15.9.10

Escrivaninha

Hoje me perdi nos entulhos do tempo
Revirei uns antigos baús emperrados
Revisitei uns porões esquecidos
Entrei no sótão empoeirado do passado
Descobri uns bilhetes que não li
Redescobri umas cartas não postadas
Li e reli uns manuscritos ensaiados
Percebi rascunhos nunca ditos ou editados
Parei ante um espelho maquiado 
Limpei e me espelhei de repente
Pensei em fugir por não combinar
Com a moldura que era antiga e aposentada
Mostrando um tempo que quase desconhecia
Destoava de toda memória presente
E o contexto fazia ausente a semelhança
Deixando em cartas embaralhadas a saudade
Imediatamente encerrei nas trancas dos guardados
Todo o lamento das perdas
Coloquei no bolso apenas
Uma foto antiga
Um brinquedo de madeira
E um diploma de datilografia
Encaminhei-me a escrivaninha e comecei a arte
De transformar em poesia
O mundo que acredito
Sem porões
Sem sótãos
Sem baús
Um mundo feito de presente
Do passado só o que vira ferramenta
Só o que faz um homem virar poeta.

Casciano Lopes

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