Não ser tolo e não esconder brinquedo
Não passar sisudo pelas lonas
Tudo é rápido como a estadia do circo
Em cada campo ou espaço
Rir é que importa
Importando à vida um riso circense.

Casciano Lopes

Passando passado

O passado ficou guardado
Na caixa de guardar recortes
Dentro de uma rodoviária perdida
Tanto quanto perdido o guarda
Atrasado e míope sem horas
Tanto quanto o relógio da parede
Da velha construção de guardar passado.

Casciano Lopes

Futurista

O amanhã fica no coração
Naquele que vai nascer
Toda manhã nasce um
Novo e cheio de palpites

Casciano Lopes

3.8.10

Trocando em miúdos

Saí muito cedo de casa...
Nem café tomei
Mamãe já não está mais por lá.
Pão?
Eu não comi
Acho que não tinha
Nem olhei...
Nunca tem!
Saí correndo
Como da polícia
Mas era para o trabalho
Me sentei em algum ponto
E esperei...
As costas doíam
Os pés encardidos
Misturados ao chinelo marrom
As unhas cresciam
Enquanto eu sentado
Esquecia o desenho do "a", do "e"...
As consoantes? Já ouvi falar.
A tarde já fugia
Quando vi no calçado
Da minha calçada
O primeiro reflexo meu
Cansado pensei na volta
Com minha caixa
Caixa de guardar miudinhos
Ahhh
Sou Patrick
Tenho 8 anos
Sou engraxate
Boa noite para o senhor também.

Casciano Lopes

Xangô

Na pele negra cortada de "Áfricas", com seus braços fortes de Angola e olhos emanados de irmãos "conti-negros", nas pernas marcando o canto irmanado, seguindo atabaques na expressão do chão marrom, ele traduz dourado ensolarado no tecido de fazer prece e quando se iluminam as horas, traz o justo, faz o querer.
Passeando nos passos, como numa santa coreografia branca, na companhia do sol, nas linhas de oferta, faz a graça de tornar vermelho puro o impuro chão, de cálice e cale-se's, reverência de mostrar sua cor amarela, pois vem de ouro na pele amorenada de cantar seu canto negro de dourado.
"Áfricas" espalhadas nos terreiros de Oxalá, nas calmas das cirandas, na cantoria das rodas, no bater da força de águas nas pedras, do mar que não cala, mas que vem dançando e lavando os rastros dos dias emancipados e de tantos outros sem ventre ou liberdade.
Viva Xangô!


Casciano Lopes

30.7.10

Estive lá


Estive na guerra...
Vi homens sujos de lama
Contrariando as mães que ensinaram que não se sujassem
Vi outros atracando-se
Contrariando a lei de que não se agride os semelhantes
Vi pessoas entrincheiradas
Contrariando o lema de que o que é bonito é para se mostrar
Vi gatos e cães com sede
Contrariando as nascentes que existiam para saciedade
Vi gente virada soldado
Contrariando as vestimentas que uma avó de óculos costurou
Vi mãos sujas de pólvora
Contrariando as fogueiras de festas juninas... julhinas...
Vi lábios mordidos de medo
Contrariando cantigas de ninar esquecidas de tão belas
Vi olhos miscigenados tristes
Contrariando a vista de uma família dominical à mesa
Vi uns cabelos embaraçados
Contrariando o toque de uma mão carinhosa e meiga
Vi umas barbas crescidas em nós
Contrariando a aparência de uma certidão de natalidade
Vi uns corpos estendidos
Contrariando o dito de que não se pode dormir aos montes
Vi umas armas cuspindo sangue
Contrariando os quebra-cabeças e miniaturas da infância
Vi gente que andava matando
Contrariando os soldadinhos de chumbo da minha estante...
Não vi um amiguinho da escola... Será que foi pesadelo?

Casciano Lopes

Para sempre

Soberano é viver um dia
A eternidade acontece diariamente
Aos poucos
Dividida em horas
Repartida a toda gente
Somos migalhas de tempo
Frações de eterno
Vivendo cada beleza de segundo
Como único
Amanhã permanecerá a existência
Se não física
Nas memórias de outros eternos
O amanhã virá...
Descansa...
Será só mais um eterno.

Casciano Lopes

Bate

Coração solitário...
Aquecido de lembranças
Impulsionado por crer
Aprendeu querer devagar
Em viagens mil
Tão à deriva quanto náufrago
Nada rumo horizontes
Tão miragem quanto palpável
Chora os perdidos
Lembra os encontrados
Liberta cativos em feridas
Transformando-as em cicatrizes
Nunca esquece
Recordar é bálsamo e remo
Caminha nos compassos
Nos descompassos com elegância
Dança na música triste
Pois aprendeu a brincar
Luta se a guerra continua
Socorre se pára
Quebra os ídolos se o incomoda
Idolatra se prefere
Repartido feito versos
Balança a vida dentro do peito
Arrasta a escrita do tempo
Por linhas feito ferrovias
Bata coração...
Bata sempre...
Se possível eternamente
Solitário ou não
Viva intensamente
Dentro de todos os dias
Dentro de todas as memórias
Dentro de um só peito
Apaixonado por teu som.

Casciano Lopes

Chuva

Lá fora a chuva corre com pressa
Vai lavando o sujo, renovando o molhado
Escorrendo no corpo que esguia-se
Deixando-o quase torto
Lava a cinza, deixa quase verde
Muda folhas secas e umedece o seco
Corre leito feito de calçadas
Apanha migalhas deixadas
Enxaguando vielas em corredeiras
Para muitos é banho de vida, tira a sede
Por vezes esnoba o ter e tira o teto
Lá vai ela quase muda, quase senhora
Vestida de gala para noite de festa
O som toca a pele, tine feito música
Martela o telhado adormecendo quietude
Só chuva, só uma sexta qualquer
Banhando rostos quase infantis
Encharcando os papéis de bolsos velhos
Rompendo o tempo de seca.

Casciano Lopes

Espero

Quando minha face busca a vista da janela
Busca no concreto o abstrato do meu ser
Procuro cinzas nos minutos andantes
E nos aviões soluço cada medo do passado
Busco o dirigível que conduz o sonho
Do próximo, do primeiro ao último minuto
Quando corro e escondo-me antes que a lágrima caia
Fujo do tédio de calar, da vontade de discordar
Pela febre de agigantar-me na concepção do agora
Dobro-me nos cantos feito brinquedo de desmonte
Por saber que ainda é cedo para levantar-me.
Espero as badaladas
Demoradas badaladas
Espero em cada minuto
Os sons de badaladas
Anunciando o eco
Vou gritar cada silêncio curtido.

Casciano Lopes

29.7.10

Pacífico Sul

Quando o trem caipira
Aponta sua fumaça
De cachimbo na curva
E assobia sua cantiga
Nas linhas de transportar seu ferro
Ouço o barulho da máquina
Marcando o tempo de uma saudade.
Amenizando a velocidade
Chega à estação das vontades
Da espera encerrada
Do abraço descido dos vagões
Matando no peito a nostalgia
Me fazendo maquinista desse trem.

Casciano Lopes

15.7.10

Tem razão?

Hoje falei com as paredes
Justifiquei os guardados
Perguntei sobre o que não sei
Respondi as perguntas feitas
Até mesmo aquelas sem respostas
Impregnei-me nas frestas de seu reboque
Como inseto parasita alojei-me
Fiquei incomodado e troquei o estado
De inércia pelo de movimento
Escorreguei-me pela pintura
Manchando as roupas
Por onde a tinta gasta se esbarrou
Desci ao chão
Recostei meu peso no rodapé
Pensei imerso na sua frieza todos os pensamentos
Olhando para o teto branco apoiado sobre a cabeça
Rolei para o chão da amargura
Ao centro do peito corria
Quente a lágrima para o meio da construção
Desrespeitando a mobília e sua quinquilharia
Sentei-me debruçado sobre os dobrados joelhos
Como faz a lavadeira da beira do rio
Fui retratado pelos que voavam à minha volta
Zumbindo aos ouvidos seus boatos
Aboli os moles juízos defensivos
Sinuosamente rastejando
Encaminhei-me a porta de saída
Entreaberta se abriu ao toque de meu queixo
Quando encontrei de pé a razão
Em estado de pompa diante da emoção
Circunstancialmente levantou-me...
Só fica prostrado quem não encontra razão.

Casciano Lopes

14.7.10

Nascendo um dia

Vai batendo e assoprando a face
Que a ti empresto
Vai colando em minhas costas
Teus adesivos vencidos
Vai lidando com minha ira
Que só aplaco por te querer
Um dia
Saio do palco
Penduro meus brincos pálidos
Ensaio o laço flácido
Abro o colar de penduricalhos
Desfaço tranças de castanhos fios
Um dia será o dia
Saio da noite
Como quem sai do ventre.

Casciano Lopes

Pingando existência

Escorre entre meus dedos a tinta
Que pinta de cores o branco da vida
Passeia nas veias das mãos
O desejo latente de tudo contar
Nas letras corridas
De tempo e saudade
Vai correndo o verbo
Vai dançando sem linhas
A ânsia de amar
Preciso contar, criar, sonhar
Preciso viver
Existir é pouco demais.

Casciano Lopes

Cata-vento

Quero tempo...
Que o tempo
Cuide da ferida
Quanto a ela
Quero vento
Do vento
A cicatriz.

Casciano Lopes

10.7.10

Eu inerente

A minha transpiração deixa encharcado meu pensamento
Pingando ora lamentos, ora risos balbuciados
Em fases de frases feitas e tantas desconhecidas
Me atormenta aquilo em que desacredito
Perco o crédito e quase em descrédito cai o semblante
Ante os muros, diante do desconhecido
Perante o tribunal estacado na ruas por onde cruzo
Lavam com escovões a imagem estampada
Aquela que foi lavada com água de cheiro
O perfume é inerente e está cravado nas esquinas
Conjugado no ser o verbo de se mostrar
Me busco nas exposições e me vejo retratado
Em cada sensibilidade dos traços vividos
Por gente desconhecidamente semelhante.

Casciano Lopes

Ela



A lágrima é aquele rio sem leito
Que faz da pele caminhos
Desce no rosto feito berço
Cai no peito feito regato
Esparrama seus braços
Abraça as bacias da calma
É salgada
Para conserva do crer
Traz minerais da alma
Expondo nos olhos
Que temos uma
Capaz de brotar no choro
Enraizar nas maçãs
Crescer no colo
Abrigando as vistas em suas copas.

Casciano Lopes

Muito prazer

Meu nome imponência tem
Tenho clara a epiderme
Saudáveis brancos dentes
As gerações vem na cútis
De glórias e tronos
Os azuis de meus olhos
Reluzem na praia e
Na vista de quem me vê
Os cabelos ensolarados de ouro
Impõem meu brilho
As ruas esbarram em meus casacos
De vestir arrogância
A pele é alva
A história é negra
Meu nome...
Orgulho pobre.

Casciano Lopes

Sutil

É gente que chega de mansinho
Devagarinho se acomoda na almofada
Os pés leves como plumas
Deslizam pelo chão como bailam as bailarinas
Aconchega-se nos braços como carinho almofadado
Pelúcia púrpura penteada
É só mais um tempo que subiu ao coração
Descansando nos seus sofás aveludados.

Casciano Lopes