31.8.23

Caso em páginas

Passou tanta história por minha aldeia!...
Me lembro de frases inteiras escorrendo por minhas portas, letras que me esperavam nos caminhos e palavras que se banhavam despudoradas no açude perto de casa, parágrafos que preenchiam os espaços do quintal esperando oração, capítulos que se avolumavam provocando edições nas linhas que nasceram pra serem escritas.
Pontuações...
Vírgulas que me espreitavam, interrogações que colocavam dúvida na certeza toda, muitos 'dois pontos' na pausa pra explicar, que enumeravam razões pros pés de amoras tingirem o chão que morava comigo.
Ainda escrevo histórias... De velho quando era criança, de criança, hoje que sou velho, e de casos e rompantes metidos a volumes. Por isso é que mantenho um texto, e que hajam cestos pra guardar o tempo de contar, sem perder jamais: a ponte daquela estrada, que encontrava a aldeia, que cruzava sua gente de cachimbo e fumaça de pitar a proteção à leitura das mãos, que se protegiam pra contar.
E é por isso que ainda conto.

Casciano Lopes


30.8.23

Luz nas poltronas

Tenho passagens em mim, umas estreitas como brechas de cortinas puídas e outras largas como portas de cinema.
Tenho passagens em mim, atores dramáticos circulam por meus palcos, mas também comediantes ousam brincar na minha cena, quando minhas paredes ficam coloridas.
Tenho passagens em mim que mais se parecem com ingressos, se confundem com entradas... Francas, baratas, caras... E caras minhas figuram em cartazes nas calçadas e eu...
Só busco direção, alguém que dirija o verbo da ação sem perder a passagem, sem que eu me perca de mim na estreia.

Casciano Lopes


Start

Os dias começam
porque a gente precisa ser reiniciado
e também os dias,
contam com nossos começos.

Casciano Lopes

29.8.23

Volátil delicadeza

Corremos tempo demais atrás da vida...
Enquanto dorme na gente a magia etérea,
que de tão celestial,
não precisa correr pra viver.

Casciano Lopes


O que é Deus

Tenho colo e é isso que me protege dos açoites.
Por crer nas flores que exalam beleza gratuita, nas árvores que oferecem sombra sem troca, na criança que não precisa de circo pra sorrir, no vento que dispensa motivo pra soprar, no sol que aquece o mar, no mar que cria seus corais pra abrigar; é que tenho colo.
O que me guarda é o divino do que não precisa de reza, porque já é prece: um passarinho no ninho, um jardineiro sem paga, uma mesa cheia de gente e de amor.
Já é santo tudo em mim o que agradece, e já é manto tudo aquilo que vejo, que passa oferecendo sem custo o acalanto disfarçado de colo.

Casciano Lopes


Eu e o livro de livrar

Quando escrevo minha história, meus apuros, meus apitos desvairados no meio do trânsito ou simplesmente dos meus silêncios do lado de dentro de minha rede, esboçados nos quadros de minha varanda... nem sempre quero chamar a atenção para a chuva que lava as portas, às vezes, quero só lembrar do pequeno rio que corre atrás de casa, que enche pra molhar as margens, mas que passa pra levar a água pra sede.

Casciano Lopes


28.8.23

Porta de nós

Estão dentro de nós...
As respostas
A entrada
A saída
A missão
O guardado
E a descoberta.
O portal que pode nos levar além, passa por nós, nos conta sobre 'ontens' e nos entrega a chave pra que consigamos caminhar por nós, com cuidado pra não ferir os amanhãs.
Passamos tempo demais pedindo ao outro que libere passagem, quando tão somente, visitar a nós mesmos, nos faria liberados de qualquer razão pro 'não', abrindo à quem importa, seu próprio acesso... A porta do Eu.

Casciano Lopes


27.8.23

A verticalidade pode ir além

Na travessia, o tombo e suas escoriações não devem ir além da pele.
A alma precisa estar intacta e sem o tato dos arranhões deve se manter em pé, para enxergar e alcançar a outra margem do rio.

Casciano Lopes


Hoje caí e sei pelo barulho que sobrevivi do meu lado de dentro, onde o ruído não pode ser mais que a neve que passa.

Das quedas todas, o que é, não se desfaz, não deixa de ser, não cai, e não pode cair, a integridade do objeto mesmo que aparentemente frágil.
Assim como a árvore não deixa de ser árvore quando desaba sobre ela a neve, a queda é um desafio, a paisagem muda, mas ela continuará no foco dos olhares e seus casacos de proteger a espera.
As quedas todas: de temperatura, da madrugada, da bolsa de valores, da luz quando a noite chega, da história e seu homem, do homem e seu corpo... Sem distinção, falará sobre ser e isso, por si só, manterá inteiro o que não pode se quebrar: o valor de levantar-se, de ser fotografia, de passar com registro de capacidade, pra então, ficar no texto que não só conta das nevascas, mas que prende os leitores quando chega o verão.

Casciano Lopes


26.8.23

Nada organizado

Temos tantas vezes
a ordem nas mãos
e só sabemos ler caos.

Casciano Lopes


Do que gosto

Gosto...
De Natais
De primaveras

De altas...
Hospitalares
Da dor que deixa

Da mágoa...
Que parte sem levar
O que gosto de mim

Nas altas...
Temperaturas
E cama de madrugadas

... Alta de mim.

Casciano Lopes


Visão, um milagre da direção

Tudo pode ser mais belo
Tudo pode ser mais campo
Em flores, em perfume
Em estado de lucidez...
Aquela que corrompe a razão
Em nome da emoção
De poder praticar a falta de explicação
Apenas sentir pulsando a sobra de contemplação.

Casciano Lopes


25.8.23

Uma pipa e sua envergadura

Tirar os pés do chão nem sempre é sair da realidade, pode ser só uma forma de surpreender o céu.
Quando nos afastamos da terra em rota de sonho quase em fuga, na verdade acordamos para o que só pode ser visto em voo, e não nos esvaziamos da caminhadura, ao contrário, nos enchemos dela, só que de um jeito em que os ares nos convidam como meninos querendo brincar, e descobrimos aí, uma forma de caminhar.

Casciano Lopes


24.8.23

Ser semente

Toda vez
que for chão...
Brote.

Casciano Lopes

Vista do que ver

Posso ver da janela tantas possibildades!
O corpo é uma casa e quando abro as cortinas feitas de olhos, passam na calçada as permissões, as proibições e todas as concessões que me fazem capaz de espiar a rua, pra ter a clareza que só a vida dá, quando permite que eu me abra pra luz entrar.
O olhar traz o dia e a noite, faz a madrugada sentar, aquece os invernos e refrigera os verões... Assim, no outono posso meditar a incubação das flores pra que a primavera nasça.
Vejo muitas coisas na minha cidade particular que não ouso ensaiar descrição, mas tem também os textos prontos que aparecem nos passeios, como folhas caídas ao vento, aí é só apanhá-las e dizer o que as mãos podem alcançar.

Casciano Lopes


A incógnita do inconcluso

Somos sempre jovens diante da eternidade dos mundos, sempre um recém chegado perante a infinitude do universo que caminha pra seu infinito, sempre um recomeço no eterno ciclo dos que não findam...
Taí o grande milagre: ser finito sem término, ser feito pra envelhecer, só pra nascer e renascer, e de novo nascer e poder testemunhar a passagem, sendo passageiro sem ser.

Casciano Lopes


23.8.23

Viver é passarinhar

Assim como pousa no gelo e nas esquinas do mundo, um pássaro; que sabe possuir asas e entende de levezas, que aquecido pela velocidade acredita no desfiladeiro e tem nos ares a casa apesar de pisar o chão...
Somos nós todos, que acreditamos no canto quando a garganta arranha a coragem e como num rapel, escalamos com cordas as falas que o mundo espera de nós, apenas pra dizer que as montanhas não toleram quem não sabe voar, assim como a planície, quem não gosta de caminhar.

Casciano Lopes


Como flores

Somos a beleza da vida. Desde que nascemos, dizemos cores, aromas e com nossas diferenças, colocamos nos canteiros, um pouco de descobertas e outro tanto de encanto.
Se não foi pra isso que viemos, me digam: - o que seria feito dos jardins com suas múltiplas criaturas?
Temos todos primaveras apesar das estações.

Casciano Lopes


22.8.23

Luz... Câmera... Ação, vocação

Os lugares que amo possuem nas paredes,
além de portas, passagens secretas pro meu mundo interior,
e é lá que vive o que me torna palavra.
Quando volto pras salas lotadas do meu cinema,
consigo dizer a cena e encenar na lágrima, o sorriso.

Casciano Lopes


Desde que

O amor vira casa,
não quando o teto é perfeito,
mas quando o chão
não exige nada dos pés.

Casciano Lopes


Porque sentir

Jamais fica pequeno,
o colo que cabe o outro pra sarar.

Casciano Lopes

Ócio por falta

Já parou pra pensar que há alguém?
Nos incômodos de uma palavra salgada, encardida, desbotada.
Num olhar sem esboço, imóvel, engasgado sem pupilas pra falar.
No silêncio dos ouvidos sem partitura, descompassado e lerdo de faltas absolutas.
No desajeitado tato sem tato, no desequilíbrio bambo dos dedos ou na fartura de escassez das mãos.
No grito da intuição quando cala, na cor negada quando o seu cheiro é percebido ou quando uma sobra é sentida e logo desperdiçada?
Pode ter alguém...
Alguém que só reclama um coração que possa ouvir a distância e que seu bombear, bata lá e cá, marcando em dois tórax distintos, um tempo de compromisso que dispense sentidos falhos em sentimentos que ainda não sabem abraçar.

Casciano Lopes


21.8.23

Também sou cotovia

Me sinto habitante do velho mundo, de voo ondulante.
Um passarinho caminhante, que entre descidas rápidas
e subidas lentas faz pontos no céu, cem metros distante.
Desenho círculos, camuflado, migro pardo feito cotovia.
Me sinto apenas antigo e se no passado eu me via, canto.
Pra que outros ouçam o que antes eu ouvia, me vejam
o que via.

Casciano Lopes

20.8.23

Dominical preciso

Às vezes só precisamos de um dia de domingo
no meio da nossa turbulenta semana de necessidades.
A vida tem muitos sete dias e o corpo
deve ser domingo pra suportar o calendário.

Casciano Lopes


19.8.23

Leal

Enquanto a árvore da vida não ferir a lealdade do meu sono,
prometo acordar disposto a atravessar o mundo
mesmo que me fira,
sendo belo na beleza dos que dormem entre os galhos.

Casciano Lopes


18.8.23

Qual seu cep?

As pessoas querem tanto deixar seu lugar de labuta, fogem e sonham com a calma fora de sua convivência, elaboram canteiros silenciosos de jardins que muitas vezes, só existem nas próprias mãos, discutem a criação da cidade perfeita e de uma residência onde a idade ralente o passo...
E quando saem querem voltar, ficam felizes feito astronauta que volta pra casa, clamam por suas toalhas e travesseiros na primeira distância, algo dentro de si pede sua cama, seu banheiro, sua caneca favorita.
Até os problemas viram mais fáceis por conhecimento, enfim, a falta de casa inclui a referência que cada um possui de segurança, embora não haja nenhuma garantia de bem guardado. Todos queremos crer que a vida se perde se não tem endereço fixo, aliás, precisamos colocar endereço em tudo, até na dor, quando na verdade, viver nem deveria doer.

Casciano Lopes


Refletida

Quando a luz do vizinho
reflete em seu espelho
é hora de acender sua luz.

Casciano Lopes

Jeito de ver

Na cama dos olhos
só deita o que é visto nu.

Casciano Lopes


Então existe

Não há eternidade naquela vontade bacana que bate na gente, naquilo que arde de consumição quando a gente vai encontrar um afeto em forma de gente, nem na comida boa que tem seu gosto dissolvido na boca da gente em questão de minutos; feito o beijo que a gente dá em gente, e tem gente que diz do beijo, coisa eterna.
Eternidade mesmo, é coisa de gente, vive como eterna e, se morre, não morre porque se eterniza, seja na vontade dos que ficaram, na consumição do afeto que não morre ou no gosto da comida de memória, do beijo que fica ardendo, por quem num lugar de gente, vira eterno.

Casciano Lopes


17.8.23

Quase homem, quase árvore

Ontem a floresta estava fechada, ontem fiz caminhos em que os arbustos tatuaram minhas pernas, ontem os seixos calçaram meus pés e nos calos, mostraram um jeito e o regato encontrado tratou das marcas.
Hoje, em planície e entre os altos relevos, descubro que ainda corre na pele dura a dureza da mata, mas também seus verdes enfeitados de feras e sua respiração em névoa branca e úmida, me respira e inspira.
À noite, conto pro que me cerca e pro lugar onde planto a planta de meus pés, que amanhã, se vier e houver, algo meio homem e meio árvore se deitará pra crescer a fauna e a flora de caminhos feitos na direção da reverência, de quem sabe que a vida não mata, o que mata é não viver.

Casciano Lopes


Água que corre

Quando os montes me comprimem,
não posso esquecer que também sou rio,
posso passar entre eles
e render uma paisagem digna.

Casciano Lopes


Em chave de esparadrapo

Há dias em que nosso baú é remexido,
guardados e esquecidos são lembrados,
e dependurados como grito,
figuram fissuras na memória,
fazendo sangrar o que não era cicatriz.

Casciano Lopes


16.8.23

Em visitação

Pode ser que estejamos presos, como num quadro da parede...
Parede nossa.
Quadro nosso.
Pode ser...
Situação ou condição.
Pode.
Só não pode ser menosprezada a arte exposta em galeria, não se deve deixar de despertar o interesse da admiração.
É preciso contar uma história que a alegria queira ler.

Casciano Lopes


Voe

Nossas demandas não são maiores ou menores que a necessidade, quando não são do tamanho do consciente, são do tamanho do inconsciente e nossa balança interna, sabe do valor de cada gota de néctar necessária pra adoçar o doce que a alma pede no alimento. Por isso voamos na busca, muitas vezes aprendendo no voo a voar.

Casciano Lopes


Já capricharam no meu prato

Já fui tempero de uns dias, salguei alguns, e outros, me faltaram. Ao ponto, tive vários.
Já fui dias, algumas vezes, insossos, saborosos, salgados.
Já me senti na Índia, temperado e pronto pra matar a fome, mas também já tive fome; já não senti gosto, já fiquei sem gosto e me demorei no prato, esfriando a vontade.
Bom mesmo, foi quando quente, nem importou o talher, mas as mãos que se lambuzaram nos dias, como se fosse na vida.

Casciano Lopes


15.8.23

Os desertos de atravessar

A vida feita de abrigos é uma conjunção de vistas, montanhas que nos guardam e que nos expõem ao sol da experiência.
Nos esconde no frescor, ao mesmo tempo que carrega nossos telhados com seu sopro arenoso, nos identifica no topo e nos qualifica nas enseadas.
Na baixa geografia, onde nos encontramos em relevos escondidos e em processo de escavação, é que nos descobrimos e nos olhando em estado abismado, é que sabemos de altura e então, a vida permite que escalemos sua corcunda até o cume de seus olhos, pra que entendamos não só de céu, mas para o que viemos, falar de valados e saber que em terra de vales, podemos ser nômades, mas também montes e o próprio vento que os abraçam, quase em estado de posse, sem nunca os possuir, porque passa.

Casciano Lopes


Primeiro ato

Está tudo bem.
Sempre bem.
A imagética verá vazios, mas também verá contornos e preenchimentos de um espaço que vai além da imaginação, capaz de criar dentro dos olhos a possibilidade da criação e encher de cuidado a pessoa que vendo, habita as salas sem precisar vincular seu palco aos espetáculos que não são seus.
... São meus, sou eu.

Casciano Lopes


Plantar e plantar ação

Os campos precisam estar verdes, as árvores absorvidas de cores e a gente absorto, quase que distraído com o pensamento... que por estar plantado entre um homem do campo das ideias e uma pequena cidade de questões, resolve cumprir a sentença de elaborar as tintas pra tingir seu chão, pra jamais ter palavras cinzas ou passar em branco o seu olhar sobre a plantação.

Casciano Lopes


Visão em caminhada

Até aqui
os olhos viram caminhos
e os pés então,
enxergaram uma forma
de andar por eles.

Casciano Lopes


Bastam 24 horas

Eu quero ser o dia
Que aprendeu amanhecer
Sem discutir com a noite.

Casciano Lopes



10.8.23

Capaz idade

Cada dia é um desafio...
Os atropelos me encontram, o 'não' bate na porta todo dia, a vista confunde miragem com realidade em cada olhada.
Mas não é só sobre poço, a vida também é corda, balde e sarilho nas mãos de quem gosta de dizer sim pra água, que mata a sede pra que viva o jeito da capacidade.

Casciano Lopes


Fomos, somos, seremos?

Éramos jovens demais pra entender...
Que a vida é curta, diferente de pequena.
Que o caminho dentro da gente é imenso, não impossível.
Que o outro é uma extensão minha, mas não sou eu.
Que minhas palavras me sentenciam, mas que o silêncio absoluto também me castiga.
Que o equilíbrio é corda sobre abismo, mas que não atravessar me torna um precipício.
Por fim, que a maturidade ensina: a falar, a calar e a andar lentamente por entre as parreiras plantadas, sem machucar as uvas.
Velhos demais? Somos os jovens de um tempo que passou rápido demais e que agora, desacelera os passos, pra se demorar.

Casciano Lopes


Resposta

A calma
ainda responde
quando a gastura
clama.

Casciano Lopes

Quebre o vidro

Pode ser que o silêncio queira dizer,
não que você não pode ou não sabe falar,
mas que acreditou nos que diziam
que você não podia ou não sabia.

Casciano Lopes


9.8.23

Deixa ser... O tempo, o peso, o mar

Eu preciso circular os mundos, não me prender pra desprender quando precisar de margem ou de ar, sabendo desprovido na chegada e partida pra despender porta de passagem, onde só importa o plantio que cresce na alma, onde não pode ser abatida a safra e nem colhida a semente.
A posse de tudo que sabota a viagem deve ficar no campo do engano... Sei que lá não cresço, e então, procuro tantas vezes o rude da seca, pra que lá eu mereça me espremer, caçando minha água, afim de manter-me sem peso e sobreviver só do que mereço.

Casciano Lopes


8.8.23

Sondar... Um verbo quase santo

O grande milagre da vida acontece em cada minuto do dia, enquanto estamos em penitência pelo grande milagre de possuir... ignorando o 'ser' o milagre que já somos e merecemos, em função de 'ter' o milagre que não carecemos e que nos fará pra sempre pequenos, diminuídos sem milagre algum.

Casciano Lopes


Reflexão de morador

Pode ser que eu esteja mergulhado em profundo calabouço, talvez, trancado em mim. Pode ser noite escura sobre minhas escadas... De porão ou sótão, pode ser.
O que não quer dizer que em minhas janelas cerradas, não bata sol, não reflita os pensamentos de uma casa e sua varanda.
Um dia, toda elaboração perde a fuga... O que parece fuga ganha de repente um ar de sala e acomoda em disposição, a mobília toda, que criou as mãos, enquanto deitavam na face a inquietação.

Casciano Lopes


Aos domingos nossos de cada dia

Não interessa o choro
se não importar o sorriso.

Casciano Lopes


7.8.23

Groot, um pé de quê?

A bondade é uma ferramenta
que dispensa a sapiência,
mas não perdoa a negligência,
não tolera o desequilíbrio
provocado tão somente,
pelo egoísmo dos que não sabem
abrigar o sol e ao mesmo tempo
oferecer sombra; uma maldade.

Casciano Lopes

6.8.23

Vós carcereiros

As grades que nós colocamos nos sonhos,
pode roubar o sono,
possibilitando apenas os pesadelos.

Casciano Lopes


5.8.23

Radiografia

Há o que me salva todo dia....
Que me tira da poça fria e úmida das perversidades, inclusive minhas, que me abre um mundo de possibilidades; há. Que me recoloca no curso de mim, ao meu encontro e tendo meu 'eu maior' como destino planejado.
Há o que me coloca portões, mas também há o que devolve a liberdade e me ensina o segredo das chaves.
Há um pedacinho de terra firme, sequinha de bondades, inclusive minhas, há.
Podem chamar de cozinha, poesia, música boa, fotografia, terapia, filosofia, árvores com passarinhos, barulho de água e vento, estradas compridas e cumpridas muitas vezes em encontros que a razão não explica, trilhos com seus trens e estações quase sacras, teatros cheios em espetáculos memoráveis... Há!
Sabores, cores e odores; que perfumam meu chão, colorem a visão e atiçam a fome nos pratos que me levam como que pra um jardim, aliás, há os jardins... Que me ensinam que o cuidado pode render flores em mim.
Ah! Há também: café com taiada de queijo, uma tara de pão caseiro, uma roça, uma fazenda, um boi no pasto, uma jaca no pé da árvore, um cachimbo no caminho do beiço, um moinho na varanda, um torrador no terreiro, forno de barrro, benzedeira, galinha no poleiro, santa na parede com os olhos nas mãos; cuidando do menino arteiro.
Tem eu pequeno, em meu interior há tanta salvação!
Há sim, o que me salva de mim.
Há um menino.

Casciano Lopes


4.8.23

Meu Santiago de Compostela particular

A dor me parece desumana, só a suporto porque todos os dias me relembro que, não sou puramente humano, sou um ser espiritual numa experiência humana.
Então, todos os sintomas dela, são caminhos que me levam de volta pra casa, pra um lugar de alívio, e sabendo que tudo passa e que não se repetirá nunca mais, se eu aprender a caminhar pela dor com soberania, caminho.

Casciano Lopes


Prece quieta

Quando eu invocar o sagrado, que eu não me esqueça da água que me banha, da madrugada que me abraça com seu silêncio, do mantimento que cresce com o trabalho dos lavradores no meu prato, da luz do sol que me ensina a levantar, da chuva que molha meu telhado me ensinanado cantar, do ar que percorre meus pulmões me mostrando o caminho do vento; da devolução.
Por fim, que eu me entenda sagrado e como tal, que saiba ser milagre e que devo devolver o templo em bom estado, quem sabe, um altar melhorado.

Casciano Lopes


Let it be

Deixa estar
Deixa o vento passar
Deixa a noite escurecer
Deixa a chuva chorar
Deixa a lua de fases, lua ser
Deixa, deixa estar

...

Sem queixa, deixa a manhã chegar

...

Os dias costumam respeitar
Quem deixa o tempo passar
Sem agonia, e como o dia
Se deixa ser alegria
Pra que estie o olhar
Deixa estar.

Casciano Lopes


3.8.23

Devagarinho

Quando o dia amanhecer e de novo eu me achar de acordo com o tempo... Acordado; então, cumprirei o combinado: um dia de cada vez e eu, idem.

Casciano Lopes

Com alegria fazer "o ver"

Sempre é sobre como eu vejo os fatos, os assombros e os nublados montes...
A dor nada mais é que uma coadjuvante onde o protagonista é o meu olhar.
Tudo fica melhor quando posso pensar que outros virão trilhar um caminho que pude fazer porque antes de mim, outros fizeram.

Casciano Lopes

Como em ninho

Quando os ventos passarem e seguirem viagem, vou convidar os passarinhos pra me acompanharem no banco da praça, falarei do sopro que todos os dias deslocou minhas certezas e que de forma intempestuosa, questionou meu estado vertical, quase me levando ao nocaute da horizontalidade.

Casciano Lopes


1.8.23

Em amarelo cítrico

Chega um momento na vida em que somos surpreendidos pela responsabilidade...
Pelo compromisso com o que na jovialidade do corpo, nem merecia destaque e que nesses momentos, passam a exigir caneta marca texto.
... A responsabilidade maior é comigo, a gente chega e parte sozinho da vida, o voo é solo e durante esse intervalo de tempo, tentam nos convencer de obrigações, quando na verdade só estão buscando nossas permissões pro ataque e chega um momento, ah chega sim!
Momento em que viver significa mais que isso e não cabe no corpo nada além do que acredito, nada que eu não tenha plantado com minhas mãos pode crescer no meu chão e as sementes que jogarem por cima de meus muros, precisam ser arrancadas e cuspidas...
Compromisso e responsabilidade, é sobre quem conversa comigo quando comigo me deito na cama da noite; o resto não é problema meu e não será destacado no texto que vim na vida pra escrever e nem ditará os meus dias que preciso dizer.

Casciano Lopes


Interior em carestia

Sempre quis ter uma drusa de ametista, grande... Muito cara!
Sempre quis ter uma cristaleira pra guardar antiguidades... Muito caras; nenhuma e nem outra possuo.
Será que não?
Por exemplo, de tantas telas que sonhei ter em meus corredores, talvez eu as tenha todas quando passeio por mim.
De tão caro que não pude atender desejos meus, talvez eu tenha me tornado bem avaliado. Caro mesmo, já que possuo tudo dentro de mim!...
Tenho até uma máquina de escrever ao lado de um telefone vermelho e antigo numa escrivaninha de pés boleados, de onde sentado, escrevo cartas pros meninos da noite, enquanto vejo a grande ametista acendendo as telas de minhas paredes.

Casciano Lopes


O nada e o tudo

Há um oceano de infinitos em mim,
nele nascem sóis, luas e quintais de mundos.
Nascem céus de estrelas,
galáxias e chão de astros,
infindos começos e suspiros sem fim,
em mim.
E quando nasço e renasço,
é só pra de novo nascerem, em mim, os eternos.

Casciano Lopes