29.3.12

Lenha

Lá no fim da curva da estrada de morar,
Bem colocada na paisagem de admirar,
Uma fumaça branca encantava a vista
Colorindo o céu e do galo a crista.
Subia e se espalhava na plantação
Cobria de interior toda a criação
Enquanto o pomar verde esfumaçava,
A jabuticabeira pretinha branqueava.
A cerca que proibia, envelhecida, sumia
E só se ouvia do outro lado o gado que mugia,
A charrete que descia com cavalo apressado
Na terra fofa escondia o barulho do trotado.

...E lá dentro, na casinha sertaneja de madeira,
Um fogão de lenha com chaminé e chaleira
Com mania de grandeza que parecia caldeira
Cozinhava o jantar da vida fazendeira.

Casciano Lopes

Sete... Pode ser...

Terço
Pode ser a terça parte...
Pode ser o caminho da cruz
Quarta
Pode ser a quarta parte...
Pode ser a quarta feira
Quinta
Pode ser a quinta parte...
Pode ser a da Boa Vista
Sexta
Pode ser a sexta parte...
Pode ser a sexta maravilha do mundo
Sábado
Sabatina
Santo
Sagrado
Desejo dominical
Deitado
Dividido em sete
Descansos
Subtraindo a segunda
Com segundas intenções.

Casciano Lopes

26.3.12

À flor

Ela é vista por entre distâncias
Cavalga elos
Semeia ou colhe
Nua, a noite fria aquece.


Põe mesa
Apara o vaso
Acolhe as flores
Mesmo que não existam.


Decalca entre paredes
A cama grande
Estampa seus lençóis
E imprime corpo mesmo ausente.


Faz da terra um acaso
Do deserto um habitado
Elabora a paisagem
E decora a sequidão com seus jardins.


Do peito faz palco
Do céu um rio
Da pele calafrio
E do caos a imensidão...


...A poesia.


Casciano Lopes

22.3.12

Anjo



Não há barreiras em minha terra
A serra transponho
Na lua rodopio
No sol sinto frio
Nas águas adormeço
Meu berço é onda
Minha santa me sonda
Tomba seu azul
Me embala...
Me guia...

Eu já guio o que sei
O que tive e terei
Já tenho o que guardo
Já guardo o que é meu
Eu sei.

Casciano Lopes

21.3.12

Todo dia

Eu preciso...
De alguém com coração caloroso
E que de bom grado divida-o comigo
Que tenha nas mãos os calos de solidão
Para nunca querer estar ou deixar só
Que goste de contar meus fios de cabelos brancos
Antes que se tornem incontáveis
E que conte mais de uma vez
Tantas quantas eu adormeça antes do resultado
Eu preciso de um bom dia todo dia
Eu preciso...
Retribuir o aprendizado
Enquanto aprendo existindo.

Casciano Lopes

Compromisso

Chegou ao portão apressada como atrasada
Aos poucos começou caminhar de pouco
Divagando pelos passos por um tempo
Antigo quem sabe ou de recente passado
Emocionada demais para se conduzir
Parava apoiada nas esculturas de esquinas
Descansava nos passeios estreitos dos guardados
Nas frases de outros passados e nos buquês...
Alguns frescos recém visitados
E outros murchos de passado sem gente
Levantou os olhos e contemplou o silêncio
Algo como um livro de memórias
Discorreu pelas páginas e seus capítulos
Fechava e abria o livro
Leu o prefácio e seu autor
Assoprou algumas empoeiradas palavras
Sem visitas ou desperdiçadas leituras
Voltou para entender histórias
E leu quantas vezes precisou ler...
Lembrou-se do porque estar ali e apressou-se
Agitou as pernas pelos passeios da cidade vazia
Assim como os dedos pelas páginas do livro
Chegou ao título que buscava, mesmo sobrenome
O mais que conhecido...
O presente ausente que insistia em não ser passado
Sentou-se na grama verde e bem cuidada
Depositou um lindo arranjo de cravos
E chorou por ter sido deixada para trás
Registrou na lápide mais um risco de saudade
Contabilizando os anos que separam vida e morte
E a distância entre amando e amado...

Casciano Lopes

13.3.12

Distante

Vive só e distante
O que dista o corpo do toque
Vaga moribundo um olhar
Perdido em qualquer imensidão
Nada no aquário desprovido de peixes
As perguntas borbulhantes que não calam
De longe os uivos de animais quase extintos
Feito sentimentos ainda clamam por eles
Precisa-se de uma jaula habitada
Só, está enjaulado sem grades ou cadeado
Sem trancas e não foge
Quer só a mesma jaula habitada
Por eles... Os sentidos e seus corpos
Antes de ser extinta... A paixão pela vida.

Casciano Lopes

9.3.12

Solo em grito

O pranto que lamenta a morte
Ecoa em dor balbuciada palavra
A que acolhe e protege
Agora apela à lágrima
Salgando a procura de seu quinhão
Seu pedaço tirado à força
Sua carne rasgada a cru
Bruta força, desfalece a alma


Roubadas... Como as da Sé
Das guerras
Afanadas... Como as das drogas
Do crime
Esquecidas... Como as de Maio
Da Candelária
Desprotegidas... Como as da seca
Carandirus.


Suas perdas...
O inodoro e insípido
O sem sentido viver 
Seus leites petrificados
Seus ausentes
Presentes nos adornos
Lembranças desejadas
No partir e repartir.


Mãe...


O lugar onde a inocência é interpretada antes da pedrada
Onde a consciência vem acompanhada do bom juízo
Onde a medida é com justiça colocada na balança
Onde a divisão é feita desde que não reparta o filho
Onde se doa para longe desde que permaneça a vida
Onde não se perdem princípios em troca de mentiras
Onde no lamento da espada por amor se empresta à dor.


Para que viva o filho...


Casciano Lopes

8.3.12

Vestido estampado

Cai como uma luva as estampas tecidas em curvas
Desce como santo, o tecido agora vestido
Destila seu tom azul que misturado ao bege
Junta-se ao roxo riscado de preto, transpassando o branco
E assim desfila vestido florido, estampado, ramado
O que acompanha o jogo das ancas e a cadência da cor

Como da mesma forma a terra vestindo azuis, brancos, verdes
Se enche de cores e jeitos, põe seu estampado e rodopia
Se mostra em elipse, eclipse e mistura os tons
Na soma dos credos, das etnias e classes se ergue e se mostra
Faz um colorido que sustenta na gravidade a esfera
Assim como o tal vestido, vestindo-se de estampado se despe...

Dos preconceitos

Casciano Lopes

5.3.12

Paisagem cercada

As cercas separam e farpam
Os chifres e os que eles afagam
Mandam na grama
Na que forma a lama
Divide a varanda e a cana
Destoa a tarde no fim de quem ama
Entoa o sol que já não reclama
Elas testemunham camisas que rasgam
Prendem os cós e despem os que lutam
Cercas... Aquelas que cercam
Animosidade e os que tocos fincam
Os que vão e os que ficam
As telas e os que pintam
As farpadas que separam.


Casciano Lopes

29.2.12

Credo

Eu sou aquele cara...
Que acredita mesmo quando não há evidências,
Quando falta a fé a tantos... Ah eu acredito!
Surreal ou temporal,
Distante do que ata
Ou perto do que amarra,
Desatando os sonhos
Ou carregando os feixes,
Ah eu acredito!
Talvez assim vivendo
E por acreditar tanto,
Ainda levo um coração de crenças,
Dois olhos de piedade,
Duas mãos de poesias
E dois pés na direção
Do ato de todo dia ditar a ata
Da reunião de pensamentos,
Da fusão de tantos sentimentos
Que me fazem de novo acreditar.


Casciano Lopes

28.2.12

Tudo se faz novo

É o novo...
Novo interesse
Nova realidade...


É o novo que me move
Construir para reconstruir
A surpresa da desconstrução
A alegria da alvenaria se erguendo
A justa fé do ferro
A lida do cimento
E a liga do movimento
Tão destrutível quanto inflexível
A licitude das coisas
A permissividade do impossível
E a possibilidade de ser
Épico ou pura ficção
Importando apenas
O que vai na imaginação.


Do amanhã só a certeza
E a falta dessa certeza
Em cada manhã é o que gera vida.


Casciano Lopes

24.2.12

Deficiente...

Deficiência...
É não saber mais abanar as mãos para dizer adeus
É não sorrir quando te molham perto da piscina
É se perder no caminho e não aproveitar para conhecê-lo
É negligenciar um sono esquecido de ir embora.


Deficiência...
É esquecer o riso numa preocupação
E não se preocupar com isso
É se esconder para lamber a calda de chocolate dos dedos
E achar que isso é normal
É se lembrar atrasado de que não deu bom dia ao seu amor
E não ligar... Deixar para amanhã
É achar que um aniversário dispensa abraços mas não presentes
E depois prefere trocar do que doar.

Deficiência...
É ter medo de ser chamado de bobo porque riu sozinho
De louco porque gosta de conversar com os pensamentos
De gay porque sentiu vontade de beijar o rosto do amigo
De infantil porque quis chorar ao prender o dedo na porta.

Isso é deficiência.

O pecado que faz do homem
Um portador de necessidades especiais.

Casciano Lopes


16.2.12

Desde o nascimento

Nos cercam as medidas...
O peso, a métrica
Os miligramas, os cercados
Os tamanhos...
Os...
Crescemos
E nos acompanham
O ideal, o perfeito
O equilíbrio, o permitido
O necessário, o suficiente
O que a 'educação' reconhece...
Envelhecemos...
As mãos só tateiam
Os pés tropeçam
A visão escurece
A memória enfraquece
Ai...
O copo transborda
As calças caem
Os óculos se quebram
E a gente se esquece das medidas
Só ficam...
Certezas...
De que tudo deveria ter sido desmedido
De que acabou rápido demais
Porque talvez perdeu-se muito tempo
Medindo as coisas...


Casciano Lopes

Culpado

E no frasco
Cor de mel
Um  carrasco
Tom de fel.

Pasmo eu
E o astro céu
No rastro
Do perfume réu.

Casciano Lopes

10.2.12

Transparência

Tem dias em que muda de cor
Deixando pálidas minhas paredes
Torturando a incandescente lâmpada
Polindo em brilho minhas pupilas
Marejando em sais as tais
E alucinando em versos o quarto escuro
Parece transparente a sensível ao toque
Vê-se o interior de meu interior
E as ideias já se confundem com ideais
As emocionais com cerebrais
E o suor se junta ao pranto
Joelhos num canto
Implorando e pedindo ao santo
Que cesse..
Ela que detona meus reboques
Dilacera minhas sapatas
E rouba minhas tintas
De maquiar ou esverdear o mundo
De paredes...
Hoje pálidas...
A dor.


Casciano Lopes




9.2.12

Oração de um sertanejo

Pru que? Ora pois...
Me arrespondi criadô
Pru que nóis vivi ansim
Perdidu e jogadu
Di um ladu pu oto...
Num somo dotô
Num somo sinhô
Male má caminhamu
Pru cima da terra
Isquicido e bem duídu
A fome levô as gordura
Só osso deixô Sinhô!
Lata vazia...
Ais vazia di comê enferrujô
Pru que? Me arrespondi...
Fiz tantu fio
Tanta choradera nu uvido
Tantu roçado carpi
Tanta farinha comí
Pru que Sinhô?
Pru que vivo?
Se inté minha roça secô
Minha dona o chão iscondeu
Os fio isqueceu du véio
Acho inté que um é dotô
O soli vem lá das banda do norti
Me arresseca a vista no caminhu
Em quando em vez se alevanta um pueirão
O véio corri carça a bota
Chapé de paia e leite de rosa
Qui nada...
Carrão vai direto potras banda
Divia se oto dotô
Ahhh Sinhô...
Esse véio seu criado tá cansadu
Se pudé e o Sinhô achá que dé
Dá força nos braço na moenda
Pa trabaiá o que sobrô
Cedinho lá nos grão pa vê si vivo
Oto dia ansim como isturdia
Guardi minha famia di longe
E não disampari o caipira de pertu
Amém e inté.


Casciano Lopes

De frente com o tempo

Nas ranhuras de meu tempo,
Esculpidas e bem marcadas
Na face que hoje trago viva,
Tenho todas as histórias...
As vivas, as mortas,
As convalescentes,
E as anestesiadas.
Tenho as lendas e os fatos,
As dívidas e os tributos,
A descrença tão perto do beato,
Ausência tão presa à existência.
Tenho nos sulcos dessas ranhuras
Todas as tempestades,
As intempéries do clima,
O desamor ínfimo dos homens,
A razão sócia da emoção.
Os olhos que emolduram a textura
Já são quase da cor dos cabelos,
E os grisalhos que destoam da mente
Já quase conseguem desbotar o tato.
E as ranhuras...
Essas continuam acumulando nos vincos
Uma certeza...
Desce-se aos vales quanto for necessário,
Há um momento em que a subida só é possível,
Se as raízes forem saudáveis,
Adubadas e bem fincadas nas mesmas ranhuras.


Casciano Lopes

8.2.12

Ciclo da dor

É necessário que a terra sofra
Que a chibanca cave seu solo
Desobstrua sua raízes,
Tem o tempo de seca
Fartura de água
Racionamento
Transbordamento,
Vem o calor do astro
O breu sem lua
E a cheia toda nua
Sofre as dores do parto
Brota frágil e esverdeada
Sua cria mais doída,
Cresce, preocupa a mãe
Terra
Vem os algozes insetos
Pragas e maldições
E ela
A terra
Emana seu potencial
Amamenta, alimenta
Sua obra
Que se enche de espinhos
Afasta a mortalidade
E faz brotar seus botões
Que desabrocham em rubro
Branco, amarelo, carmim
Perfumam o vaso, a casa,
A dama e o roseiral
Enchendo de pétalas seu chão
E de orgulho sua criação
E o recomeço faz o dever
Na terra das cavidades
Rachaduras e inundações
Onde o ciclo se faz novo
Onde primeiro vem a dor
Para depois brotar a flor.


Casciano Lopes



Enxergando a poesia

A poesia é mesmo algo que transcende
toda essência
Quando se senta à beira do caminho
traz quietude
Em cima do telhado não só calmaria
também tempestade
Ora faz alarde feito tambor vazio rolando
ladeira abaixo
Ora traz o sossego do silêncio
embala o sono
Quando ferem a face do descuido ela
estanca o sangrar
Outras vezes arranca gemidos da alva face
que põe-se a chorar
As letras codificadas ou desvestidas são
artimanhas dela
Dizeres, saberes, sentimentos cálidos
profundos ou rasos
Solfeja como um mantra a cascata
melodiosa das águas
Como também nas cascatas: a mentira e balela
disfarça seu mal
Empresta a palavra o direito de ir, muitas vezes perdendo o
de vir
Se senta nas linhas sua forma regrada
encontra quem gosta
Se foge dos espaços e deforma seu traço também alivia 
o peso da gente
A poesia, esta senhora elegante...
Que tanto serve aos iguais quanto aos
deselegantes
Que amaldiçoa e abençoa em fração
de versos
Ilumina elevando 
a lamparina
 outras vezes faz-se negro
escondendo a vela
Ah poesia...
Se não fosses tu
Caprichosa e delicada
Talvez naquele inverno
Não tivesse trazido
E eu conhecido
Na porta de um bar
O grande amor de minha vida
Hoje a razão de minhas letras
Meus dizeres múltiplos
Com várias interpretações
Para mais de mil leitores
De mil leituras
Mas...
Com uma única intenção
A do poeta
A do amor
A da poesia.

Casciano Lopes