30.1.23

O que eu diria pra mim?

Eu pediria tempo pra aquele menino; pra demorar-se mais nos abraços, pra que se gastasse menos nas certezas, pra que acolhesse mais as perguntas sem a obrigatoriedade das respostas, pra que não se demorasse tanto nas vontades e que se esquecesse das horas quando as realizasse e que realizesse todas, até pra que custasse passar; porque passa e bem nos ouvidos dele eu diria sobre a perenidade, inclusive dos sentimentos. Contaria do mal e do bem que convivem travestidos o tempo todo, do que finda e do amor que nunca acaba.
Falaria, por fim, de quando diminuem os passos e pediria a ele: corra menino, corra muito, pelo riso ou pelo vento simplesmente, porque a vida escapa e o presente é passarinho nas mãos que voam.

Casciano Lopes



De frente com a interrogação

Quando reflete no meu chão de pisar toda a incoerência de meu eu, vejo que nada é meu; nem mesmo a reflexão que me posta diante das perguntas, que me espreme contra as tábuas de minha lei, buscando uma resposta que exprima quem sou ou que no mínimo imprima uma boa impressão que nem eu sei.
É mesmo! Nada meu, nem eu...
Tudo emprestado e que um dia devolvo, quem sabe sem engano, com o mínimo possível de equívocos pra que enfim, me entenda coerente.

Casciano Lopes

29.1.23

Tomado o direito

Não sei sobre as negativas,
estou ocupado
com as positivas posturas
diante de um mundo
grande pra caber meu tamanho,
mas que as vezes se faz pequeno
e eu preciso usar a força
pra ampliar suas salas.

Casciano Lopes


27.1.23

Esperando eu na calada noite

Quando me espero na madrugada, quando passo café pra ajudar esperar, quando na sala quase adianto as horas pra me encontrar e sento no sofá feito banco de estação esperando o trem chegar; ouço nos trilhos o aproximar.
Sinto de longe os vagões se esfregando no ferro, produzindo ritmo de chegada e eu, espero uma locomotiva que me traga; uma composição que me compreenda entre o primeiro e o último carro de gente; espero um aviso do bilheteiro dizendo que cheguei ao encontro; vou na estação me procurar na multidão feita de agonia e me tomarei de assalto como faz uma vontade e será como o sol quando chega, que abraça a noite e a engole toda.

Casciano Lopes


Mas também é mar

Um dia
é apenas
uma gota
no Atlântico.

Casciano Lopes

23.1.23

Da atadura segurando um galho seco

Aqui é assim...
Fixamos nas paredes
o lembrete de que a vida
requer curativos
e de que estamos
sendo tratados o tempo todo.

Casciano Lopes


Aprender com pessoas

Aprendi ouvindo o motorista do aplicativo que me possibilita chegar aos lugares:
- Se eu desafiar você a subir num alto poste simplesmente pra chegar lá, talvez vá recusar por sua limitação, inclusive.
- Mas, se eu colocar alguém amado seu em perigo sobre este mesmo poste e voltar a te desafiar, ainda sem terminar a frase você estará lá em cima providenciando o resgate.
- E aqui, eu Casciano te pergunto: pelo quê ou por quem você subiria no poste?

Casciano Lopes

Anotações de cabeceira:

Não faltar recurso
para prover encantamento
e verba o bastante
pra conjugar o verbo amar
quando um desamado dele precisar.

Casciano Lopes

Palavras quaradas

Sigo como ela,
surrando as roupas
naquele batedor de roupas da fazenda,
lavar é muito pouco;
dizem as manchas
da camisa de ontem pra lavadeira.

Casciano Lopes

Unicidade apesar

O que me diferencia
também me torna único.

Casciano Lopes

Sétimo dia

Domingos nos reconectam,
enquanto pegamos impulso
pra próxima semana,
olhamos pra que passou
e pensamos em ontens
que também passaram...
Ou seja,
sempre passa e fica no coração
só do que precisamos hoje;
não pesa
se não transbordar de amanhãs.

Casciano Lopes

22.1.23

Herdeiro da fortuna Mãe

Hoje, a sala do meu tempo tem em destaque a riqueza que tive, aliás, que ainda tenho, só que agora do lado de dentro, fincada nas minhas paredes estruturais mais internas... Uma riqueza que sustenta a pobreza do telefone mudo, da mesa sem os pratos de risadas, dos abraços órfãos de braços e do olhar que outrora encontrava abrigo quando as palavras perdiam a dicção.
Ah! A pobreza da falta que tantas vezes pinta de bege minha sala de estar no mundo, só não me desgasta além da conta, porque gasto meus dias usando as moedas de ouro que meus bolsos encheram nos tempos da fartura; onde sempre havia um bolo rico acompanhado com café, servido em mesa com colo no jeito de olhar, que só ela tinha quando me via enriquecer.

Casciano Lopes


De amor pincelado, em foi pra isso que vim

Quando não era de bom tom,
abusei das tintas fortes;
só pra deixar em tela as cores
que a liberdade precisava registrar.
E sempre que houver inibição
ou proibição da arte de amar,
prometo fazer exibição
da boniteza que ela pinta.

Casciano Lopes


21.1.23

Tragar

Trago silêncios nos ombros
porque o grito não era adequado,
choros contidos no colo
porque não era momento de chorar,
trago.
Medos calados trago;
engulo mesmo!
Embora não recomendado.
Mas também trago um rosto
que encontrou no riso
o consentimento de que precisava
pra guardar só o que corria
pros braços e não dos braços,
um olhar apurado na vontade quieta
entre o ir e o ficar,
e findar sorrindo pra saber esperar,
e espiar tanto a ida quanto a volta
como quem expira a vida.
Por fim,
sei que abraços eu dei
e até ao que soluçava soube acolher
pra calar e assim, calei.

Casciano Lopes

19.1.23

Da nossa convivência

A dualidade caminha por nossa pele...
Mora toda; ri e chora nos mesmos olhos,
brada e silencia na mesma boca.
O toque das mãos na face dos dois;
duas mãos de dizer calma e de pedir pressa,
dois lados de ser fotografia;
alguém com melhor ângulo e com defeitos.
Focos da mesma pessoa, com luz e sem ela,
no breu do quarto que se empresta
ao prisma do mesmo, sem ser óbvio,
porque são seres num registro dual,
um verdadeiro e outro de tão verdadeiro,
guardado.

Casciano Lopes

18.1.23

Liturgia

O que será que reza minha beatitude no silêncio das madrugadas? Que trajes santos devem vestir os altares da alma quando passam as horas que se demoram em mim? Em que idioma canta o coral dos meninos expostos nas galerias de minha história e como falam os sacerdotes de minha sacralidade? Que parte de mim entende a ladainha pra que a outra surda por dúvidas consiga a certeza de continuar querendo sentir os sacramentos da vida?
... Talvez as respostas estejam escondidas no medo do que acredito, nas cores que ainda não vejo das paredes de meu templo erguido na repleta coragem de descobrir.

Casciano Lopes

Guerra de um homem

Passava em revista todo o tempo
a tropa dos que se foram,
até que só,
descobriu no desmonte das minas
perder o mínimo possível.

Casciano Lopes


16.1.23

O trânsito dos sentidos

O que será que pensa a calçada quando se deita pra que eu passe em pé? O que será que diz a rua contemplando o meio-fio quando se afasta de mim? Que música será que toca no balcão da padaria enquanto meus ouvidos se distraem com a algazarra dos pombos na árvore da esquina, onde meu corpo passa em revista a gentileza do passeio de me ver passar?

Casciano Lopes